Proposta de Gilmar Mendes para terras indígenas prevê pesquisa e exploração mineral

A discussão sobre o futuro do Marco Temporal das Terras Indígenas e das demarcações de terra ganha um novo capítulo nesta segunda-feira (17/2) no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir da análise de uma minuta elaborada pelo gabinete do ministro Gilmar Mendes. O documento apresentado pelo decano traz sugestões de alterações na Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023) como a permissão de atividades econômicas e a possibilidade de pesquisa e exploração mineral em terras indígenas, assim como mudanças no rito demarcatório, compensação territorial e indenização da terra nua – e não só das benfeitorias.

O texto ainda não é o final, mas a ideia é que a comissão da conciliação – composta por órgãos do governo, representantes do agronegócio, entidades de meio ambiente e algumas lideranças indígenas – debata a minuta construída a partir das sete sugestões recebidas pelo gabinete do ministro. No entanto, conforme apurou o JOTA, o documento deve encontrar resistências dos grupos sociais e econômicos envolvidos, em especial, dos indígenas. Leia a íntegra das sugestões de Gilmar Mendes.

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A tese do Marco Temporal determina que os povos indígenas têm direito apenas às terras que já ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A posição é defendida por representantes do agronegócio e contestada por comunidades tradicionais.

Um dos pontos do documento é que, embora não seja afastada a constitucionalidade da lei do Marco Temporal, a minuta relativiza a data de 5 de outubro de 1988 como prazo definitivo para a demarcação das terras indígenas. No texto, diz-se que o direito às terras pelos indígenas “independe” da data da promulgação da Constituição e da configuração de conflito possessório persistente.

Outra alteração se dá em relação à exploração econômica das terras indígenas. No texto apresentado pelo ministro Gilmar Mendes abre-se um capítulo inteiro sobre o processo administrativo e as condições para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais em terras indígenas. Este tópico não está presente na Lei do Marco Temporal de 2023.

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Pelo texto, o presidente da República deverá indicar quais terras indígenas poderão ser objeto das atividades de pesquisa e lavra de recursos minerais; depois deverão ser realizados estudos técnicos, consulta às comunidades indígenas afetadas e autorização do Congresso Nacional. As comunidades indígenas terão participação e indenização se houver restrição do usufruto sobre as suas terras.

A minuta determina ainda que as terras indígenas não poderão ser arrendadas nem podem ter negócios jurídicos que restrinjam a posse direta pela comunidade indígena. Aqui, houve uma alteração no verbo – na Lei do Marco Temporal, em vez de “restringir” o verbo era “eliminar”. Ainda, dá um prazo de 30 dias para que a Funai seja comunicada da celebração dos contratos. Pela lei vigente, a única exigência é a de que os contratos sejam registrados na Funai, sem estipular data.

O incremento da indenização pela terra nua para posseiros não indígenas é outra novidade da minuta apresentada pelo ministro Gilmar Mendes. Pela Lei do Marco Temporal, a indenização se dá apenas pelas benfeitorias, não incluindo o preço da terra. A leitura que indígenas e membros do governo têm feito é que o pagamento pela terra pode deixar o processo de demarcação mais caro e mais lento.

A minuta proposta por Gilmar Mendes também introduz a possibilidade de compensação territorial em casos onde a desocupação não seja possível. Ou seja, se a terra indígena questionada tiver uma ocupação de posseiros consolidada e de difícil remoção, serão ofertadas pelo governo terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas.

Outra importante mudança é o fortalecimento da participação de estados e municípios nos processos de demarcação. O texto da Lei do Marco Temporal restringe-se a dizer que os entes devem participar do processo quando a disputa ocorrer em seus territórios. Na proposta de Mendes, há detalhamento maior de como será a participação.

Conflito

O Supremo decidiu que a tese do Marco Temporal era inconstitucional em setembro de 2023 por meio de um recurso extraordinário, cujo relator era o ministro Edson Fachin. Na ocasião, a decisão foi vista como uma derrota por ruralistas. Em reação imediata, o Congresso aprovou a Lei do 14.701/2023 em sentido oposto ao decidido pela Corte. Diante desse impasse, novas ações para suspender a norma chegaram à Corte e o relator sorteado foi o ministro Gilmar Mendes, que decidiu instalar uma conciliação sobre o tema.

Desde o início da conciliação, as lideranças indígenas demonstraram insatisfação com a negociação proposta por Mendes. Entidades indígenas, como a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) se posicionaram contra a negociação porque a lei do marco temporal continua em vigor, gerando uma situação de desigualdade negocial. Os indígenas pediram ao ministro Gilmar Mendes a suspensão cautelar da norma, mas não foram atendidos. Outro ponto defendido é a impossibilidade de negociar direitos indígenas por serem direitos “indisponíveis”, ou seja, que não se pode abrir mão.

Ainda nas primeiras reuniões, as principais lideranças indígenas abandonaram a mesa de conciliação. Mesmo assim, o ministro decidiu continuar com as audiências em busca de um consenso sobre o tema. Representantes do Ministério dos Povos Indígenas e da Funai continuaram participando dos debates. Até o momento, 16 reuniões foram realizadas.

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