Mobilidade urbana como indutor de cidades modernas

Nas mais modernas cidades do mundo, o incentivo ao uso do transporte coletivo é o grande trunfo na promoção da sustentabilidade e na melhoria da qualidade de vida dentro do ambiente urbano saturado das grandes metrópoles. Por aqui, salvo raras exceções, não é o que ocorre.

Dados da Pesquisa Origem e Destino 2023, divulgados pelo Metrô de São Paulo, apontam, pela primeira vez, uma preferência pelo uso do transporte individual: 51,2% das viagens diárias foram feitas com automóveis, motocicletas, táxis e veículos de aplicativos (em 2017, ano do último levantamento, 54,1% das viagens haviam sido feitas com transporte coletivo – ônibus, trem e metrô). A pesquisa levou em consideração o deslocamento de mais de 20 milhões de pessoas em 39 municípios de São Paulo.

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O resultado, apesar de negativo, não surpreende. A pandemia da Covid-19, de fato, alterou os hábitos da população, mas não é só, diversos outros fatores acabaram por incentivar a migração do transporte público para o individual, como a impontualidade, superlotação, insegurança e frotas envelhecidas.

Para além dos números, basta observar qualquer grande corredor da capital em horário de rush: nas avenidas 9 de Julho e Rebouças, por exemplo, um mar de carros parados prejudica até o bom funcionamento dos corredores exclusivos de ônibus, ou mesmo a situação dos grandes terminais e estações de metrô e trem no pico do deslocamento matinal e vespertino.

Diante desse cenário, a questão que se coloca é: seria o programa SP nos Trilhos, lançado pelo governo do estado em 2024, suficiente para reverter o resultado da Pesquisa OD em seu próximo ciclo e posicionar São Paulo como uma cidade moderna na vanguarda da mobilidade urbana?

É inegável que os 40 projetos de mobilidade urbana sobre trilhos previstos no programa, englobando trens intercidades (TICs), veículos leves sobre trilhos (VLTs), trens urbanos e metrô, têm potencial de grande impacto para promover uma drástica mudança na forma de deslocamento da população. Porém, as cidades respondem a estímulos, e não basta aumentar a oferta, é preciso incentivar a população a utilizar esses novos equipamentos. A mobilidade urbana deve ser pensada de forma integrada e a qualidade do serviço deve ser assegurada.

Mas o que falta então? Dentre alguns fatores, destacaria vontade política e interesses divergentes. Como o transporte público faz parte do dia a dia de uma parcela significativa da população, qualquer mudança tem grande potencial de discussão e exposição política (as grandes manifestações de 2013 começaram a partir de um aumento de tarifa).

Além disso, o sistema de transporte público abrange diversos atores com interesses muito distintos, focando apenas nos prestadores de serviço, temos dois grandes blocos (pneus de um lado e trilhos de outro) com interesses que não necessariamente se convergem: basta ver as discussões sobre os sistemas de bilhetagem.

Felizmente há um exemplo exitoso de outro serviço público, igualmente essencial, que também sofreu com interesses divergentes e dificuldades políticas, mas que passou por uma reviravolta a partir de 2020. Com o novo Marco Legal do Saneamento Básico, instituído pela Lei 14.026/2020, as principais dores que afligiam o setor foram endereçadas, possibilitando investimentos vultuosos que hoje nos colocam, ainda que com atraso, muito mais próximos da universalização do acesso à água potável e da coleta e tratamento do esgoto.

Assim como ocorreu no saneamento, dada a situação fiscal e o orçamento limitado dos entes públicos, não há outra saída para a mobilidade urbana que não passe pela iniciativa privada e, para isso, é urgente o estabelecimento de regras que promovam maior segurança jurídica e estabilidade dos contratos, qualidade dos projetos, modicidade tarifária e regulação.

É justamente isso que busca o PL 3278/2021, remetido à Câmara dos Deputados em dezembro de 2024, após aprovação pela Comissão de Infraestrutura do Senado. Esse PL atualiza o Marco Legal da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Dentre as novas regras, que agora passam para a discussão dos deputados, destacam-se atualizações na política tarifária, bem como o estabelecimento de normas sobre o regime econômico-financeiro das concessões – tratando tanto de situações de superávit e de déficit tarifário, quanto da aplicação de reajustes por meio de revisões ordinárias e extraordinárias – garantindo, assim, tarifas justas aos usuários e adequada remuneração aos prestadores de serviço.

O PL também institui novas diretrizes e princípios para a regulação a fim de promover a segurança jurídica, a melhoria contínua dos serviços e a adequação das tarifas. Ainda que de forma mais tímida do que foi feito com o saneamento, o PL incorpora dentre as atribuições da União o papel de estabelecer as normas de referência nacionais de qualidade e produtividade para os sistemas de transporte público, bem como de liderar a implantação de estruturas de governança interfederativa e de fomentar a implantação de projetos de transporte público coletivo urbano e de caráter urbano nas regiões integradas de desenvolvimento econômico.

Aos estados e aos municípios também são atribuídas novas incumbências, sempre voltadas para a implantação de projetos integrados em áreas conturbadas e à manutenção das infraestruturas e do mobiliário urbano utilizado pelas redes de transporte público coletivo.

Entre o projeto e sua efetiva sanção como lei há muito o que se percorrer. Mas o exemplo do saneamento pode funcionar como um grande incentivador dos nossos legisladores e, dessa forma, a atualização da Política Nacional de Mobilidade Urbana pode sair a tempo de reverter os resultados da próxima Pesquisa OD, demonstrando a melhora do transporte público coletivo e, por consequência, da qualidade de vida na metrópole.

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