Sob liderança de Trump, extrema direita busca revolução do senso comum

“Um grande dia para a Alemanha”, escreveu o presidente americano Donald Trump numa rede social, horas após a vitória do partido conservador CDU no pleito do último domingo (23), que também viu o derretimento do histórico partido social-democrata SPD e a consolidação da extrema direita alemã, AfD, num inédito segundo posto.

Complementou Trump a respeito das eleições alemãs: “Assim como nos EUA, o povo da Alemanha se cansou da agenda sem senso comum (grifo nosso), especialmente em relação à energia e à imigração, que prevaleceu por tantos anos”.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

O leitor atento aos discursos políticos, certamente, percebeu que, do ponto de vista retórico, uma das novidades do 2º mandato de Trump é o uso-chave da palavra “senso comum” em seus discursos, desde a sua posse, passando pela participação em Davos até a mensagem direcionada ao público europeu.

Em entrevista ao jornal New York Times, o ideólogo da extrema direita Steve Bannon assim descreveu Trump: “ele é um conservador do senso comum e um populista do senso comum”, o que sugere que tal preocupação emerge do próprio entorno trumpista, responsável por elaborar a estratégia global da extrema direita.

Mas o que seria, afinal, a revolução do senso comum prometida pelo trumpismo 2.0? Não parece à toa que a palavra ganhe expressão política justamente num contexto de reposicionamento discursivo da aliança populista global, em que a agenda “anti-woke” se coloca como eixo das novas disputas culturais.

Em artigo sobre a eleição de Trump, argumentei que uma das razões para a impopularidade da tal “cultura woke” consiste em seu elitismo simbólico e cultural, que consolida uma crescente distância entre jovens de grandes cidades e uma massa de eleitores alijada, seja geograficamente ou espiritualmente, das bolhas urbanas.

À percepção difusa de um mundo perdido se soma a sensação de ameaça, via mídia e redes sociais, representada pela intrusão de uma cultura da qual estão fundamentalmente alijados. Em outras palavras, refugiados do novo senso comum progressista – e, para isso, a percepção importa mais que a realidade.

Nesse sentido, a aliança internacional entre nacional-populistas liderada pelo trumpismo tem nesse “restabelecimento do senso comum” uma das suas apostas, acreditando, não sem alguma dose de verdade, que há uma crise da palavra que atravessa continentes, de modo que recuperar sentidos perdidos, num exercício cognitivo de simplificação do mundo, entrega um fundamental alívio de ansiedade aos eleitores.

Se o populismo é, na definição de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, uma batalha pela construção discursiva do “povo”, podemos situar a oposição woke-senso comum como eixo estratégico para o trumpismo encenar o velho antagonismo povo-elite – a novidade inquietante é que, dessa vez, trata-se da direita acusando a esquerda de elitismo, e não o contrário.

Será bem-sucedida tal empreitada discursiva? Para a oposição democrática, é tempo de brigar pelos sentidos do “povo” em detrimento da fria e abstrata “democracia”, cuja urgência de defesa contrasta com o fraco apelo da palavra perante os eleitores.

Em última análise, talvez seja preciso defender a democracia sem falar nela, da mesma forma que a extrema direita aprendeu a defender os interesses dos poderosos em nome do senso comum.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.