Contribuinte e PGFN recorrem contra modulação do STJ no repetitivo sobre Sistema S

A modulação definida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento que eliminou o “teto” para a cobrança das contribuições ao Sistema S gerou insatisfação tanto entre os contribuintes quanto na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A PGFN recorreu à Corte Especial do STJ, que, pela primeira vez, pode analisar um embargo de divergência apenas sobre modulação. Os contribuintes envolvidos no caso, por outro lado, apresentaram recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).

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O debate envolvendo o Sistema S consta nos REsps 1.898.532 e 1.905.870 (Tema 1079), analisados em maio do ano passado sob o rito dos recursos repetitivos. A Corte definiu que a base de cálculo das contribuições parafiscais não está sujeita ao limite de 20 salários mínimos, conforme defendiam os contribuintes. Prevaleceu o entendimento da relatora, ministra Regina Helena, de que o teto não se aplica ao Sesi, Senai, Sesc e Senac, o que também gerou polêmica. Tributaristas sustentam que a decisão não especificou se a exclusão do teto se aplica exclusivamente a essas quatro entidades, enquanto a Fazenda argumenta que o entendimento deve abranger todas as parafiscais.

A modulação estabelecida restringiu o alcance da decisão ao determinar que apenas os contribuintes que ingressaram com ações judiciais ou apresentaram pedidos administrativos antes do julgamento dos repetitivos e obtiveram decisão favorável até a publicação do acórdão não fossem obrigados a recolher valores retroativos. A decisão exige que, a partir da publicação do acórdão, as contribuições sejam recolhidas sem o limite de 20 salários mínimos.

Na prática, empresas que ingressaram com ações, mas tiveram seus processos suspensos pelo próprio STJ para aguardar o desfecho do julgamento do repetitivo ficaram de fora da modulação e, por isso, podem ser cobradas pela diferença das contribuições parafiscais dos últimos cinco anos. A decisão também atingiu contribuintes que obtiveram decisões desfavoráveis antes do julgamento do repetitivo que, além de terem que vir a recolher as contribuições que deixaram de pagar, estarão sujeitos à incidência de juros e multa.

A modulação gera discordâncias de ambas as partes dos processos, porém com fundamentos distintos. O pedido da Fazenda, no entanto, chama atenção porque, pela primeira vez, a Corte Especial pode analisar um processo envolvendo exclusivamente a modulação.

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Em seus embargos, a PGFN sustenta que não há jurisprudência dominante suficiente que justifique a modulação, porque a maioria das decisões favoráveis aos contribuintes eram monocráticas e muitas foram posteriormente reconsideradas. A Fazenda argumenta que o STJ inovou ao reconhecer como jurisprudência dominante dois julgamentos colegiados de uma mesma turma, complementados por decisões monocráticas isoladas, o que, segundo a procuradoria, não é suficiente para justificar uma modulação.

Os contribuintes, por sua vez, recorrem ao Supremo para questionar a restrição da modulação aos que obtiveram decisão favorável antes da publicação do acórdão. Por meio do pedido, alegam que essa limitação viola princípios constitucionais como o da isonomia tributária, segurança jurídica e livre concorrência. Pedem que todas as empresas que foram à Justiça sejam abrangidas pela modulação, independentemente de decisões anteriores.

Antes dos embargos atualmente em discussão, tanto a Fazenda quanto os contribuintes já haviam apresentado embargos de declaração, que foram rejeitados pelo STJ. No entanto, com a admissão dos pedidos atuais da PGFN, a expectativa das partes é de que o texto seja discutido na Corte Especial ainda esse ano, conforme apurou o JOTA.

Caso os questionamentos da Fazenda sejam aceitos, a modulação é anulada e a decisão passa a valer a todos os contribuintes, sem exceções. Com isso, mesmo aqueles que haviam obtido decisões favoráveis podem ser cobrados. A anulação da modulação impacta também o recurso do contribuinte ao STF, que, sem a modulação, perde o objeto. Caso os embargos sejam rejeitados, a discussão sobre a modulação segue para julgamento no Supremo.

Jurisprudência dominante

Felipe Braga, do Bonavides, Braga, Mota & Alencar Advogados, analisa que há julgamentos favoráveis aos contribuintes para fundamentar uma modulação pelo STJ. Embora a posição seja só de uma das turmas e, na outra, haja dezenas de decisões monocráticas igualmente favoráveis, o fato por si só, explica, já demonstra que houve consolidação do tema na Corte.

“A discussão chegou a um nível técnico sobre a modulação, se ela deve existir ou não, se deve ter critério inovador diferente do STF ou não, mas durante esse percalço, durante esse período todo que ainda vai rolar pela frente, existem várias questões práticas que já estão acontecendo”, comenta o tributarista Felipe Braga ao citar como exemplo a dúvida sobre se uma empresa que teve liminar favorável posteriormente revogada estaria ou não incluída na modulação.

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O procurador da Fazenda Nacional Leonardo Furtado contrapõe que, para haver jurisprudência dominante, é necessário que existam decisões colegiadas consistentes. Além disso, as muitas decisões monocráticas posteriormente reconsideradas reforçam o questionamento sobre a validade do tema como precedente.

O advogado Luiz Eduardo Costa Lucas, do Martinelli Advogados, explica que o próprio sistema de precedentes diz que ao ingressar com uma medida após a afetação do tema, o processo deve ser sobrestado para aguardar o julgamento. Por isso, a modulação ficou penosa ao contribuinte, na sua visão, porque traz uma espécie de punição para quem não conseguiu a sentença positiva anteriormente.

“É uma inovação do próprio STJ nesse sentido. Não é uma questão de você ter agido com boa fé, de esperar o julgamento, é ir contra o próprio sistema de precedentes”, disse.

Pontas soltas

Segundo especialistas, a modulação no caso sobre o Sistema S deixou diversas lacunas, que podem resultar no surgimento de teses filhotes. Um dos principais pontos em aberto, conforme a tributarista Carolina Rigon, do ALS Advogados, é a exclusão de algumas entidades parafiscais. Como ficaram abarcadas apenas quatro entidades, ela explica que não está definido se para as outras os TRFs precisam necessariamente seguir o julgamento do STJ. 

Rigon ressalta que essa indefinição pode gerar um aumento da judicialização, especialmente porque os tribunais podem aplicar o raciocínio do Sistema S a outras entidades, o que, na visão de Luiz Eduardo Costa Lucas, abre espaço para o surgimento de novas teses filhotes.

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A PGFN reconhece que as lacunas deixadas pela 1ª Seção podem gerar novas discussões judiciais. Segundo o procurador, a modulação já tem ocasionado uma série de demandas interpretativas na Receita Federal e nos tribunais. Ele explica que a delimitação da tese do repetitivo trouxe desafios e se tornou um complicador na aplicação prática da modulação.

No entendimento da Fazenda, o dispositivo que limitava a base de cálculo a 20 salários mínimos já não existe há décadas, e esse entendimento se estende a todas as contribuições, não se restringindo apenas ao Sistema S. Assim, segundo o procurador, a delimitação do repetitivo não altera essa interpretação.

Entre as pontas soltas, para os tributaristas, está também o cerne da modulação apenas para decisões favoráveis. Segundo o advogado Felipe Braga, o voto da relatora não esclarece se empresas com liminar favorável posteriormente revogadas estão incluídas na modulação, tampouco explica se a empresa que teve a decisão favorável vai poder recuperar os últimos cinco anos.

Para ele, independentemente do desfecho dos embargos de divergência ou do recurso extraordinário, ainda haverá disputas judiciais sobre questões que poderiam ter sido resolvidas anteriormente. “Se optou por um caminho que não permite mais a resolução dessas questões, que após o julgamento definitivo deste caso, vão se tornar principais”, afirma. Assim, seja ou não favorável aos contribuintes, o STJ deveria ter se posicionado formalmente sobre essas controvérsias já levantadas e rejeitadas em embargos anteriores

Chances para os contribuintes

Especialistas divergem quanto às chances de vitória dos contribuintes. Para Braga, os embargos de divergência não devem ser aceitos “se tecnicamente analisados”. No entanto, segundo diz, o recurso extraordinário no STF tem chances de êxito. “Até porque se o STF validar essa modulação, ele vai contrário à própria posição dele, tendo em vista todas as decisões”, disse.

Já Costa Lucas não vê saída no STF. Para ele, a discussão no Supremo se limitará a aspectos processuais, sem análise do mérito, o que reduz as possibilidades de mudança no entendimento já firmado. Ele analisa que os ministros do STJ mantiveram a modulação em todas as sessões, e no STF as chances também são baixas, principalmente diante da necessidade de reconhecimento de repercussão geral e, posteriormente, eventual afronta à constituição.

A Fazenda Nacional, no entanto, está confiante com a tese e diz que considerando “a quantidade de precedentes colegiados na primeira turma e a ausência de precedentes colegiados na segunda turma, e decisões democráticas reconsideradas, existe um contexto fático que não autoriza a modulação”. Por esse motivo, segundo o procurador, não há razão para a procuradoria aprofundar a análise em uma perspectiva constitucional, ao menos neste momento, considerando o recurso do contribuinte ao STF. 

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