Como fortalecer diálogo entre organizações de pacientes e Ministério da Saúde?

A construção do Sistema Único de Saúde (SUS) tem raízes profundas na participação social, fruto de um processo histórico de mobilização e construção coletiva que culminou na consolidação do direito universal à saúde. Em celebração aos 35 anos do SUS, torna-se ainda mais relevante repensar as formas de interação entre as organizações de pacientes e o Ministério da Saúde.

Este artigo apresenta uma análise baseada na entrevista[1] realizada com a Dra. Lúcia Souto[2] – chefe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Saúde –, em que são apresentadas recomendações que visam fortalecer essa relação, tanto para os representantes dos pacientes quanto para os decisores políticos.

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Legado da participação social no SUS

A trajetória de construção do SUS está intrinsecamente ligada ao movimento participativo que ganhou força a partir das grandes conferências de saúde dos anos 1980. Esse processo possibilitou que a sociedade assumisse um papel protagonista na definição das políticas sanitárias, estruturando um sistema baseado na interação tripartite entre usuários, prestadores e gestores.

Assim, a consolidação dos conselhos de saúde em todas as esferas governamentais reafirma o compromisso do poder público em manter mecanismos de controle social sobre as políticas implementadas. Essa experiência histórica evidencia que a participação organizada é um elemento crucial para a defesa e ampliação dos direitos à saúde, reforçando a necessidade de investir em canais de comunicação que dialoguem com a realidade vivida nos territórios.

Desafios atuais e oportunidades para o diálogo

Apesar do legado vitorioso, as organizações de pacientes enfrentam desafios práticos que dificultam a participação social. Dentre as principais barreiras, destaca-se a dificuldade de deslocamento até Brasília, a limitação de recursos financeiros e a carência de equipes especializadas para acompanhar os processos de formulação de políticas públicas.

Esses entraves evidenciam a urgência de repensar os formatos de participação, tornando o diálogo mais inclusivo e acessível. As oportunidades para superar essas limitações incluem a utilização de recursos digitais e a descentralização dos encontros, de modo a aproximar os representantes das demandas dos diferentes territórios. A experiência apontada pela especialista ressalta que a integração entre iniciativas regionais e a atuação dos conselhos podem oferecer soluções práticas para ampliar a efetividade do diálogo.

Com o lema “o território que temos e o território que queremos”, a recente resolução do Conselho Nacional de Participação Social recomenda ao presidente da República inaugurar, ainda este ano, o Orçamento Participativo no Brasil. Esse instrumento estratégico aproxima as políticas públicas dos territórios, promovendo educação popular, participação ativa e engajamento comunitário para definir prioridades locais e reduzir barreiras de acesso.

Baseado em experiências positivas, como o PPA Participativo (Plano Plurianual Participativo), a distribuição gratuita de medicamentos pela Farmácia Popular e a reabertura do Hospital de Bonsucesso, o Orçamento Participativo integra demandas em níveis municipal, estadual e nacional, fortalecendo a democratização dos investimentos públicos e garantindo o direito à saúde por meio de ações governamentais eficazes e inclusivas.

Instrumentos e estratégias para fortalecer a comunicação

Diversos instrumentos já implementados pelo Ministério da Saúde podem ser utilizados para fortalecer o diálogo com as organizações de pacientes. A participação ativa nos conselhos de saúde – seja em nível nacional, estadual ou municipal – é essencial para que as demandas sejam sistematicamente discutidas e encaminhadas.

Além disso, o desenvolvimento do Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde[3] proporciona uma plataforma de visibilidade e articulação das entidades, permitindo o compartilhamento de experiências e a consolidação de uma rede que fortalece a capacidade de influência das demandas. Outro recurso importante é o SUS Digital, que, por meio de canais online e pontos focais regionais, facilita o acesso a informações e orientações, contribuindo para uma comunicação mais dinâmica e sobre as ações do Ministério da Saúde.

Recomendações para as organizações de pacientes

A partir desta entrevista com a Dra. Lúcia Souto é possível traçar algumas recomendações para que as organizações de pacientes aprimorem sua atuação junto ao Ministério da Saúde:

  • Elaboração de propostas fundamentadas e articulação: Recomenda-se realizar um diagnóstico avançado para embasar as pautas com estudos sólidos. É essencial avaliar a dimensão do problema, definir propostas claras e promover diálogos diretos com áreas específicas, canalizando demandas aos setores competentes do ministério e articulando com as representações no Conselho Nacional de Saúde.
  • Participação ativa nos conselhos de saúde: As associações de pacientes devem interagir mais com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), participando das reuniões mensais conforme o calendário disponível no site. É importante acessar as agendas das reuniões ordinárias, conhecer as entidades que representam pacientes no CNS e entrar em contato com elas.
  • Aproveitamento dos canais digitais: A utilização de audiências virtuais, contatos por e-mail e a interação com pontos focais regionais reduzem as barreiras logísticas e permitem que as organizações de diferentes regiões se comuniquem de forma ágil.
  • Fortalecimento da articulação em rede: A união entre diferentes entidades potencializa a força das demandas, pois a articulação por meio do Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde possibilita a criação de uma rede integrada que amplifica o impacto das reivindicações em âmbito regional e nacional.

Recomendações para os decisores

Para os gestores e os responsáveis pela formulação das políticas, a melhoria do diálogo passa também por iniciativas que facilitem a participação social e valorizem as especificidades regionais:

  • Abertura e facilitação dos canais de comunicação: Manter pontos de contato abertos e de fácil acesso, tanto por meio de plataformas digitais quanto de encontros presenciais regionais, é fundamental para reduzir a distância entre as organizações e o ministério.
  • Valorização das demandas regionais: Diante da diversidade territorial brasileira, é importante integrar os conselhos municipais e regionais ao processo de formulação das políticas, assegurando que as particularidades de cada localidade sejam atendidas.
  • Apoio à articulação e capacitação: Investir na estruturação e em programas que promovam a capacitação das entidades e incentivem a criação de redes colaborativas fortalece a representatividade das demandas. Esse suporte técnico contribui para que as propostas apresentadas sejam mais consistentes e alinhadas com as diretrizes do SUS.
  • Incentivo ao uso de tecnologias digitais: A ampliação dos recursos oferecidos pelo SUS Digital e a modernização dos canais de comunicação permitem uma interação mais eficiente e transparente, reduzindo os entraves operacionais e facilitando o acompanhamento das políticas públicas.

Conclusão

Fortalecer o diálogo entre organizações de pacientes e o poder público exige compromisso mútuo para aprimorar os mecanismos de participação social, reconhecendo esse direito como inegociável e essencial para legitimar as ações governamentais. A experiência acumulada em 35 anos de SUS deve orientar as organizações de pacientes e as Assessorias de Participação Social e Diversidade dos ministérios, promovendo políticas mais inclusivas e eficazes. A integração de propostas fundamentadas, participação ativa e valorização do corpo técnico aproxima os diversos atores do sistema e reforça a defesa do direito à saúde.

Agradecimentos: À equipe da Assessoria de Participação Social e Diversidade do Ministério da Saúde, representada por Lucas Caxangá e Raquel Mendes, pelo suporte em todas as etapas, e ao Instituto Racine de Educação Superior, que contribuiu tecnicamente para tornar esta entrevista possível.


[1] Para conferir a entrevista completa, visite: https://youtu.be/a1lhQm3Um6o?si=USpfS0_J-1rF9Q8p

[2] Médica Sanitarista e Pesquisadora do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). Possui Doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz. Ex-presidenta do CEBES.

[3]“Uma plataforma pensada para que os movimentos sociais, entidades populares e organizações da sociedade civil se vejam, se reconheçam e, com autonomia, possam escrever suas próprias narrativas e histórias, compartilhar memórias, afirmar identidades, valorizar o território onde atuam e vocalizar demandas e necessidades de saúde. Este é o Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde”. Disponível em: https://mapamovsaude.net.br/index.php/P%C3%A1gina_principal

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