Pé-de-Meia: o que a decisão do TCU nos ensina sobre controle externo?

Em janeiro, o TCU havia adotado medida cautelar quanto ao programa de incentivo financeiro educacional denominado Pé-de-Meia, determinando que não fossem utilizados determinados recursos considerando possíveis irregularidades levantadas em Representação (TC 024.312/2024-0). Na sessão plenária de 12/02/2025, contudo, os ministros apreciaram agravo interposto em face dessa medida, terminando por revertê-la.

O caso é interessante pois suscita reflexões sobre os critérios que balizam as decisões do TCU. Em que pese tenham sido confirmados indícios de irregularidades na operacionalização do programa, o plenário se afastou do formalismo estrito para considerar os fins da política pública analisada, bem como “os potenciais impactos sociais e jurídicos decorrentes da interrupção do programa”.

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No início do julgamento, o próprio ministro relator, Augusto Nardes, destacou que não teriam sido descaracterizados os indícios de irregularidade na gestão orçamentária e financeira da União que fundamentaram a cautelar. Até por isso reforçou, acompanhado por outros ministros, a importância de se observar rigorosamente as regras orçamentárias.

Mesmo ratificado o fumus boni iuris, no entanto, a cautelar foi revogada para “resguardar o direito dos estudantes beneficiados por um prazo hábil e suficiente para a regularização da situação orçamentária e fiscal do programa”.

Considerando que, a princípio, o propósito do TCU é auxiliar na fiscalização contábil, financeira e orçamentária da União,[1] a decisão poderia causar algum estranhamento. Contudo, ela parece alinhada à atual missão do TCU de “aprimorar a Administração Pública em benefício da sociedade por meio do controle externo”,[2] bem como às mudanças que esse controle vem atravessando.

Há anos não se fala mais em um parâmetro tão rígido no controle externo da administração. Como exemplo marcante, tem-se a reforma da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) pela Lei 13.655/2018, que introduziu a necessidade de considerar as consequências práticas ao decidir com base em valores jurídicos abstratos.

Também merece destaque a cultura de incentivo ao consenso, evidenciada pela atuação da Secex-Consenso e pelas decisões do TCU que têm determinado a realização de tratativas para conclusão dos empreendimentos contratados, em benefício da coletividade.[3]

Vale lembrar, ainda, que o TCU adota, em seus processos, os princípios da verdade material e do formalismo moderado, que objetivam flexibilizar aspectos formais e privilegiar a busca pela realidade dos fatos. Em conjunto, esses princípios estabelecem que as decisões não devem se limitar aos elementos levados nos autos, sendo o processo um meio para o atingimento de um fim.

Nesse cenário, a autorização excepcional do TCU para a continuidade do programa Pé-de-Meia traz um bom exemplo de como o panorama geral da Administração Pública – não só nos aspectos econômicos e financeiros, mas também sociais – passou a ser considerado na tomada de decisões pela Corte de Contas, transformando os parâmetros de decisão utilizados no controle externo.


[1] Vide arts. 70 e 71 da Constituição Federal: Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. (…) Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (…)

[2] Plano Estratégico do TCU 2023-2028 disponível em: https://sites.tcu.gov.br/planejamento/

[3] Acórdãos 813/2025-2C, 558/2025-2C e 978/2024-PL, por exemplo.

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