STJ redefine cálculo do porte de imóveis rurais: impactos e reflexos jurídicos

Em recente decisão, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as áreas de reserva legal devem ser excluídas do cálculo do porte de imóveis rurais para fins de classificação fundiária. Além de impactar diretamente a política de reforma agrária e os direitos dos proprietários, a medida levanta questionamentos sobre seus reflexos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento fundamental para a regularização ambiental das propriedades rurais.

O julgamento do Recurso Especial 1.947.564/MT determinou que as áreas de reserva legal – espaços protegidos dentro das propriedades rurais para preservação da vegetação nativa – devem ser excluídas do cômputo da extensão total do imóvel para sua classificação fundiária.

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Historicamente, a legislação agrária brasileira classifica imóveis rurais em minifúndios, pequenas, médias e grandes propriedades com base na unidade de medida denominada módulo fiscal. Até então, a reserva legal era considerada na área total, impactando essa classificação e, consequentemente, direitos e deveres dos proprietários, inclusive em processos expropriatórios para fins de reforma agrária.

A decisão altera a forma como se mensura o tamanho das propriedades para diversos fins legais, especialmente no âmbito da desapropriação para reforma agrária e na tributação rural, ao mesmo tempo em que gera desafios para a gestão de políticas ambientais vinculadas ao CAR.

A nova interpretação do STJ pode modificar significativamente o cenário fundiário no Brasil:

  • Redução do risco de desapropriação para reforma agrária

Com a exclusão da reserva legal do cálculo da área do imóvel, muitas propriedades antes classificadas como grandes poderão ser reclassificadas como médias, tornando-se imunes à desapropriação para fins de reforma agrária. Isso pode reduzir o universo de terras passíveis de redistribuição, afetando políticas de acesso à terra.

  • Impacto na tributação rural

O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), que considera o tamanho e a utilização do imóvel, pode ser impactado pela nova forma de cálculo da área da propriedade. Com uma possível reclassificação fundiária, imóveis antes considerados grandes podem passar a pagar menos tributos.

  • Ajustes em contratos e financiamentos

Muitos contratos e operações financeiras no setor agropecuário são baseados na classificação fundiária das propriedades. A decisão pode gerar a necessidade de revisão contratual e readequação de financiamentos rurais vinculados a determinadas categorias de propriedade.

  • Possível judicialização

A nova interpretação pode levar a disputas judiciais sobre reclassificação de imóveis, especialmente em processos administrativos de desapropriação, tributação e acesso a benefícios públicos.

Criado pelo Código Florestal (Lei 12.651/2012), o CAR é um registro eletrônico obrigatório que integra informações ambientais das propriedades rurais, incluindo reservas legais, Áreas de Preservação Permanente (APPs) e remanescentes de vegetação nativa. Com a decisão do STJ, surge um possível descompasso entre a classificação fundiária e o cadastro ambiental, gerando impactos relevantes:

  1. Revisão da base de dados fundiária e ambiental
    A decisão pode incentivar proprietários rurais a revisarem seus registros, especialmente aqueles cuja classificação do imóvel foi alterada. Isso pode levar a uma reanálise dos cadastros e exigir ajustes nos critérios adotados pelo governo para políticas de regularização ambiental.

  1. Reflexos no Programa de Regularização Ambiental (PRA)
    O PRA permite que produtores rurais regularizem passivos ambientais, como déficits de reserva legal. Com a nova interpretação do STJ, algumas propriedades antes consideradas grandes podem ser reclassificadas como médias, potencialmente alterando sua elegibilidade para determinados programas ambientais.

  1. Impacto no crédito rural e incentivos ambientais
    O CAR é um requisito para concessão de crédito rural e adesão a incentivos ambientais, como o Programa ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono). Com a mudança na forma de cálculo fundiário, pode haver reflexos na classificação de imóveis para acesso a financiamentos e benefícios ambientais.

  1. Possível necessidade de regulamentação

O governo pode precisar revisar normativas para harmonizar a nova interpretação do STJ com as exigências ambientais, evitando insegurança jurídica e lacunas normativas no tratamento de imóveis rurais.

A decisão do STJ redefine a forma como o porte dos imóveis rurais é calculado, trazendo impactos significativos tanto para a política fundiária quanto para o Cadastro Ambiental Rural. Ao mesmo tempo em que reduz o risco de desapropriação para proprietários e altera a tributação rural, a medida pode gerar desafios na regularização ambiental, no acesso a financiamentos e na implementação de políticas de preservação e reforma agrária.

Diante desse novo cenário, é essencial que produtores rurais, advogados, órgãos reguladores e agentes do mercado acompanhem os desdobramentos da decisão e suas implicações, garantindo segurança jurídica e equilíbrio entre a proteção ambiental e os direitos fundiários no país.

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