STF redefine tese sobre responsabilidade da imprensa por imputação falsa de crimes em entrevistas

O Supremo Tribunal Federal (STF) revisou nesta quinta-feira (20/3) a tese sobre a responsabilidade de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas em que o entrevistado acusa falsamente um terceiro de ter cometido um crime. Pelo novo texto, as empresas só deverão indenizar os ofendidos pela publicação se ficar demonstrada a intenção proposital do veículo de divulgar a informação falsa. Além disso, os veículos não podem ser responsabilizados por falas em entrevistas ao vivo. Por fim, o STF determina que as entrevistas com conteúdo comprovadamente falso devem ser retiradas de plataformas digitais, sob pena de responsabilização.

A tese em repercussão geral vale para todos os casos similares. De acordo com números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem 226 processos em curso em que a tese pode ser aplicada.

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A tese modificada traz mudanças no texto inicial e atende aos pedidos das empresas de comunicação e associações de jornalistas, pois delimita as hipóteses de responsabilidade. O Diário de Pernambuco, autor da ação, e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) ingressaram com recursos no STF após a fixação da tese inicial em novembro de 2023. Na avaliação do jornal e da associação, a tese era subjetiva, o que poderia abrir espaço para a aplicações equivocadas e inconstitucionais, violando a liberdade de imprensa.

Entre os pedidos, estava a inclusão da exigência expressa de intenção (dolo) ou negligência grosseira, além da ressalva de que as empresas não seriam responsabilizadas em casos de entrevistas e debates transmitidos ao vivo.

Os ministros tiveram dificuldades para chegar a um consenso. A sessão começou com quase uma hora de atraso e, quando foi iniciada, o texto já estava consolidado. Após a leitura, a tese foi aceita por todo o colegiado.

Confira a íntegra da tese:

  1. Na hipótese de publicação de entrevista, por quaisquer meios, em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada a sua má-fé caracterizada (i) pelo dolo demonstrado em razão do conhecimento prévio da falsidade da declaração, ou (ii) culpa grave decorrente da evidente negligência na apuração da veracidade do fato e na sua divulgação ao público sem resposta do terceiro ofendido ou, ao menos, de busca do contraditório pelo veículo.
  2. Na hipótese de entrevistas realizadas e transmitidas ao vivo, fica excluída a responsabilidade do veículo por ato exclusivamente de terceiro quando este falsamente imputa a outrem a prática de um crime, devendo ser assegurado pelo veículo o exercício do direito de resposta em iguais condições, espaços e destaque, sob pena de responsabilidade nos termos dos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal.
  3. Constatada a falsidade referida nos itens acima, deve haver remoção, de ofício ou por notificação da vítima, quando a imputação permanecer disponível em plataformas digitais, sob pena de responsabilidade.

Em nota, a Abraji afirmou que vê avanços na decisão do STF, que restringiu a responsabilização da imprensa a casos de má-fé na divulgação de acusações falsas. No entanto, a entidade alerta para pontos não previstos no recurso. “Temos uma preocupação com a inclusão de pontos que não estavam nos pedidos da Abraji, como a aplicação do direito de resposta em entrevistas ao vivo e a remoção de conteúdos falsos de plataformas digitais”, afirmou a entidade.

Entenda

Em dezembro de 2023, por maioria de votos, o STF estabeleceu critérios para a responsabilização civil e o pagamento de indenização para as empresas jornalísticas nos casos em que o entrevistado trouxesse informações falsas e acusasse outra pessoa de praticar um crime.

Na ocasião, os ministros fixaram uma tese que estabelecia que a liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Portanto, admitiu-se a possibilidade de responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo por informações comprovadamente falsas.

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Também fixou-se que a empresa jornalística poderia ser responsabilizada se, à época da divulgação, houvesse indícios concretos da falsidade da informação e se o veículo tivesse deixado de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos. Abraji e Diário de Pernambuco recorreram da primeira versão da tese.

No caso concreto, o Diário de Pernambuco foi condenado a indenizar o ex-deputado Ricardo Zarattini por uma entrevista, publicada em maio de 1995, com informações inverídicas sobre ele. Segundo o entrevistado, o ex-parlamentar teria sido responsável por um atentado a bomba, em 1966, no Aeroporto dos Guararapes (PE), que resultou em 14 feridos e na morte de duas pessoas.

A empresa alegou que, quando publicou a entrevista, havia três versões sobre o atentado, uma delas atribuindo a autoria ao ex-deputado, e nenhum “protocolo razoável de apuração da verdade” permitiria ter certeza do acerto ou do equívoco da opinião do entrevistado. O jornal afirmou ainda que soube da falsidade da acusação apenas dois meses depois, após a publicação de uma matéria em outro veículo em que foram identificados fatos novos.

“O Supremo fixou tese que equilibra os princípios de liberdade de expressão e direitos de personalidade, especificando os casos excepcionais de responsabilização da imprensa. Ao manter a indenização no caso concreto, relacionado ao ex-deputado Ricardo Zarattini, a Corte verificou falha grave do veículo jornalístico no dever de apuração dos fatos e na ausência de direito de resposta ao ofendido”, afirmaram Rafael Carneiro e Felipe Corrêa, advogados de Zarattini.

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