LegalOps: Antes dominada por advogados, área tem se tornado multidisciplinar no Brasil

Composta predominantemente por profissionais formados em Direito, a área de LegalOps no Brasil tem se tornado cada vez mais interdisciplinar e conquistado profissionais de diferentes formações acadêmicas, como Administração, Ciência de Dados, Contabilidade, Engenharia e Economia. Isso é o que aponta o estudo ‘Legal Operations: Perspectivas de inovação e gestão jurídica’, feito pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da FGV Direito SP e divulgado nesta quinta-feira (27/3). Contudo, Mesmo que os profissionais não tenham formação jurídica original, as empresas contratantes consideram o conhecimento no ecossistema jurídico essencial para o exercício de atividades atreladas ao LegalOps.

“Essa pesquisa é um marco muito importante para o CEPI. Buscamos construir um panorama para entender o que é a LegalOps e quem são as pessoas por trás dessas atividades. Há uma projeção muito mais bem construída no debate internacional, e por isso nos debruçamos para entender como a área está se materializando na realidade brasileira”, afirmou ao JOTA Ana Paula Camelo, líder do CEPI e uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.

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O levantamento obteve 91 respostas, sendo 30 de escritórios de advocacia, 44 de departamentos jurídicos e 17 de lawtechs, legaltechs, consultorias e outras organizações. Dentre elas, 44 empresas entrevistadas informaram que possuem uma área de Legal Ops. Ao serem questionadas sobre a formação dos profissionais que atuam no departamento, 91% afirmaram contar com profissionais formados em Direito, embora nem todos possuam a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A formação em Administração surge em seguida como a segunda mais representativa nas operações de LegalOps no país, sendo adotada por 55% das empresas entrevistadas. A área de Ciência de Dados ocupa a terceira posição, presente em 43% das equipes consultadas. Além disso, a pesquisa identificou profissionais formados em engenharia, economia, contabilidade, marketing e jornalismo atuando na área.

“Esse dado é relevante, pois abre novas perspectivas de carreira para um grande número de profissionais no mercado”, destacou Camelo. Ela ressaltou que, além da interdisciplinaridade que a área tem conquistado no Brasil, outro ponto importante é o tamanho das equipes de LegalOps, que geralmente são mais enxutas, variando de 1 a 5 ou de 6 a 10 profissionais. Além disso, há uma tendência de os profissionais não acumularem funções, dedicando-se exclusivamente às atividades relacionadas ao Legal Operations, o que reforça a relevância da área.

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“A área de LegalOps surge com mais naturalidade em jurídicos internos, onde a demanda por mais eficiência, melhor gestão e interações multidisciplinares é exigida por padrão já da figura do advogado in-house – nem sempre isso acontece em escritórios de advocacia, em que o business é liderado e operacionalizado por advogados”, afirma Guilherme Tocci, sócio-diretor de LegalOps Consulting na KPMG e líder regional do CLOC Brasil (Corporate Legal Operations Consortium). 

Na visão de Tocci, isso é refletido com maior evidência no perfil das organizações contratantes da área. Cerca de 70% das novas vagas são abertas em jurídicos – sendo que apenas 18,4% estão em escritórios. “O Brasil tem uma cultura jurídica muito rica. Apesar de LegalOps ser recente no país, temos diversos elementos que contribuem para uma adoção rápida de inovação e transformação jurídica. São 1,5 milhão de advogados – estima-se que temos mais do que o dobro de pessoas como bacharéis em Direito, sem registro na OAB”, afirma Tocci.

“Hoje no Brasil temos pessoas de diversas formações entrando na área, como designers, cientistas de dados, engenheiros, físicos, químicos, administradores e mais”, diz. Em sua avaliação, isso gera um cenário propício para uma busca por eficiência operacional na área.

Além da multidisciplinaridade, a pesquisa do CEPI chama atenção ainda para o fato de que a maioria das organizações respondentes (24) indicou que não exige formação jurídica, enquanto 14 responderam que tal exigência se dá apenas para posições específicas. Apenas uma minoria das organizações – 6 respondentes – disse que exige formação jurídica de todos os profissionais da área.

Para as organizações que exigem formação em Direito, os pesquisadores questionaram se há a necessidade de inscrição na OAB. Nove respondentes afirmaram que não há essa exigência, enquanto outros nove indicaram que a inscrição é necessária apenas para algumas posições. Já dois respondentes disseram que a inscrição na OAB é obrigatória para todos os membros da equipe.

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Em relação às habilidades e competências exigidas dos profissionais que compõem a área de LegalOps, o estudo aponta que houve variação em relação àquilo que é esperado. Em primeiro lugar, na ordem de prioridade na amostra de 44 respostas de múltipla escolha, 15 destacaram as habilidades e competências socioemocionais (34%), 14 pontuaram as habilidades jurídicas (32%), 13 de gestão (30%) e 2 pontuaram as competências tecnológicas (5%).

Independentemente do tipo de organização, a pesquisa mostra que a área de LegalOps é vista como importante para o desenvolvimento tecnológico, servindo como um catalisador para o teste e a adoção de novas tecnologias, tendo em vista o objetivo de gerar mais eficiência e agregar valor aos processos e serviços oferecidos.

No contexto jurídico, Camelo cita que as principais motivações para aderência e estruturação da área foram a busca por otimização de recursos e aumento da eficiência. Para ela, essa procura pode ser inclusive reforçada no âmbito das organizações jurídicas brasileiras por uma particularidade do contexto nacional: o grande volume de processos judiciais, estimulados pela cultura de litigância existente no país.

“Essa cultura de litigância é uma particularidade muito importante, porque temos uma série de aspectos próprios desse contencioso brasileiro, que alimentam e incentivam o crescimento dessa área”, ressaltou Camelo.

LegalOps além da gestão jurídica

Na avaliação de Paulo Samico, presidente e fundador da Association of Corporate Counsel Brasil (ACC Brasil), a área de Legal Operations nasce em um contexto onde a advocacia precisa se reinventar, sobretudo para continuar sendo, para a sociedade e para o mundo contemporâneo, sinônimo de uma ciência que traz previsibilidade e segurança. 

Quando a profissão de LegalOps nasce, ela não é só um alento para quem não se conforma em seguir a carreira jurídica tradicional, que é ser advogado, mas ela também se torna uma espécie de oportunidade de caminho para outros profissionais que não querem também seguir isso nas atuações clássicas”, avalia Samico. 

Ana Paula Camelo explica que as funções na área de LegalOps podem ir além das demandas jurídicas. Segundo a pesquisadora, as atividades do LegalOps abrangem uma dimensão administrativa, como a gestão de pagamentos, fornecedores e contratos, e uma dimensão de otimização, com o objetivo de organizar e aprimorar os processos existentes.

Além disso, outro fator relacionado ao crescimento e à estruturação da área de LegalOps nas organizações do país, citado pela pesquisadora, é a busca por transformação digital. De acordo com os dados do estudo, isso ocorre porque a área não se limita às demandas jurídicas e também é fortemente marcada por elementos de tecnologia e gestão.

Todas as lideranças entrevistadas no estudo do CEPI informaram que estabeleceram os serviços de LegalOps com essa nomenclatura entre 2020 e 2022 e também têm atuado no segmento denominado ‘LegalOps as a Service‘, voltado à prestação externa de serviços. Ou seja, nesse caso, o Legal Operations é oferecido a terceiros, embora também atenda pontualmente a algumas demandas internas. Entre as empresas entrevistadas que oferecem o LegalOps as a Service, as demandas relacionadas à gestão do contencioso representam uma fatia significativa do mercado.

Apesar das transformações atravessadas pelo mercado jurídico nos últimos cinco anos, com cada vez mais pessoas e organizações engajadas no tema do LegalOps, a área ainda enfrenta alguns obstáculos que dificultam o seu crescimento no país.

Na avaliação de alguns entrevistados, o mundo jurídico ainda é muito fechado em si mesmo, sendo muitas vezes resistente à interação com outras áreas, bem como a enxergar o mesmo valor em atividades que não são tipicamente jurídicas.

Já na opinião de Tocci e Samico, há um único obstáculo para o LegalOps no Brasil: o awareness. “Awareness é fazer com que cada vez mais pessoas fora do ecossistema jurídico de inovação entendam o que é Legal Operations e que é possível aplicar essa metodologia no dia a dia, mesmo estando num escritório pequeno ou numa empresa de pequeno porte. Não é à toa que existem hoje empresas que vendem esse serviço do Legal Operations como um serviço”, afirmou Samico. 

“Muita gente no país acaba sentindo as dores que a área de Legal Operations pode resolver, mas se as pessoas não souberem que há remédio para curar alguns desses problemas, não saberão como, nem por onde, começar a resolver – por isso pesquisas como essa são tão importantes para o cenário de desenvolvimento no Brasil”, concluiu Tocci.

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