Tribunais de Contas e os ordenadores de despesas

O Supremo Tribunal Federal (STF), na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 982/PR, aclarou o alcance das atribuições conferidas aos Tribunais de Contas quando se trata do exame das contas de prefeitos, sobretudo na condição de ordenadores de despesas.

Antes, preponderava a orientação de que somente as Câmaras Municipais detinham competência para julgar as contas dos prefeitos, fossem elas contas de governo ou de gestão.

Esse posicionamento firmou-se em 2016, nos Recursos Extraordinários 848.826 (Tema 835) e 729.744 (Tema 157), ocasião em que o STF estabeleceu a ideia de que aos Tribunais de Contas compete emissão de pareceres prévios (opinativos), enquanto o julgamento político-administrativo, capaz de gerar consequências como a inelegibilidade, permaneceria com os Legislativos locais. [1]

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Concretamente, a decisão significava que eventuais irregularidades detectadas em atos de gestão poderiam não se traduzir em sanções eleitorais, caso o prefeito obtivesse o apoio político necessário no Poder Legislativo local.

Finalmente, no julgamento da ADPF 982 [2], o STF estabeleceu nova linha de pensamento. De um lado, manteve-se a competência exclusiva dos Legislativos municipais para, com base na Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), declarar a inelegibilidade de prefeitos por reprovação das contas anuais.

De outro lado, reconheceu-se que, quando o prefeito atua como ordenador de despesas, os Tribunais de Contas têm competência para julgar suas contas de gestão e aplicar sanções administrativas, tais como multas ou imputações de débito, sem que isso dependa do julgamento das Câmaras Municipais.

A decisão sobre a perda de direitos políticos – como a inelegibilidade – permanecerá sob o Legislativo, mas, simultaneamente, assegura-se que o prefeito não fique imune a sanções pecuniárias ou outras medidas punitivas por atos de gestão.

A nova orientação do STF assegura as competências constitucionais dos Tribunais de Contas e aplicação de sanções de sua alçada. E a política local segue preservando sua prerrogativa de decidir, em última instância, sobre a manutenção ou não dos direitos políticos do gestor.


[1] Tese do Tema 835: “Para os fins do art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeitos, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”.

Tese do Tema 157: “O parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores o julgamento das contas anuais do Chefe do Poder Executivo local, sendo incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo”.

Vale salientar que, mais adiante, ao final de 2023, no ARE 1436197, Tema 1287, o STF, reafirmando sua jurisprudência até então, entendeu que em caso de convênios, será possível a condenação dos Chefes do Executivo, sem necessidade de julgamento pelo Legislativo local. Tese do Tema 1287: “No âmbito da tomada de contas especial, é possível a condenação administrativa de Chefes dos Poderes Executivos municipais, estaduais e distrital pelos Tribunais de Contas, quando identificada a responsabilidade pessoal em face de irregularidades no cumprimento de convênios interfederativos de repasse de verbas, sem necessidade de posterior julgamento ou aprovação do ato pelo respectivo Poder Legislativo”.

[2] Tese da ADPF 982: “(I) Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário; (II) Compete aos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal de 1988, o julgamento das contas de Prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas; (III) A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por Prefeitos ordenadores de despesa, se restringe à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais, preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990”.

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