Compliance fiscal e os crimes contra a ordem tributária – parte 2

Dando continuidade à trilogia sobre compliance fiscal e crimes contra a ordem tributária, esta segunda parte aborda a relevância do compliance fiscal e seus principais desafios. A conformidade tributária não só reduz riscos empresariais como também fortalece a governança corporativa e a transparência nas relações com o fisco.

Importância do compliance fiscal

O compliance fiscal é um pilar essencial da governança corporativa e vai além da simples obrigação de pagar tributos (dentre outros dispositivos, destacamos os artigos 5º, XXIII, 170, III, da CF e os artigos 421 e 2.035, parágrafo único, do CC). Envolve estruturar processos internos para garantir conformidade e eficiência no cumprimento das obrigações fiscais.

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Empresas que negligenciam essa área podem sofrer penalidades severas, impactando sua continuidade e a responsabilidade civil (por exemplo, artigo 153, da Lei 6.404/76 e artigo 135, CTN) e criminal de seus gestores (RHC/STF 163.334).

Gestão de riscos e consequências da não-conformidade

O Brasil possui uma das legislações tributárias mais complexas do mundo, com mais de 90 tributos e constantes mudanças normativas. A não conformidade pode gerar:

  • Multas por descumprimento de obrigações acessórias, a exemplo do SPED e eSocial;
  • Multas tributárias severas, chegando a 225% do tributo devido (artigo 44, Lei 9.430/96);
  • Ausência de CND;
  • Impedimentos para obtenção de benefícios fiscais; e
  • Riscos reputacionais, prejudicando relações com investidores, consumidores e stakeholders.

Enfim, com o crescimento do ESG (Environmental, Social and Governance), a transparência fiscal tornou-se um fator estratégico.

Planejamento tributário: limites e responsabilidades

O ponto central do tema está no parágrafo único, do artigo 116, do CTN, o qual gera interpretações subjetivas pelo fisco e ainda que o STF tenha mantido sua validade (ADI 2.446), exige muito esmero de seus operadores.

Sugerimos um checklist mínimo para mitigar riscos quanto ao tema:

  • O que é evasão e elisão tributárias;
  • Diferenciação entre simulação, dissimulação, dolo e fraude;
  • O que vem a ser propósito negocial;
  • Diferenciação entre essência sobre a forma; abusos de forma e de direito; e
  • Análise das decisões do Carf e do Judiciário.

Devedor contumaz

O devedor contumaz é aquele que usa a sonegação como estratégia de negócio. O STF (RHC 163.334/SC[1]) reforça que a inadimplência reiterada pode levar à punição penal. Em paralelo, há tentativas de regulamentação do assunto (PLs 284/2017[2] e 1.646/2019[3]). No estado de São Paulo, a Lei Complementar 1.320/2018 (Programa Nos Conformes), prevê essa figura.

Programa Confia, transações e as autorregularizações

O Programa Confia (PL 15/2024), da Receita Federal (Portaria RFB 71/2021), propõe um modelo cooperativo para incentivar a regularização fiscal, com 5  etapas: (1) alinhar; (2) desenhar; (3) testar; (4) implementar e (5) expandir.
Empresas que aderirem a programas de compliance terão benefícios, como menor risco de fiscalização e tratamento diferenciado pelo fisco.

Junto com o Confia, merecem registro, a existência das transações (intensificadas pela pandemia de Covid-19) e as ações de autorregularização (a exemplo da Lei 14.689/2023, a chamada Norma Geral de Conformidade), fases novas da relação fisco-contribuinte, quiçá de cultura, e que, por consequência, exigirão estudos e atualização por parte dos profissionais da área.

Considerações finais

O compliance fiscal tornou-se um elemento estratégico essencial. Os desafios da reforma tributária, a complexidade normativa e o risco de autuações exigem monitoramento contínuo e adaptação rápida, como a implementação de comitês tributários – algo para um possível e outro texto.
No próximo e último escrito, abordaremos os crimes contra a ordem tributária e suas implicações legais.


[1] Por 7 (sete) votos a 3 (três), a Suprema Corte fixou a seguinte tese: “o contribuinte que de forma contumaz e com dolo de apropriação deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente de mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II da nº Lei 8.137/90.”

[2] Projeto de Lei do Senado, que regula o artigo 146-A da CF88, de relatoria da então Senadora Ana Amélia Lemos. Relator atual, Senador Veneziano Vital do Rêgo. Aguardando audiência pública, desde 10/05/2023. Link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/130467

[3] Projeto de Lei da Câmara dos Deputados, de autoria do Poder Executivo. Desde 22/03/2023, aguarda votação da Comissão de Desenvolvimento Econômico; Trabalho, de Administração e Serviço Público; Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania. Link:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2194879

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