Justiça condena Prefeitura de São José, governo de SP e Selecta a pagarem R$ 5 milhões por danos morais a ex-moradores do Pinheirinho


A área onde 1,7 mil famílias moravam, na Zona Sul de São José dos Campos, foi desocupada em janeiro de 2012. A Justiça avaliou que houve abuso de poder por parte dos policiais militares, com emprego de violência física contra os ocupantes e uso indiscriminado de gás lacrimogêneo e balas de borracha contra os moradores. Policiais fazem uma barreira diante dos protestos feitos pelos moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos, que resistem à ordem de integração de posse no local
Roosevelt Cassio/Reuters
A Justiça condenou a Prefeitura de São José dos Campos, o governo de SP e a massa falida Selecta a pagarem R$ 5 milhões em danos morais para os ex-moradores do Pinheirinho, terreno na Zona Sul da cidade que era ocupado por 1,7 mil famílias e que foi desocupado em 2012.
A reintegração de posse ocorreu na madrugada do dia 22 de janeiro de 2012, em um domingo, e foi marcada por confronto entre moradores e polícia, com repercussão nacional. O local, que tem uma área de 1,3 km², chegou a abrigar cerca de 6 mil pessoas ao longo de oito anos de ocupação – relembre abaixo.
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A decisão é da juíza Laís Helena de Carvalho Scamilla Jardim, da 2º Vara da Fazenda Pública e foi publicada na última quarta-feira (19).
A juíza acatou em partes uma Ação Civil Pública que foi movida pela Defensoria do Estado de São Paulo. Na ação, que se arrastava na Justiça há cerca de 13 anos, a Defensoria pedia:
Indenização de R$ 10 milhões por danos morais coletivos;
Retratação pública da empresa, da prefeitura e do governo de SP pelo ocorrido;
Criação de um programa de atendimento psicológico para os ex-moradores do Pinheirinho;
A construção de um memorial em homenagem à comunidade despejada em frente ao terreno do Pinheirinho;
Implementação de novos procedimentos para a PM seguir em desocupações;
Treinamento da Polícia Militar em todo o estado de SP para ter abordagem humanizada em operações de desocupação;
Implementação de programas de qualificação profissional em São José para as vítimas da desocupação;
Criação de um plano municipal para atuação em desocupações de grandes proporções;
A retirada de resíduos que tenham permanecido no terreno após a desocupação;
Condenação por danos ambientais que a Prefeitura, o governo estadual ou a Selecta possam ter causado na propriedade.
Na ação, a Defensoria argumentou que houve violência na desocupação e que os moradores foram levados para abrigos inadequados.
“A primeira intervenção militar na área teria sido levada a efeito através helicópteros, encarregados de lançar gás lacrimogêneo de forma indiscriminada sobre as casas da região, levando os seus moradores a deixá-las, quando então seriam recebidos a tiros de bala de borracha pelo Batalhão de Choque, cujos agentes teriam exigido que os moradores abandonassem imediatamente o local, desprovidos dos pertences pessoais (…) Os agentes de estado teriam utilizado de violência imoderada contra os ocupantes e seus animais domésticos, deixando um número considerável de feridos”, afirmou a Defensoria no processo.
O órgão afirmou ainda que a condenação por danos morais era necessária “em razão dos reiterados pronunciamentos públicos das autoridades locais associando o bairro e seus moradores ao crime organizado; da perda dos bens que guarneciam nas casas, deixando os seus proprietários absolutamente desamparados; da massiva violação de direitos fundamentais por parte dos agentes de estado na execução da desapropriação sem qualquer protocolo de atuação; da falta de planejamento adequado para realocação da população, posto que cerca de 8 mil pessoas teriam restado subitamente desalojadas”.
A juíza Laís Helena avaliou o pedido e decidiu acatar parcialmente a denúncia da Defensoria, condenando a Prefeitura de São José dos Campos, o Governo de SP e a massa falida Selecta a pagarem R$ 5 milhões por danos morais coletivos com correção monetária – metade do valor solicitado pela Defensoria.
De acordo com a sentença, os valores arrecadados deverão ser destinados a fundo especial destinado à reconstituição dos bens lesados. Esse fundo, de acordo com a lei 7.347/85, deve ser gerido por um conselho com a participação do Ministério Público e representantes da comunidade.
Além disso, a juíza condenou o Estado de São Paulo e o Município de São José dos Campos a publicar a sentença condenatória em veículos de comunicação de massa.
No documento, a juíza argumentou que “houve injustificado emprego de gás lacrimogêneo pelos policiais militares, dispersado através de helicópteros, contra a comunidade do Pinheirinho, às 5h30 do dia 22/01/2012, e alvejamento dos moradores por balas de borracha logo após a saída de suas residências, sem que tenha sido apresentada pelo ente qualquer prova contundente a respeito de sua necessidade”.
Ainda segundo a juíza, ” destaca-se ainda a forma com que a desocupação se concretizou, sem resguardar os direitos patrimoniais dos ex-ocupantes. As pessoas foram retiradas de suas casas com a promessa de mais adiante poderem voltar e retirar seus bens. Contudo, ao que se extrai da prova dos autos, a maioria das pessoas não teve seus pertences listados por oficial de justiça e tampouco conseguiu recuperar tudo que havia no interior da residência”.
Por fim, a juíza explicou que “em virtude do exposto, considera-se adequado determinar o montante de R$ 5 milhões a título de compensação moral, atribuível solidariamente a todos os réus Estado de São Paulo, Município de São José dos Campos e Massa Falida de Selecta Comércio e Indústria em obediência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como as circunstâncias em que ocorreram os fatos e, em particular, a condição socioeconômica e de vulnerabilidade das vítimas, e o fato de que os danos causados à sua propriedade podem ter efeito e magnitude maior do que eles teriam para outras pessoas ou grupos em outras condições”.
No entanto, os outros pedidos da ação, que envolviam memorial em homenagem aos ex-moradores, atendimento psicológico, treinamento da Polícia Militar, danos ambientais, entre outros pontos listados acima, foram negados pela juíza.
O g1 acionou a Prefeitura de São José dos Campos, o governo de São Paulo e tenta contato com a massa falida Selecta. A reportagem será atualizada caso as partes se manifestem.
Mulher com criança é levada pela PM para longe de confrontos na região do Pinheirinho, em São José dos Campos, em 2012
Roosevelt Cassio/Reuters
Desocupação
O terreno pertencia a uma massa falida do especulador Naji Nahas. Em agosto de 2004, o local foi ocupado por diversas famílias, que construíram casas no terreno.
O proprietário da área pediu a reintegração de posse do local na Justiça. Depois de várias batalhas judiciais, a Justiça Estadual autorizou a reintegração de posse do terreno em janeiro de 2012. Na época, a Prefeitura de São José era comandada por Eduardo Cury e o Governo de São Paulo por Geraldo Alckmin, ambos estavam no PSDB.
No dia 22 de janeiro, equipes da Rota saíram da capital para São José dos Campos para atuar na reintegração, que foi uma das maiores do estado. Cerca de dois mil agentes de segurança, entre policiais militares e guardas municipais, participaram da operação.
Moradores atearam fogo nas barricadas que estavam localizadas em pontos estratégicos para impedir o avanço do policiamento. Mesmo assim, não tiveram sucesso, e foram retirados do local sob confronto.
Após a desocupação, a prefeitura da cidade prometeu aos moradores que construiria casas populares que seriam destinadas aos ex-moradores do Pinheirinho. Enquanto as moradias não ficavam prontas, as famílias foram levadas para abrigos e, após isso, recebiam aluguel social de até R$ 500.
Só em 2017, cinco anos depois da desocupação, as pessoas que viviam no Pinheirinho foram beneficiadas com casas construídas num convênio entre prefeitura e os governos federal e estadual.
As 1.461 têm 46,5 metros quadrados, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Elas ficam no bairro Pinheirinho dos Palmares, na zona sudeste da cidade, a 15 quilômetros do centro da cidade.
Ex-Pinheirinho recebe moradia quase 5 anos após desocupação em São José
Imagem de arquivo – Terreno do Pinheirinho, em São José dos Campos, que passou por reintegração de posse em 2012.
Juliana Cardilli/g1
Policiais fazem barreira durante conflito com os moradores em Pinheirinho, em São José dos Campos, no interior de São Paulo
Roosevelt Cassio/Reuters
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