Brasil é responsável por desaparecimento forçado de líder rural da Paraíba, diz Corte IDH

O Brasil é responsável pelo desaparecimento forçado do trabalhador rural e defensor dos direitos humanos Almir Muniz da Silva, em Itabaiana, no estado da Paraíba. Em sentença divulgada nesta terça-feira (11/03), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) considerou que o Estado brasileiro falhou na investigação do caso e na busca da vítima, cujo paradeiro é desconhecido há mais de duas décadas. 

Muniz da Silva era líder da Associação de Trabalhadores Rurais de Itabaiana e denunciou, em várias ocasiões, a participação de agentes policiais em atos de violência contra trabalhadores rurais. 

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Em maio de 2001, durante um depoimento perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre violência no campo, citou um policial civil da cidade de Itabaiana, Sergio de Souza Azevedo, que também era administrador da Fazenda Tanques, como “o principal responsável pela violência contra os trabalhadores da região”. 

Desde então, Muniz da Silva e sua família foram vítimas de ameaças por parte deste e outros policiais. 

Em 29 de junho de 2002, Muniz da Silva voltava para casa em um trator da associação por uma estrada que cruzava a fazenda que seria administrada pelo policial. Familiares relatam ter ouvido ao menos sete disparos naquela manhã. Desde então, o líder rural nunca mais foi visto. Ele tinha 40 anos. 

Na sentença agora divulgada, a Corte IDH determinou que os fatos ocorreram em um contexto no qual atuavam milícias e grupos armados no estado da Paraíba, contando com a participação de policiais e militares que praticavam atos de violência contra os trabalhadores rurais.

Ao longo dos anos, a família recebeu algumas pistas sobre um possível paradeiro do líder rural. Em muitas ocasiões, foram ao Instituto Médico Legal (IML) seguindo alguma indicação, mas sem sucesso. 

“No mesmo dia fomos até a cidade registrar queixa, mas não fomos atendidos. Dois dias depois, fomos até a Secretaria de Segurança, e o pessoal que foi depor como testemunha foi ameaçado, teve que sair escoltado. Entendemos que acharam que não era devido acusar um policial civil naquela repartição. Meu pai foi dar depoimento e foi barrado. Mas se era ele que estava nos ameaçando, achávamos que tínhamos direito de dizer o que estava praticando na nossa comunidade”, disse Norberto, irmão de Almir, em audiência da Corte no ano passado. 

O delegado responsável pela investigação do caso relatou, em várias ocasiões, que havia insuficiência de recursos para investigação por parte das autoridades. 

Em outubro de 2008, com outra delegada à frente do caso, foi emitido o relatório final do inquérito. Nesse documento, a nova responsável indicou que havia uma “enorme probabilidade de evento criminoso contra o tratorista”. Sustentou que no processo existem informações de acusação contra o policial que havia ameaçado Muniz da Silva, mas afirmou que, diante das provas colhidas, “não houve indícios suficientes que pudessem comprová-las”.

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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Extermínio no Nordeste, que examinou o desaparecimento de Muniz da Silva, apontou o mesmo policial por sua participação em atos violentos praticados contra trabalhadores rurais na região. No relatório, a CPI recomendou ao Ministério Público que o agente fosse denunciado por vínculos com milícias privadas e orientou a Secretaria de Segurança Pública da Paraíba que o afastasse de suas funções enquanto houvesse processos pendentes na Justiça. 

Azevedo foi assassinado em 2013, a tiros, dentro de sua casa, em Bayeux, Paraíba.

Reparação 

Na audiência do ano passado, o Brasil reconheceu parcialmente sua responsabilidade no caso. Admitiu que houve violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial devido à ineficiência no tratamento do caso, que prejudicou o acesso à justiça, bem como a violação do direito à saúde psicológica e moral dos familiares diretos e próximos do líder rural. Não reconheceu, porém, que se tratasse de um desaparecimento forçado, o que para a Corte pareceu suficientemente comprovado. 

Para os juízes, o Estado brasileiro falhou pela falta de diligência na investigação dos fatos e na busca pela vítima. Também foi responsável pela violação dos direitos à verdade, à defesa de direitos humanos, à integridade pessoal, à proteção da família e aos direitos da criança. 

O líder rural tinha três filhos, um deles criança à época. Segundo o irmão Norberto, todos “ficaram sem semblante” com o desaparecimento de Muniz da Silva. “Uma ferida que não sara”, disse à época na audiência. 

Como medidas de reparação, a Corte ordenou que o Estado brasileiro continue a investigação sobre o desaparecimento forçado do líder rural e as buscas por seu paradeiro. 

Além disso, determinou que o país adeque o seu ordenamento jurídico para a tipificação do crime de desaparecimento forçado — inexistente no Brasil — e a criação e implementação de um protocolo de busca de pessoas desaparecidas e de investigação de desaparecimento forçado.

As medidas incluem ainda revisão e adequação de mecanismos já existentes, como o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, em nível federal e estadual, além da elaboração de um diagnóstico sobre a situação dos defensores de direitos humanos no contexto dos conflitos no campo. 

A Corte também estipulou uma indenização por danos materiais de US$ 80 mil (aproximadamente R$ 470 mil) distribuídos entre Severina Luiz da Silva, esposa de Muniz da Silva, e seus filhos Adjalmir, Aldemir e Miriam. Além disso, cada um deve receber outros US$ 45 mil (cerca de R$ 262 mil) como danos imateriais. 

Esta mesma quantia foi estipulada para Vicente Muniz da Silva e Maria de Lourdes Ferreira da Silva, pais do líder rural, além de US$ 20 mil (R$ 117 mil) para o irmão de Muniz da Silva, Norberto. Para Reginaldo Moreira da Silva, primo da vítima, e Valdir Luiz da Silva, seu cunhado, US$ 10 mil (R$ 58 mil) cada. 

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Integrantes do assentamento que leva o nome de Muniz da Silva na Paraíba acompanharam juntos a leitura virtual da sentença da Corte nesta terça. O caso havia sido peticionado junto à Comissão IDH pela Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e a Dignitatis.  

Participaram do julgamento e sentença do caso os juízes Nancy Hernández López (presidente, Costa Rica), Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México), Ricardo César Pérez Manrique (Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (Colômbia), Verónica Gómez (Argentina) e Patricia Pérez Goldberg (Chile).

O juiz Rodrigo Mudrovitsch (vice-presidente, Brasil) não participou do julgamento já que o regramento da Corte IDH não permite que os juízes atuem em casos de seus países de origem.

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