Aposta bolsonarista em Trump contraria tendência global

Ao apostar alto no governo americano para atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e pressionar pela anistia, os Bolsonaros tentam mudar as regras do jogo político interno, em que parecem marcados para perder.

A decisão do deputado Eduardo Bolsonaro de permanecer nos Estados Unidos representa a determinação da família do ex-presidente de investir de vez na agenda externa para se fortalecer não só ante a Justiça, mas também dentro da direita brasileira, no momento em que enfrenta alternativas.

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Quem fez a mesma aposta não teve garantia de sucesso. Até agora, a extrema direita de outros países não colhe vantagens da associação com Donald Trump. Pelo contrário: o caos do tarifaço e da intimidação deu fôlego a correntes políticas que apelaram ao nacionalismo frente a uma potência errática e pouco confiável. Os europeus têm se visto diante do desafio de manterem-se por conta própria.

Para os Bolsonaros, é hora de correr riscos. Radicalizar na frente externa é uma tática de sobrevivência ante o cerco judicial e a perda de força na base política. A disputa pela hegemonia na direita e no próprio PL cresceu nas últimas semanas, à medida que Tarcísio de Freitas passou a ser visto como alternativa presidencial viável. E foi acelerada pelo relativo fracasso do ato bolsonarista em Copacabana.

“Nós no momento não temos como buscar paz, tranquilidade e democracia internamente, é impossível. Precisamos de ajuda de fora”, disse o ex-presidente na quarta a um veículo aliado.

A dificuldade interna do bolsonarismo fica evidente até na definição de quem iria presidir a Comissão de Relações Exteriores. Embora negue, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, ajudou a barrar o substituto anunciado publicamente por Eduardo. No lugar de Luciano Zucco (PL-RS), preferido dos Bolsonaros, o partido indicou Filipe Barros (PL-PR). Ainda que também bolsonarista, Barros foi levado ao cargo pelas mãos da liderança tradicional do partido, não da ala ideológica, evidenciando uma dificuldade dos segmentos mais radicais.

Em tour por canais online bolsonaristas, Eduardo Bolsonaro deixou claro que a vitória de seu período de autoexílio seria a imposição de sanções a autoridades brasileiras, a exemplo das anunciadas a membros do Tribunal Penal Internacional envolvidos na denúncia contra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

“No Brasil se você aplicar a mesma métrica, vai perceber que não é só Alexandre de Moraes que está na mira dessas sanções”, disse o deputado, que resumiu a estratégia da família: “Se tem uma coisa que Bolsonaro aprendeu com Trump é que você não luta contra o lawfare, contra o ativismo judicial, dentro dos tribunais, luta dentro da política”.

Direita global não surfa onda Trump

Ainda que não reste dúvida de que os partidos de extrema-direita estão mudando coletivamente o centro de gravidade política da Europa, Donald Trump parece radical demais até para alguns deles. Enquanto se encontram nos temas anti-imigração e direito de asilo, afastam-se em aborto, política econômica e sobretudo nas relações exteriores, em que haveria uma linha divisória fundamental.

Na Alemanha, o avanço da extrema-direita ficou aquém do que esperavam, sobretudo após o apoio escancarado de Elon Musk. O conservador CDU já avisou que não quer coalizão com os extremistas da AfD. No Canadá, o forte nacionalismo despertado pelas ameaças do vizinho mudou o discurso do Partido Liberal e impulsionou a sua performance política. Mark Carney, o novo primeiro-ministro, que até pouco tempo era o burocrata presidente do BC inglês, virou, comparativamente, uma figura carismática, que se apresenta como alguém preparado para lidar com Trump na eleição convocada para 28 de abril.

Resta saber o que acontecerá na França com o Reunião Nacional liderado por Marine Le Pen, que tem, ela também, se distanciado dos excessos de Trump. O mesmo acontece com Giorgia Meloni, na Itália, e o partido Lei e Justiça da Polônia.

Governo Lula evita embate

No Brasil, a estratégia para lidar com Trump tem sido a cautela. O governo busca o diálogo com os EUA e encontrou no vice-presidente, Geraldo Alckmin, interlocutor imparcial, distante da base ideológica do PT que afasta o governo brasileiro de Trump.

É ele quem tem conduzido o imbróglio comercial. Negocia a suspensão das tarifas de 25% impostas sobre aço e alumínio e tenta evitar as novas tarifas prometidas pelo Republicano em seu plano de reciprocidade, a ser anunciado em 2 de abril.

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Neste primeiro momento, não há previsão de retaliação. Antes disso, o governo brasileiro quer se certificar de que esgotou as vias técnicas.

Em teoria, na conjuntura atual, Trump poderia favorecer até mais Lula e o discurso de campanha em ano pré-eleitoral do que o clã Bolsonaro. Resta saber se o governo e PT saberão fazer do limão uma limonada, e como a direita vai conseguir explorar as mídias sociais e as plataformas em seu favor até a eleição de 2026. Este é um dos maiores temores do governo.

Busca pelo centro

Para a direita bolsonarista, a esperança de que sanções atinjam ao menos o Judiciário brasileiro é alimentada pelos choques recentes de Trump com juízes nos EUA.

Eduardo Bolsonaro, na esteira de postagem de Elon Musk sobre o tema, citou o impeachment de juízes do Supremo de El Salvador para defender a eleição de uma bancada bolsonarista no Congresso em 2026. O movimento é visto com temor pelo STF e pelo Palácio do Planalto há um bom tempo.

Ao defender a tese de dominar o Senado, o deputado marca a distância que a estratégia externa vai tomando da abordagem política do PL e da direita, que vê na impopularidade de Lula o caminho para um candidato que se apresente como mais ao centro.

Nome mais forte até aqui para preencher esse papel, Tarcísio de Freitas coreografa os passos. Segue polindo a imagem de moderação, enquanto faz reverências à família do ex-presidente. Discursou no ato de Copacabana e solidarizou-se nas redes com Eduardo Bolsonaro: “Força, @BolsonaroSP! Conte sempre com meu apoio”.

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Se herdar o voto bolsonarista e avançar para o centro, Tarcísio poderia ser a resposta da direita brasileira à tendência atual de premiar os moderados, não os trumpistas. Uma via que também pode ser explorada pelo governo, com maior tempero nacionalista.

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