As ilegalidades do teto do Perse e as dúvidas sobre o seu cálculo

O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) foi instituído pela Lei 14.148/21 com o objetivo de compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento para combate da pandemia da Covid-19.

A principal medida trazida por esse programa foi a redução a 0% até março de 2027 das alíquotas dos tributos incidentes sobre o resultado das pessoas jurídicas (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) pertencentes ao setor de eventos que exercessem, direta ou indiretamente, as atividades (códigos CNAE) relacionadas em ato editado pelo Ministério da Economia (atual Ministério da Fazenda).

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Contudo, para surpresa dos contribuintes, a Lei 14.148/21 foi alvo de sucessivas alterações[1], a fim de restringir o alcance dos benefícios concedidos no âmbito do Perse ou até mesmo revogá-los. A mais recente alteração promovida na Lei 14.148/21, e que será objeto deste artigo, é a previsão de um limite financeiro de R$ 15 bilhões em renúncais fiscais no período de abril de abril de 2024 a dezembro de 2026, que se sobrepõe ao limite temporal estabelecido originalmente.

Nos termos do artigo 4-A da Lei 14.148/21, o custo fiscal relacionada ao Perse será demonstrado em relatórios divulgados pela Receita Federal. Em seu último relatório[2], elaborado com base nas informações declaradas pelos contribuintes na DIRBI[3], a Receita Federal informou que, entre abril e outubro de 2024, foi consumido R$ 7,1 bilhões (47,4%) do valor total autorizado para o Perse. Além disso, o fisco destacou que, mantida essa tendência, o teto será alcançado no primeiro semestre de 2025[4].

Entretanto, assim como outras limitações impostas pela legislação subsequente à implementação do Perse, a previsão de um teto orçamentário viola os artigos 178 e 105 do Código Tributário Nacional (CTN), como também as garantias constitucionais que lhes dão suporte, como segurança jurídica, direito de propriedade e isonomia.

Como é sabido, o artigo 178 do CTN dispõe que os benefícios fiscais concedidos por prazo certo e em função de determinadas condições não podem ser revogados ou modificados posteriormente. Isto é, atendidas as condições da norma, o benefício concedido não pode ser revogado antes do prazo previamente fixado.

Importante esclarecer que o Perse não é um incentivo fiscal aplicável de forma indistinta a todo e qualquer contribuinte. Apenas aqueles que cumprirem os requisitos previstos na Lei 14.148/21 e que reconhecidamente foram prejudicados pela pandemia podem usufruir da alíquota zero.

Ainda, a onerosidade exigida como condição para preservação do benefício pelo prazo previamente estipulado não envolve necessariamente uma contrapartida em dinheiro ou investimento do contribuinte. A onerosidade significa apenas que há a criação de um dever jurídico para determinada pessoa, não necessariamente a obrigação de um desembolso financeiro por parte do contribuinte.

A jurisprudência[5] já se debruçou sobre a possibilidade de revogação de benefícios fiscais onerosos em diversas oportunidades, inclusive com relação ao Perse[6], e ratificou a eficácia do artigo 178 do CTN nesses casos.

A esse respeito, cabe mencionar que o contribuinte recentemente peticionou nos autos do Recurso Especial 2.130.054/CE (Tema repetitivo 1.283), em que se discute a legalidade de um dos requisitos do Perse (Cadastur), pleiteando que o seu escopo seja ampliado para incluir, entre outras, a discussão relacionada à legalidade das alterações promovidas na Lei 14.148/21 à luz do artigo 178 do CTN. Se acolhido o pedido, esse precedente servirá de paradigma de observância obrigatória.

Outra ilegalidade é o fato de o artigo 4-A da Lei 14.148/21 estabelecer que o valor limite de renúncia fiscal começará a ser contabilizado a partir de abril de 2024, apesar de a alteração legislativa que introduziu essa regra ter sido publicada apenas em maio do mesmo ano. Isso viola frontalmente o artigo 105 do CTN, segundo o qual a norma tributária não pode produzir efeitos a fatos geradores passados, especialmente com relação àqueles que introduzem restrições de direitos.

Não bastassem as referidas violações, não há clareza sobre o cálculo do limite estabelecido pelo dispositivo legal mencionado. A Receita Federal menciona em seu último relatório que o limite do Perse foi calculado com base nas informações prestadas pelos contribuintes na DIRBI. Contudo, esse relatório não deixa claro se o cálculo engloba os contribuintes que estão protegidos por decisão judicial.

Como mencionado, com fundamento no artigo 178 do CTN, os contribuintes têm obtido provimentos juridiscionais reconhecendo a ilegalidade das restrições introduzidas na lei original do Perse, o que inclui o teto orçamentário. Na medida que a consequência jurídica desse dispositivo é o retorno às condições originais, quando não existia um limite financeiro, revela-se ilegal incluir no cálculo do teto de R$ 15 bilhões os valores de renúncia fiscal relacionados a empresas beneficiadas por decisão judicial, já que elas estariam excepcionadas da regra.

A névoa em torno dos R$ 7,1 bilhões já consumidos é densa e precisa ser dissipada através do fornecimento de esclarecimentos a respeito do cálculo realizado pelas autoridades fiscais, sob pena de violação ao que dispõe o próprio dispositivo legal que introduziu o teto orçamentário[7]. Além disso, se verificado que a renúncia relativa aos processos individuais com decisão favorável ao contribuinte está sendo considerada para fins de apuração do teto, importante que haja uma revisão do cálculo para excluir esse montante.

Em resumo, como vem sendo corroborado pela jurisprudência, as restrições introduzidas posteriormente à lei do Perse para aqueles que preenchiam os requisitos previstos no texto original são absolutamente ilegais, com fundamento nos artigos 178 e 105 do CTN. A despeito disso, ainda que se possam reputar válidas essas restrições, cabem esclarecimentos a respeito do cálculo do teto orçamentário do Perse e, eventualmente, a sua revisão, em respeito não só aos princípios da motivação e publicidade, mas também ao próprio artigo 4-A da Lei 14.148/21.


[1] Cf. Medida Provisória 1.147, 20 de dezembro de 2022; Portaria ME 11.266, de 29 de dezembro de 2022; Medida Provisória 1.202, de 28 de dezembro de 2023; e Lei 14.859, de 22 de maio de 2024.

[2] Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/relatorios/perse/relatorio-de-acompanhamento-do-perse-out2024-e-anexos-v3.pdf. Acesso em 13 fev. 2025.

[3] Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidade Tributárias.

[4] Cf.: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/01/06/receita-preve-que-incentivo-fiscal-para-o-perse-deve-acabar-no-1o-semestre-de-2025.ghtml. Acesso em 13 fev. 2025.

[5] Cf. STJ, REsp 1.725.452/RS, Primeira Turma; Min. Rel. Regina Helena; DJe 15.6.2021.

[7] O cálculo segregado da renúncia fiscal relacionada a processos judiciais que envolvam o Perse é uma condição do próprio artigo 4-A da Lei 14.148/21, a qual não foi atendida pelo relatório divulgado pela Receita Federal.

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