O futuro do trabalho no INPI: o examinador na era da inteligência artificial

A revolução tecnológica proporcionada pela inteligência artificial já está remodelando atividades profissionais em diversas áreas, e o setor de propriedade intelectual é um dos mais impactados.

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), enquanto autarquia federal, enfrenta o desafio de processar grande volume de pedidos com agilidade e qualidade. Nesse contexto, as ferramentas de IA surgem como aliadas estratégicas para suprimir tarefas repetitivas e aumentar a eficiência do exame de patentes, marcas e desenhos industriais.

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Com mais de 440 mil pedidos de marcas, 27 mil de patentes e cerca de 7.000 de desenhos industriais recebidos anualmente (INPI, 2025), o INPI opera em um ambiente de alta demanda e recursos limitados.

A carga de trabalho por examinador, superior à de grandes escritórios como o Escritório Norte-americano de Marcas e Patentes (USPTO) ou o Escritório Europeu de Patentes (EPO), sublinha a necessidade urgente de modernização. Ferramentas de IA, já implementadas em escritórios como o USPTO, o Escritório Coreano de Propriedade Intelectual (KIPO) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), provam que a automação reduz gargalos e acelera o processo decisório (GUERRANTE R., 2024).

A IA promete transformar o dia a dia dos examinadores do INPI ao automatizar etapas repetitivas do exame de PI. Ferramentas baseadas em aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural (NLP) permitem buscas rápidas e precisas em bancos de dados nacionais e internacionais, liberando o examinador das tarefas mais demoradas e permitindo foco na análise crítica dos resultados.

Sistemas de IA também podem categorizar pedidos de patentes, marcas e desenhos industriais com base em critérios técnicos e descritivos, eliminando inconsistências e otimizando a distribuição de pedidos por áreas técnicas. Etapas administrativas, como verificação de conformidade documental, também podem ser automatizadas, permitindo que os examinadores se concentrem em decisões substanciais.

Ferramentas de visão computacional já demonstraram eficácia na análise de similaridade de marcas e desenhos, reduzindo o tempo necessário para identificar possíveis conflitos. Além disso, sistemas de “copilotos”, que sugerem decisões preliminares com base em precedentes e análises de dados, estão em desenvolvimento e prometem auxiliar ainda mais os examinadores na tomada de decisões.

Com a automação de tarefas repetitivas, o papel do examinador será ampliado, exigindo novas competências. O examinador se tornará responsável por parametrizar ferramentas de IA, validando e refinando os resultados apresentados. Para isso, deverá ser treinado em como alimentar cada uma das ferramentas de IA por meio de prompts, a fim de aumentar a precisão e assertividade dos resultados. A análise crítica e a tomada de decisões permanecerão centrais para garantir a qualidade do serviço.

A IA é excelente na coleta e análise de dados, mas a interpretação de nuances técnicas, jurídicas e contextuais continuará sendo domínio humano. O examinador deverá integrar informações de múltiplas fontes automatizadas em pareceres consistentes. O avanço das tecnologias exigirá que os examinadores se mantenham atualizados sobre novos sistemas, algoritmos, engenharia de prompt e tendências globais em PI. Programas de treinamento regulares e parcerias com instituições de pesquisa, organizações do sistema brasileiro de inovação, bem como com escritórios de propriedade intelectual internacionais serão essenciais.

A convivência entre humanos e máquinas no INPI promete uma série de benefícios. Ao eliminar atividades manuais e repetitivas, o examinador poderá se dedicar a tarefas que valorizem sua expertise, reduzindo a sensação de sobrecarga. A automação traz consistência e eficiência, enquanto os examinadores, devidamente treinados, poderão focar em análises de mérito mais aprofundadas, garantindo decisões mais robustas. Com menos tempo gasto em tarefas operacionais, os examinadores podem contribuir para o desenvolvimento de novas práticas e processos no INPI.

A implementação da IA no INPI não será isenta de desafios. Um dos gargalos mais críticos será a necessidade de dados digitalizados em quantidade e qualidade para o treinamento das ferramentas. Esta é uma realidade para marcas e desenhos industriais, mas não ainda para patentes, cujo acervo ainda não está completo nem no formato adequado.

Atenção especial deve ser dada aos vieses nos resultados ofertados pelas ferramentas de IA, que podem advir não só dos dados utilizados para o treinamento das ferramentas, mas também pela forma como o modelo de IA foi concebido e validado (PREZIOSI, G.; GUERRANTE, R., 2024). Outro ponto de atenção é a resistência cultural à mudança, comum em processos de transformação tecnológica.

Para garantir uma transição bem-sucedida, o INPI deve investir em infraestrutura tecnológica robusta, capaz de integrar ferramentas de IA aos sistemas existentes. A capacitação e engajamento dos examinadores serão cruciais, tornando-os aptos a alimentar ferramentas de IA de auxílio ao exame, gerir os resultados ofertados, analisá-los criticamente e construir uma resposta de qualidade a partir do gerenciamento dos distintos agentes de IA. Esta capacitação envolverá reskilling e upskilling dos examinadores de PI do INPI. Faz-se fundamental investir também na conscientização daqueles que trabalham diretamente nos processos de PI do INPI, demonstrando os benefícios da IA como suporte e não substituição.

Parcerias estratégicas, como as já realizadas com o Chemical Abstracts Service (CAS) e com o Sebrae, serão importantes para acessar soluções de ponta e compartilhar melhores práticas.

O futuro do INPI não será de substituição de examinadores por máquinas, mas de uma convivência sinérgica entre inteligência humana e artificial. Examinadores mais capacitados e ferramentas de IA avançadas podem, juntos, reimaginar o processo de exame de PI, alcançando novos patamares de eficiência, qualidade e inovação.

Este é um momento de grandes oportunidades para o INPI e seus profissionais. A integração da IA ao dia a dia do órgão representa não apenas um avanço tecnológico, mas uma evolução no próprio conceito de trabalho no setor de PI. Ao abraçar essa transformação, o INPI poderá se consolidar como referência global entre os principais escritórios de propriedade intelectual do mundo, garantindo que suas operações estejam à altura das demandas do século 21.

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O texto reflete a opinião da autora e não o institucional.


GUERRANTE, R. Propriedade intelectual na era da IA: ferramentas, desafios e colaborações. In: O uso da inteligência artificial e a inclusão digital nos serviços públicos. MURTA, C. (Org.). 1ª ed. São Paulo, Bookba, 2024.

INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br Acesso em: jan. 2025.

PREZIOSI, G.; GUERRANTE, R. Espelhos digitais: refletindo e corrigindo os vieses na inteligência artificial. Plurale em Revista, nov.-dez. 2024. p.14.

CHEMICAL ABSTRACTS SERVICE – CAS. Disponível em: https://www.cas.org/. Acesso em: out. 2024.

SEBRAE. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt-br/governanca/planejamento-estrategico/plano-de-acao/2024/pa2024_revisao2otrim.pdf. Acesso em: out. 2024.

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