Entre aluguéis e hotelaria: desafio de IBS/CBS na redefinição do mercado imobiliário

A promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, seguida da edição da Lei Complementar 214/2025, trouxe à tona um novo arcabouço tributário que afeta diretamente o mercado imobiliário, em especial no que se refere à locação de imóveis.

Tais normas introduziram o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) como elementos centrais da reforma, repercutindo de forma profunda nas relações locatícias e exigindo adaptações imediatas dos agentes do setor, sejam pessoas físicas ou jurídicas.

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O primeiro ponto a destacar está consubstanciado no art. 251 da LC 214/2025, que determina a incidência do IBS/CBS sobre as “operações onerosas envolvendo bens ou serviços”. A locação de imóveis, por vezes historicamente isenta de ISS — a exemplo do que ocorria quando não se enquadrava na lista de serviços municipal —, passa a se incluir num regime mais abrangente, cuja premissa geral é tributar atividades que, ainda que não ostentem o caráter clássico de prestação de serviços, revelem habitualidade e intuito econômico.

Na prática, essa alteração expande o universo de sujeitos passivos, pois abrange não somente empresas especializadas em locações, mas também pessoas físicas, desde que preencham os requisitos trazidos pela lei.

Entre esses requisitos, o inciso I do § 1º do art. 251 prevê um limite anual de receita — atualmente fixado em R$ 240 mil, sujeito a atualização — e a quantidade de imóveis locados (mais de três unidades distintas). Caso ultrapassados esses limites, o locador pessoa física enquadra-se no regime regular de IBS e CBS, deixando de ser um simples “proprietário que aluga o imóvel” para ostentar a condição de contribuinte obrigatório desses novos tributos.

Além disso, o próprio texto da LC 214/2025 impõe uma análise contínua dos rendimentos: se, no decorrer do ano, o valor arrecadado em aluguéis superar 20% do teto anual (cerca de R$ 48 mil, com atualizações mensais pelo IPCA), instaura-se a obrigação de recolhimento mesmo que o contribuinte não tenha extrapolado o limite anual no exercício anterior.

Uma das inovações que mais tem repercutido no mercado é a equiparação prevista no art. 253, que dispõe sobre locações temporárias ou de curtíssima duração (inferiores a 90 dias). Nesses casos, o legislador optou por tratar tais operações à luz da hotelaria, implicando alíquotas mais onerosas e uma disciplina fiscal mais rigorosa.

A justificativa para tanto reside na compreensão de que, em alugueis de prazo muito curto, o locador acaba por desempenhar atividade semelhante a hospedagem, muitas vezes associada a serviços adicionais, sobretudo quando se utilizam plataformas digitais para promover a locação. Na prática, isso significa um aumento da carga tributária, o que pode vir a impactar o custo final ao inquilino ou hóspede.

A fim de conferir maior segurança jurídica ao período de transição, o art. 487 da LC 214/2025 prevê a possibilidade de recolher IBS/CBS a uma alíquota de 3,65% para contratos de locação firmados antes de determinada data-limite, desde que obedecidas formalidades específicas, como o registro em cartório até 31/12/2025.

Tal benefício, à primeira vista, assemelha-se à tradicional alíquota conjunta de PIS/Cofins aplicada no lucro presumido (3,65%). Todavia, há contrapartidas onerosas para o contribuinte, como a vedação à apropriação de créditos de IBS/CBS, dificultando a compensação com outros tributos e, por consequência, exigindo criteriosa avaliação do custo-benefício para cada operação.

No que tange à adaptação do setor, observa-se uma tendência de reorganização das estruturas contratuais e societárias. Pessoas físicas que mantêm patrimônio imobiliário relevante deverão analisar a possibilidade de constituir sociedades específicas ou holdings patrimoniais para otimizar a gestão fiscal.

Entretanto, a mera constituição de pessoa jurídica não afasta, por si só, a incidência do IBS/CBS — na verdade, pode até torná-la mais complexa, haja vista a cumulação com demais tributos, como o IRPJ e a CSLL, além das regras de não cumulatividade que exigem controle minucioso dos créditos tributários admissíveis.

É igualmente previsível que parte do ônus tributário seja repassada ao inquilino, mormente nos contratos de curta duração, em que a margem de rentabilidade para o proprietário tende a ser menor e, portanto, mais sensível a custos adicionais. Sob a perspectiva de quem aluga, especialmente nas grandes cidades, esse custo pode encarecer substancialmente o preço final da locação, o que poderá impactar a demanda por imóveis de temporada e o desenvolvimento de plataformas digitais destinadas a esse nicho.

Não se descarta, aliás, um eventual reposicionamento de tais plataformas, que poderão se ver obrigadas a ajustar suas políticas de comissionamento e prestação de serviços para fins de compliance tributário.

Outro aspecto relevante é a discussão condominial: a equiparação da locação de curta duração a serviços de hotelaria tende a dar força ao argumento de que tais práticas ferem a finalidade exclusivamente residencial de certos edifícios, legitimando restrições impostas em assembleias.

Essa questão, embora de natureza civil, dialoga com a nova realidade tributária, pois a interpretação oficial de atividade econômica intensifica a percepção de que não se trata de mero “empréstimo oneroso de bem imóvel”, mas de verdadeira exploração comercial. Isso pode gerar disputas judiciais no âmbito dos condomínios, caso haja proibição ou limitação estatutária da prática.

Sob o prisma macro, portanto, o mercado imobiliário será desafiado a rever modelos de negócios até então consolidados. A aparente “simplificação” proposta pela EC 132/2023 e concretizada pela LC 214/2025 exibe uma série de nuances e exceções que demandam acompanhamento constante por parte dos locadores, investidores e administradoras de imóveis.

O cumprimento das novas obrigações acessórias, a necessidade de escriturar corretamente o IBS/CBS e a interpretação dos parâmetros legais (como o número de imóveis e o valor de receita) tornam o planejamento tributário uma peça-chave para a viabilidade financeira das locações, notadamente nas modalidades de curta temporada.

Em síntese, a reforma tributária retratada pela EC 132/2023, aliada à LC 214/2025, inaugura um paradigma em que a locação de imóveis, mesmo quando exercida por pessoas físicas, passa a ser considerada uma operação tributável se verificada a habitualidade ou certa expressão econômica.

A reação do mercado — seja por via de reorganização empresarial, seja pela busca de regimes especiais ou estratégias jurídicas de mitigação de risco — tende a ser complexa e heterogênea, refletindo as diferentes realidades do setor. Ainda que a proposta oficial seja simplificar o sistema tributário, a adaptação a esse novo cenário certamente exigirá, de todos os envolvidos, uma postura proativa de adequação contratual, contábil e fiscal para evitar contingências e manter a competitividade no ambiente imobiliário.

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