Reforma tributária sobre a renda e desafios para equalizar distorções

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou recentemente nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, o projeto de reforma tributária sobre a renda. O momento parece oportuno para voltar-se os olhos para a tributação da renda, a fim de corrigir distorções e reparar injustiças históricas.

Isto porque a reforma tributária, que aos poucos está sendo implementada no país, surgiu não apenas para simplificar o complexo sistema de tributação brasileiro, mas também com o objetivo de se implementar políticas públicas para a redução da desigualdade social.

Além disso, a expectativa é de que a discussão do tema no Congresso Nacional permita um balizamento mais apurado da carga tributária, orientando os governos a pouparem, investirem ou reduzirem gastos, conforme o que for possível arrecadar.

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Segundo a ideia contida na proposta, seriam dois pontos fundamentais a serem tratados. O primeiro consiste no aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) para rendas de até R$ 5.000, cujo impacto, em termos de perda de arrecadação para o governo, seria de cerca de R$ 35 bilhões de diminuição na arrecadação.

O segundo passa pelas medidas para se compensar essa perda arrecadatória, dentre as quais está a tributação de grandes fortunas, além da criação de uma alíquota mínima de tributação para rendas acima de R$ 600 mil ao ano, o que inclui a tributação de dividendos, atualmente isenta.

Ocorre que, embora o aumento da faixa de isenção do IRPF possa ser aplicado de imediato em caso de aprovação pelo Congresso, as medidas compensatórias de arrecadação, que envolvem a instituição de eventual nova tributação sobre as grandes fortunas e até mesmo sobre dividendos, devem respeitar o princípio da anualidade tributária, ou seja, se a reforma sobre a renda fosse aprovada hoje, ela apenas poderia começar a valer em 2026.

Assim, para o governo é interessante aprovar o quanto antes o projeto de reforma tributária sobre a renda para que as mudanças possam começar a valer concomitantemente e sem grandes impactos aos cofres públicos.

Do ponto de vista técnico, o IR e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – que é uma espécie de derivado do imposto de renda –, são tributos muito bem estruturados e fundados em regras que perduram por muito tempo, muitas delas também aplicadas em outros países.

É inegável, porém, a necessidade de se rever a base de incidência de tais tributos, buscando alcançar as pessoas físicas e jurídicas que têm maiores rendimentos e, com isso, haver margem financeira para aliviar a tributação sobre os mais pobres, com o objetivo de melhor equalizar a situação.

Embora haja outros meios de solucionar o desequilíbrio existente, o Poder Executivo não conseguiu – ao menos até o momento – colocá-los em prática. Um exemplo disso está na possibilidade de se reduzir os seus gastos de forma mais ampla e efetiva, especialmente no que diz respeito à remuneração de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Como se sabe, os chamados penduricalhos que são adicionados aos salários-base dessas categorias, que são titulados erradamente de verbas indenizatórias, não sofrem a incidência do imposto de renda. Espera-se que o Congresso Nacional, em nome da isonomia, possa também enfrentar essa questão. Outro debate deve girar em torno da taxação dos fundos de super ricos e de grandes fortunas, o que também é um caminho para uma maior equidade na tributação.

Por fim, com relação a lucros e dividendos, sabemos que o Brasil é um dos poucos países do mundo em que essa distribuição a acionistas de empresas está isenta de imposto de renda. Tal isenção foi introduzida pela Lei 9.249/95, junto com outro benefício que reduziu significativamente o pagamento de imposto de renda das empresas, que foi a possibilidade de deduzir do lucro tributável uma despesa (fictícia) relativa aos chamados juros sobre capital próprio.

Houve uma razão econômica clara e muito simples para isso: a carga tributária total já era elevadíssima no Brasil, de modo que tributar dividendos só implicaria em tornar mais elevada a tributação. Estas duas medidas juntas, porém, tiveram e ainda têm um impacto financeiro muito relevante para o governo.

Assim, passados 20 anos da introdução dessa norma, é importante que se faça uma análise aprofundada de seus efeitos financeiros, tributários e também sociais, porém com um olhar atento à possibilidade de que esta tributação possa vir a afastar investimentos e desestimular a atividade econômica.

Se, por um lado, isto pode representar um pouco mais de justiça no nosso sistema tributário e aproximação da legislação brasileira com as práticas adotadas em outros países, há a possibilidade de se aumentar ainda mais a carga tributária e, com isto, afetar negativamente a economia.

Na proposta do atual governo, quem recebe dividendos e não ganha mais de R$ 600 mil por ano, ou R$ 50 mil por mês, continuaria a ter isenção total no seu recebimento. O objetivo seria tributar apenas quem supera esse teto, que só pagaria o imposto se não tivesse recolhido o mínimo de 10% sobre seus rendimentos. 

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Já os juros sobre capital próprio (JCP) passariam a sofrer a incidência de 15% de Imposto de Renda na fonte, mas também seriam considerados para compor o cálculo da alíquota mínima – que considera a alíquota efetiva, aplicável sobre todas as rendas.

É claro que, mais do que aumentar a carga tributária, seria necessário que se promovesse um corte de despesas profundo por parte do Executivo, Legislativo e Judiciário para que fosse possível aliviar os mais pobres sem que houvesse a necessidade de se aumentar a tributação. Porém, enquanto os Três Poderes não estiverem alinhados nesse objetivo, a reforma tributária será o caminho mais viável para se buscar maior isonomia entre todos.

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