Governo digital e a necessidade de agilizar contratações

Sancionada em 29 de março de 2021, a Lei do Governo Digital (Lei 14.129) estabeleceu princípios, regras e instrumentos para a modernização dos serviços públicos. Ao longo de seus quatro anos de vigência, diversos avanços foram alcançados, com destaque para a expansão do portal gov.br., que já conta com 624 domínios consolidados.

Porém, ainda persiste o desafio de aprimorar os processos de contratação de soluções inovadoras, aspecto fundamental para a transformação digital na Administração Pública. É essencial discutir caminhos que tornem essas contratações mais ágeis e eficientes.

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Importante compreender o contexto dessas contratações. A Lei 14.129 estabelece diretrizes para aprimorar a eficiência da Administração Pública, com foco na desburocratização, inovação, transformação digital e maior participação cidadã. O objetivo é a modernização dos serviços públicos por meio digital, a transparência nas ações governamentais, a simplificação dos processos e o incentivo à utilização de plataformas digitais acessíveis ao cidadão.

A lei também prioriza a proteção de dados pessoais, conforme estabelecido pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), e promove a interoperabilidade entre sistemas governamentais.

No entanto, na prática, a gestão pública no Brasil ainda se vê refém de modelos de contratação ultrapassados, que não acompanham a velocidade e a flexibilidade exigidas pela transformação digital. A mentalidade conservadora, ainda predominante em muitos órgãos públicos, resiste à adoção de novas alternativas que poderiam tornar a administração mais eficiente e moderna.

É evidente que um dos principais desafios para a consolidação do governo digital é a internalização de suas diretrizes e instrumentos pela própria Administração Pública. O ritmo acelerado das mudanças e a constante evolução tecnológica exigem uma postura mais ágil e proativa por parte dos gestores públicos. Para viabilizar uma transformação digital eficiente, é fundamental que esses agentes estejam dispostos a adotar formas inovadoras de contratação, que permitam maior flexibilidade e rapidez, como os Termos de Cooperação Técnica, as CPSIs e os contratos por inexigibilidade, entre outras modalidades mais ágeis e eficazes.

A Lei do Governo Digital prevê a adoção de soluções tecnológicas que favoreçam a inovação no setor público, o uso de dados abertos e a criação de espaços colaborativos para o desenvolvimento de novas ideias para a gestão pública. E busca aumentar a eficiência dos serviços públicos com o uso de plataformas digitais integradas, facilitando o acesso e o controle por parte da população, além de estimular a capacitação contínua de servidores para a transformação digital da administração pública.

Nessa mesma linha, a Portaria SGD/MGI 4.248/24 está em vigor, com diretrizes para a implementação da Estratégia Nacional de Governo Digital entre 2024 e 2027. O objetivo é promover a digitalização e melhorar os serviços públicos no Brasil.

Entre as principais recomendações estão a criação de redes nacionais e estaduais para apoiar políticas públicas de inovação, a implementação de serviços públicos digitais acessíveis e integrados e a adoção de soluções de identificação digital única para todos os cidadãos. A segurança cibernética e a proteção de dados também são prioritárias, com ênfase na criação de governança e capacitação de servidores públicos. A estratégia busca ainda melhorar a infraestrutura tecnológica, incentivar a inovação por meio de parcerias com o setor privado e promover a transparência e participação social no governo digital.

Mesmo com os atuais problemas, a legislação de contratações públicas teve importantes evoluções recentes, na tentativa de criar os mecanismos necessários para que a Administração Pública possa adquirir as tecnologias capazes de realmente inovar seus processos e serviços.

São exemplos o Contrato Público de Solução Inovadora (CPSI), instituído pelo Marco Legal das Startups (Lei Complementar 182/2021), que possibilita a contratação de testes de soluções inovadoras pela Administração Pública; e o Diálogo Competitivo, uma modalidade de licitação prevista na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021), voltada para contratações envolvendo inovação tecnológica ou técnica.

Além disso, vale mencionar a encomenda tecnológica, que se refere a um modelo de contratação em que a Administração Pública solicita o desenvolvimento de uma solução tecnológica específica para atender a uma necessidade pública, muitas vezes ainda não existente no mercado.

É importante destacar que a contratação de soluções tecnológicas já era, e continua sendo, possível por meio de modalidades existentes, muito antes da implementação das leis mencionadas. Um exemplo é a inexigibilidade de licitação, amplamente utilizada nesse tipo de contratação quando há inviabilidade de competição, especialmente devido à especificidade do produto ou serviço necessário à administração pública.

De todo modo, vale ressaltar que as hipóteses previstas na Lei de Licitações para a inexigibilidade são apenas exemplificativas, tendo como elemento comum a inviabilidade de competição.

Dessa forma, temos uma Lei do Governo Digital com regras, instrumentos e diretrizes bem definidos, uma Estratégia Nacional de Governo Digital com objetivos promissores e instrumentos jurídicos que possibilitam à Administração Pública adquirir as tecnologias necessárias para sua digitalização, além de muitos entes subnacionais já implementando seus próprios programas.

A proposta não é, de maneira alguma, negligenciar os procedimentos legais e a necessidade de transparência e integridade nas contratações públicas. Muito pelo contrário, a recomendação é que os agentes públicos sejam munidos de instrumentos jurídicos mais dinâmicos e adequados ao novo contexto, permitindo que soluções tecnológicas sejam implementadas com celeridade e eficiência, sem o entrave de uma burocracia excessiva que, muitas vezes, impede a inovação.

Portanto, a transformação digital na Administração Pública exige uma ruptura com o modelo tradicional de contratações públicas, permitindo a adoção de alternativas jurídicas mais flexíveis e adequadas ao cenário dinâmico que a inovação exige. Somente com uma mudança de mentalidade e a utilização de contratos e parcerias mais modernas será possível viabilizar, de fato, a plena transformação digital da gestão pública no Brasil, tornando-a mais eficiente, acessível e alinhada com as necessidades da sociedade contemporânea.

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