Trump 2.0 e o fim do comércio internacional?

O ano começou intenso para quem trabalha com negócios internacionais. A chegada de Donald Trump é apontada como fator principal desse clima de intempérie. Há quem diga que temos um novo marco na ordem econômica internacional.

No entanto, a mudança na ordem econômica internacional que conhecemos, predominante nos anos 1990, não decorre somente de Trump. Acumula contornos mais nítidos nos últimos dez anos, com a delimitação do que tem sido denominado uma “nova” ordem geoeconômica.

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A geoeconomia surge da intersecção entre economia, finanças, geopolítica e política externa, oferecendo um novo referencial analítico para compreender as relações econômicas e estratégicas no cenário global. Não se limita às relações entre Estados, mas estende-se ao mundo corporativo, num movimento já incorporado nas grandes consultorias e think thanks envolvidos com transações econômicas internacionais.

Ao associar o componente estratégico, as medidas adotadas pelos Estados assumem uma nova lógica, criam e mobilizam outras instituições no aparato estatal e incluem outros perfis de políticas para quem trabalha com o comércio internacional. Há, portanto, um novo código e novos procedimentos a serem aprendidos pelos profissionais da área.

As regras do sistema multilateral e dos acordos-padrão de livre comércio ainda vigoram, mas são acionadas convenientemente, a depender dos setores, atores e conjuntura. A previsibilidade se esvai, e novos fatores, espaços de decisão e regras tornam-se cruciais para entender as relações econômicas internacionais.

Um exemplo claro é a crescente relevância do artigo XXI do GATT 1947 sobre segurança nacional. Este dispositivo tem sido utilizado frequentemente para justificar medidas excepcionais e regulações nacionais que impactam o comércio e o investimento internacionais. Neste sentido, políticas nacionais assumem um papel preponderante nas regras comerciais, sob os mantras da “segurança nacional” ou do “interesse nacional”. 

Trump 2.0 sob a ótica da ‘nova’ ordem geoeconômica

 A política tarifária do governo Trump 2.0, baseada em legislações da década de 1970 e inspirada em outra de 1913[1], aparenta algo entre o caos e a desordem mundial. No entanto, a lente de análise da geoeconomia permite contextualizar essa estratégia em um fenômeno mais amplo, fundado no excepcionalismo dos compromissos internacionais pela regra máxima da segurança nacional.

O isolacionismo e protecionismo de Trump não são  inéditos na história dos Estados Unidos. A imposição de tarifas pelos Estados Unidos já teve diferentes funções, tornando-se mais recentemente um instrumento de proteção econômica e influência geopolítica, desde o governo Obama. Ao trazer a segurança nacional para o  centro da lógica (geo)econômica, mobiliza-se outras formas de racionalidade e justificativas.

Além da excepcionalidade, quebra-se o princípio de nação mais favorecida, ao se incutir a lógica do “inimigo” e a discriminação entre parceiros confiáveis e não-confiáveis, na remodelação das relações econômicas a partir das políticas de friendshoring.

E a delimitação para confiável e não-confiável não segue uma lógica apenas política, mas também econômica. Parâmetros como “risco” e “vulnerabilidade” são critérios centrais  para as novas relações de confiança, e alguns setores são priorizados politicamente ao serem considerados sensíveis ou críticos na dimensão econômica.

Portanto, profissionais que atuam na área precisam entender quais setores serão mais afetados pelas políticas domésticas, por instrumentos geoeconômicos. Medidas como controle de exportações, avaliação de investimentos externos, sanções econômicas, e restrições ao uso de novas tecnologias tornam-se instrumentos recorrentes.

Durante Trump 1.0 (2017-2021) o nacionalismo protecionista já estava presente, mas em Trump 2.0, ele se associa à abordagem “fail fast, fail better” das startups do Vale do Silício. Isso adiciona agilidade e experimentação à política comercial, permitindo mudanças rápidas, como as imposições e suspensões relâmpago de tarifas sobre o Canadá e México. Essa dinâmica redefine a gestão de “risco” e a vulnerabilidade, influenciando a formulação de políticas.

Os Estados Unidos também ampliaram seus instrumentos de coerção em negociações comerciais bilaterais e mini laterais, em continuidade ao primeiro mandato  Trump, e fortalecida na gestão Biden. No que se refere às sanções, os Estados Unidos já eram um usuário frequente desse instrumento, com mais de um terço de todos os casos de sanções observados.

Trump 1.0 dobrou as sanções em relação ao governo Obama, e Biden replicou o feito. As sanções contra a China, por exemplo, passaram a direcionar-se e a indivíduos, produtos e empresas específicas. O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos EUA (OFAC) mantém uma lista de sanções, incluindo “cidadãos especialmente designados”.

No âmbito de controle de investimentos, o Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS), que opera junto ao Departamento do Tesouro, ganhou força com a Lei de Modernização da Revisão de Risco de Investimento Estrangeiro (FIRRMA) de 2018. A lei expandiu o escopo do comitê, incluindo investimentos minoritários e transações imobiliárias. O volume de fiscalização e aplicação de multas pelo CFIUS dobrou nos últimos anos.

Os casos do OFAC e do CFIUS denotam o crescimento de novas agências presentes nesta política econômica doméstica dos Estados Unidos,  avançando espaços outrora centralizados no Office of the United States Trade Representative (USTR). O pessoal e recursos dessas agências aumentaram sobremaneira. Seus procedimentos trazem novas demandas  aos escritórios de advocacia e consultorias baseados nos Estados Unidos e em países parceiros. Tais processos, ainda pouco conhecidos,  incluem a participação de novos atores. Conhecer esses atores, seus ritos e tendências é crucial para entender a nova ordem geoeconômica e pensar as estratégias de negócios com os Estados Unidos e outros parceiros comerciais relevantes.

Na “nova” ordem geoeconômica, leis baseadas em segurança nacional – sejam elas novas ou resgatadas do passado – influenciam diretamente as decisões empresariais. Sanções econômicas, controles de exportação e controles aos investimentos tornam-se elementos estruturantes do comércio e investimentos internacionais.

Diante desse novo cenário, as empresas necessitam aconselhamento estratégico que transcenda a análise geopolítica tradicional. O entendimento profundo de leis, regulamentos, normas de cumprimento às restrições impostas, defesa regulatória e gestão de crises é essencial para ajustar constantemente as estratégias de negócios e navegar por um mapa geoeconômico que vem sendo redesenhado.


[1] As tarifas provisoriamente impostas ao Canadá e México basearam-se no  International Emergency Economic Powers Act (IEEP), uma lei de 1977 que concede ao presidente poderes amplos para regular transações econômicas e impor sanções em resposta a ameaças à segurança nacional. Nunca foi utilizada para tarifas e possui linguagem próxima a outra lei de 1914, denominada Trading with the Enemy Act.

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