O Convênio ICMS 109/24 e a insegurança dos contribuintes

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade 49, firmou entendimento no sentido de declarar a inconstitucionalidade da redação anterior do inciso I do artigo 12 da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir). Tal dispositivo autorizava a incidência de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.

Do referido julgamento realizado pela Corte Suprema, apesar de ter sido afastada a incidência do ICMS nas transferências, restou assegurada a possibilidade de manutenção ou transferência dos créditos de ICMS provenientes de operações anteriores e, ainda, em sede de Embargos de Declaração, os efeitos decorrentes do entendimento sedimentado foram modulados para repercutirem somente a partir do exercício de 2024.

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Diante do referido cenário legislativo e jurisprudencial, em dezembro de 2023, antes mesmo de qualquer alteração na já citada Lei Kandir, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou o Convênio ICMS 178/2023, imputando como obrigatória a transferência de créditos de ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.

No final do mesmo mês, contudo, foi publicada a Lei Complementar 204/2023, alterando o art. 12 da Lei Complementar 87/1996 para adequá-lo ao quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da ADC 49. Naquela oportunidade houve veto presidencial em relação ao § 5º do citado dispositivo que determinava que, por opção do contribuinte, as transferências de mercadoria para estabelecimentos da mesma pessoa jurídica poderiam ser equiparadas às operações sujeitas à ocorrência do fato gerador do ICMS.

Em junho de 2024, o Congresso Nacional, por sua vez, rejeitou o referido veto presidencial, de forma que a legislação passou a ter previsão expressa acerca da faculdade do contribuinte de equiparar as transferências entre seus estabelecimentos às operações sujeitas à ocorrência do fato gerador do imposto.

Inserido em todo esse contexto de rejeição do veto presidencial, sobreveio o Convênio ICMS 109/2024, publicado em outubro de 2024, revogando o Convênio ICMS 178/2023 e regulamentando as previsões contidas na nova redação da Lei Complementar 87/1996.

Nesse contexto, o referido Convênio regulamentou o reestabelecido § 5º do art. 12 da Lei Complementar 87/1996, de forma a estabelecer (i) o procedimento por meio do qual os contribuintes poderiam optar pela equiparação de suas transferências à operação sujeita à ocorrência do fato gerador do imposto; (ii) o valor a ser considerado para determinação da base de cálculo do imposto; (iii) os efeitos de tal opção pelos contribuintes e (iv) a garantia de que a utilização dessa sistemática não implica no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pelas unidades federadas de origem e destino.

Em relação ao procedimento a ser adotado pelos contribuintes que optarem por equiparar suas transferências à operação sujeita a incidência do imposto, os incisos do § 2º da Cláusula Sexta determinam que a opção será anual, irretratável para todo o ano-calendário, devendo ser registrada no Livro de Registro de Utilização de Documentos e Termos de Ocorrências de todos os estabelecimentos até o último dia de dezembro para vigorar a partir de janeiro do ano subsequente, com renovação automática até que se consigne opção diversa.

Contudo, sem adentrar ao mérito dos diversos questionamentos originados das disposições do referido convênio, tais como o efeito da opção pelo tratamento como operação tributada ferir a autonomia dos estabelecimentos, uma vez que (i) vincula todos os estabelecimentos da pessoa jurídica, sem qualquer previsão nesse sentido em lei complementar, desconsiderando as particularidades de cada Estado, ou ainda (ii) utiliza bases de cálculo distintas para o crédito e para o débito nas operações de transferência do crédito, fato é que tal regulamentação, para fins de produção de efeitos, deve ser devidamente internalizada por cada ente federativo.

Ocorre que mesmo após quase quatro meses da publicação do referido Convênio ICMS 109/2024, três estados (Amapá, Pará e Rio de Janeiro) ainda não publicaram qualquer lei ou ato normativo de forma a assegurar e vincular os contribuintes a todas as diretrizes firmadas acerca das operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.

Assim se constrói mais uma grande insegurança jurídica pois, em que pese o reestabelecimento do § 5º do art. 12 da Lei Kandir que prevê expressamente a opção do contribuinte de equiparar as transferências entre seus estabelecimentos à operação sujeita à ocorrência de fato gerador do ICMS, o procedimento por meio do qual se concretiza tal opção, previsto no Convênio ICMS 109/2024 não foi adotado por alguns estados com a internalização das referidas normas.

Está-se, portanto, diante de um cenário no qual uma empresa que possui estabelecimentos em diversos estados, não tem segurança na operacionalização e concretização da opção que lhe é garantida pela Lei Complementar nº 87/1996, uma vez que, caso um de seus estabelecimentos esteja localizado nos estados que não internalizaram as diretrizes do Convênio, não há como saber o correto procedimento a ser adotado para fazer valer tal opção.

Recomenda-se, portanto, que os contribuintes com estabelecimentos nos referidos estados avaliem eventuais providências a serem tomadas para assegurar que o tratamento previsto no Convênio seja aplicado de maneira uniforme a todos os seus estabelecimentos.

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