O novo capítulo do impasse sobre limites da liberdade de expressão na internet

As calorosas discussões acerca dos limites à liberdade de expressão na internet aparecem como um dos assuntos mais controversos a pautar a opinião pública nos últimos anos.

Trata-se de um tema de fácil integração aos debates sociais, fomentado pelo fato de que plataformas como Instagram, X (o antigo Twitter) e Telegram são ferramentas tão disseminadas e, atualmente, indissociáveis da experiência coletiva virtual. Portanto, temas que afetam as manifestações individuais e coletivas nesse ecossistema geram respostas variadas e, não raramente, polarização, inclusive entre espectros políticos.

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Através das redes sociais, os usuários não só entram em contato uns com os outros ou realizam curadoria dos perfis que são de seu interesse particular. Além disso, esses espaços servem, sobretudo, como palco para que cada conta tenha uma voz, expresse opiniões e adquira um público próprio. Receber e compartilhar informação também são partes fundamentais dessa dinâmica.

Por isso, esse contexto reforça a importância dessas ferramentas no mundo atual, especialmente porque o exercício da liberdade de expressão, diante da intensa digitalização da vida moderna, não pode mais ser compreendido em sua amplitude se as plataformas digitais não estiverem sob análise.

Todavia, se a internet e suas facilidades têm alcance global, as maneiras pelas quais cada país recebe e regula essas ferramentas tecnológicas estão longe do ideal de consenso que um dia pudesse ser esperado. Na realidade, pelos mais diversos motivos históricos, políticos e ideológicos, os Estados adotam posturas que podem ser diferentes quanto ao uso da tecnologia e, especialmente, no que diz respeito aos limites da sua utilização.

Exemplos dessa fragmentação são facilmente encontrados na experiência internacional. O Instagram, uma das plataformas mais difundidas globalmente, é bloqueado em países como Rússia, China e Irã. Na Índia, o país mais populoso do mundo, a rede social TikTok foi banida em 2020, após discordâncias e suspeições do governo indiano com o governo chinês (lembre-se que o TikTok pertence à gigante de tecnologia ByteDance, com sede em Pequim, na China).

Nos Estados Unidos, o TikTok também está com futuro incerto, e pode ser banido, por suspeita do uso de dados de usuários norte-americanos pelo governo chinês. Ademais, na Austrália, foi aprovada uma lei que proíbe a utilização de redes sociais como Instagram, X e Snapchat por usuários menores de 16 anos.

E, claro, no Brasil, o X foi suspenso por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes, no final de agosto de 2024, após a não indicação de um representante legal da plataforma no país e pelo descumprimento de decisões judiciais.

Esse é o novo panorama do avanço tecnológico, no qual as tecnologias precisam lidar com governos e leis de cada país, adequando-se às especificidades. Essa relação tem se mostrado cada vez mais complexa e merece um olhar atento e dinâmico.

Liberdade de expressão nos EUA: o modelo ideal?

Os limites da liberdade de expressão representam um debate milenar que está longe de chegar a uma conclusão unânime para todo mundo. Alguns países, todavia, possuem bases legais e jurisprudenciais robustas acerca do tema e, entre outras razões, exercem forte influência. Um dos mais evidentes exemplos que se tem, sem dúvida, vem dos EUA.

Lá, a construção jurisprudencial, eminentemente fundamentada na Primeira Emenda, reforça uma posição muito mais abrangente do que está no escopo da liberdade de expressão, o que incluiria a proteção de discursos potencialmente enquadrados como lesivos em outros países, tais como hate speech (discurso de ódio), fake news e pornografia. Há, assim, uma margem mais ampla quanto às formas de expressão, contra as quais o Estado não pode atuar no sentido de restringir o seu exercício, seja por mecanismos legais ou executivos, o que resultaria em inconstitucionalidade.

Essa posição reverbera pelo ordenamento jurídico dos EUA. No âmbito infraconstitucional, em atenção ao desenvolvimento tecnológico, é importante ressaltar a Seção 230 do Communications Decency Act (CDA) de 1996, já analisada em outros artigos do JOTA, que protege provedores de aplicações digitais da responsabilidade por conteúdos postados por terceiros em seus serviços. Tal norma sofre críticas por gerar imunidade de grandes empresas de tecnologia diante de violações a direitos ocorridas em suas plataformas.

É importante observar que as principais empresas de tecnologia, como Meta, Alphabet e Apple, estão localizadas nos EUA, que abriga o chamado Vale do Silício, berço de inovações que acabam sendo exportadas ao mundo. Essas companhias gozam dos benefícios advindos da tradição do governo norte-americano de adotar uma posição mais laissez-faire em relação ao mercado privado. Isso faz com que as big techs tenham maior liberdade para adotar as políticas que melhor atendam aos seus negócios e ao lucro.

Todavia, tem-se visto que, ao encontrar outros ordenamentos jurídicos pelo mundo, os ideais consolidados dessas empresas passam por colisões. Exemplos como o Digital Markets Act (DMA) na União Europeia e o próprio Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) no Brasil mostram-se como respostas regionais e nacionais diante do avanço de empresas de tecnologia em seus mercados internos.

Em suas disposições normativas, esses documentos incorporam tradições de maior proteção a direitos de minorias e criminalização de discursos lesivos, exigindo adaptação de empreendimentos estrangeiros a normas locais.

Com isso, ocorre uma fragmentação das políticas adotadas por essas empresas em cada país, a fim de dar continuidade à oferta de seus serviços e aplicações. Entretanto, essa tendência pode resultar em consequências preocupantes, como a seleção de conteúdos que chegarão aos usuários, práticas de vigilância em massa por governos e empresas privadas e o enfraquecimento do acesso universal à rede mundial de computadores.

Novos governos e novas políticas

As divergências quanto aos limites da liberdade de expressão entraram em um novo capítulo com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. O presidente, eleito em 2016 e em 2024, encontrou no arcabouço digital um forte aliado para unir as massas e para propagar seus planos de governo.

Trump, com o slogan Make America Great Again (MAGA), promete fortalecer a influência dos EUA no contexto geopolítico atual, o que inclui a hegemonia tecnológica. Em sua posse, diretores executivos (CEOs) de diversas empresas do ramo, como Meta, Amazon e Apple, tiveram um lugar proeminente. 

Entre os CEOs que apoiaram Trump, Elon Musk teve destaque desde sua campanha eleitoral. O empresário é dono do X e da SpaceX, empresa de tecnologia espacial que possui a subsidiária Starlink, a qual oferece internet via satélite. No novo governo Trump, Musk assumiu o Departamento de Eficiência Governamental, que terá como objetivo cortar gastos públicos.

Com o novo governo, o empresário Mark Zuckerberg, CEO da Meta (empresa cujos serviços incluem Facebook, Instagram e WhatsApp), anunciou que a companhia vai encerrar o sistema de checagem de fatos para adotar, em substituição, o modelo de “notas da comunidade”, similar ao que ocorre no X. Essa decisão fará com que os próprios usuários dessas redes sociais apontem a existência de notícias falsas e outras violações às políticas internas das plataformas.

No anúncio, Zuckerberg criticou leis europeias que, segundo ele, institucionalizam censura, além de apontar “tribunais secretos” de países latino-americanos, que removem conteúdos de forma silenciosa. A medida foi amplamente criticada pela comunidade internacional, que manifestou preocupação com a possível piora do ambiente virtual, que já é dominado por fake news, discursos de ódio e outras violações.

Essa realidade mostra como o tema analisado continua em constante dinâmica e merece atenção redobrada. Os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo que mudam as percepções sobre a liberdade de expressão no mundo virtual, também evidenciam as diferenças políticas, econômicas e culturais entre os países. As soluções adotadas para resolver conflitos que surgem no ciberespaço têm revelado uma fragmentação das posições, com consequências ainda pouco mensuráveis, mas cada vez mais desafiadoras.

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