Há espaço para planejamento orçamentário em tempos de crise das emendas?

Desde 2016 é notável o crescimento de interesse, relevância e valor das emendas parlamentares. Primeiro, com a aprovação da Emenda Constitucional 86 de 2015, que tornou as emendas individuais impositivas, depois com a impositividade das emendas de bancada e criação das emendas Pix e, por fim, com a institucionalização do orçamento secreto.

Nesse processo histórico, a rede de atores envolvidos na gestão das emendas ficou complexa e inter-poderes. A disputa entre o Executivo, o Legislativo e, mais recentemente, o Judiciário, colocou as emendas no centro do debate sobre o orçamento público. Anos atrás, esse pedaço da despesa orçamentária era considerado detalhe.

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Todavia, apesar do sombreamento, a gestão do orçamento segue como pré-requisito fundamental para uma boa gestão pública e de governança. Conforme uma série de pesquisas empíricas já conhecidas, o orçamento é uma ferramenta necessária para reduzir, ou até acentuar, desigualdades sociais. E como no Brasil a classe pressupõe uma análise racial e de gênero, a má gestão do orçamento vai ser um dos vetores de piora nos índices sociais.

A Constituição Federal de 1988 reuniu uma tríade interessante: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária anual, tais peças ditam o tom do planejamento orçamentário. Não se resume a elas, obviamente, mas são os faróis que anunciam quais os parâmetros básicos do planejamento em curto e médio prazo. Em paralelo, normas infraconstitucionais subsidiam a tomada de decisões em um nível mais operacional, estabelecendo limites do gestor na execução do orçamento.

Com o debate monopolizado pelas emendas, cabe ressaltar que o governo federal está sem orçamento aprovado até o presente momento pelo embaraço em torno das regras das emendas especiais. Nesse contexto, pouco tem se falado sobre toda a rede de governança, política e social, que rege o orçamento; a cada vez mais escassa participação social nas tomadas de decisão; sobre a profissionalização dos processos orçamentários nos municípios ou ainda sobre a revisão da lei de finanças públicas brasileira (Lei 4.320 de 1964) que completa 61 anos no mês de março. Votar o PPA pela internet não é meio suficiente de inclusão social no processo orçamentário.

Esse é um debate internacional. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico,) uma década atrás, já indicava que um ciclo orçamentário minimamente transparente e democrático é vetor de desenvolvimento e de maturidade institucional. O planejamento não é um processo por si só, que se encerra com a aprovação da lei ou com a liquidação da despesa. Ele é um ciclo contínuo, que se expande quando necessário e se retrai quando é essencial.

Isso quer dizer que o debate sobre as emendas não termina agora. Quem conhece um pouco dessa história sabe que só a CPI dos anões do orçamento tem 32 anos. E não termina, também, porque a emenda parlamentar não é uma ilha independente na seara do orçamento, ela é um recorte de um todo político e contábil em constante aprimoramento, debate, escrutínio e julgamento público e privado.

Se não há espaço para o planejamento orçamentário, é preciso recriar, forçar as margens e tirar o planejamento orçamentário do sombreamento das emendas parlamentares.

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