Revisão das bases de Capex: flexibilização segura nos contratos de concessão

Já é lugar comum a noção de incompletude dos contratos de longo prazo. Os contratos são incompletos e, para tomar emprestados termos econômicos, essa incompletude tende a aumentar custos de transação e pode, com isso, gerar margem para atitudes oportunistas das partes. Em termos simples: o contrato não pode prever tudo, mas as regras precisam ser claras.

Já tivemos a oportunidade de defender[1] que o futuro dos contratos de concessão está em um equilíbrio entre a flexibilidade e a segurança jurídica. Isso pode ser alcançado por meio de uma maior procedimentalização contratual. Ou seja, é necessário trazer menos respostas prontas e mais procedimentos para que as respostas sejam encontradas.

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Essa lógica vem sendo discutida também no âmbito do PL 7063/2017, da relatoria do deputado Arnaldo Jardim, que pretende estabelecer uma nova lei geral de concessões. O projeto traz o conceito de contrato vivo, que representa a ideia de que o contrato deve ser dinâmico e estar aberto a mutações com menos burocracia para ter mais eficiência.

As cláusulas mais procedimentais vêm ganhando cada vez mais espaço nos contratos de concessão e a 5ª geração dos contratos de concessão de rodovias de Mato Grosso trouxe uma inovação interessante, além de tantas outras que já tratamos anteriormente[2][3].

Sabe-se que a estruturação dos projetos é basicamente realizada de forma unilateral pelo poder concedente. Por mais que haja participação da sociedade e do mercado, ainda cabe majoritariamente ao setor público estabelecer as premissas contratuais.

Essa característica acaba por trazer, após a assinatura do contrato, alguns pontos que possam gerar discussões entre o contratante e a concessionária – mesmo nos casos em que o projeto seja muito bem estruturado; é que a estratégia privada pode, eventualmente, se valer de um olhar bastante distinto daquele impresso pelo setor público na modelagem. Isso é normal. Faz parte da dinâmica.

Usando novamente termos econômicos, a unilateralidade da estruturação pode gerar algumas assimetrias de informação, ou utilização de premissas que são pertinentes a uma lógica que é própria do poder concedente; o mercado agrega novas racionalidades para enfrentamento dos desafios do projeto.

A projeção das necessidades de investimentos em despesas de capital (Capex) é um desses pontos que podem ser aprimorados em algumas situações, por meio de um conhecimento aprofundado do ativo de infraestrutura que muitas vezes só será adquirido depois do início da relação contratual.

Reconhecendo essa potencial situação, os contratos da quinta rodada de concessões rodoviárias de Mato Grosso passaram a prever uma regra de melhor alinhamento de expectativas e interesses logo no início do contrato.

Funciona assim: com o início do contrato, a concessionária tem o prazo de 4 meses para realizar estudos e propor a readequação do plano de investimentos, o que pode resultar em uma revisão do Capex previsto. Naturalmente, a proposta deve estar acompanhada de justificativas técnicas e financeiras robustas para a avaliação do poder concedente, com apoio da figura do verificador independente.

O contrato prevê basicamente duas hipóteses que podem justificar o ajuste das bases de Capex:

  1. necessidade de detalhamento de orçamentos e análise de impactos econômico-financeiros que justifiquem os ajustes para manter o equilíbrio contratual; ou
  2. demonstração de que as premissas técnicas da modelagem previsão ser revistas ou de que a infraestrutura existente necessita de adaptações para garantir a conformidade dos indicadores de performance estabelecidos.

Após a análise do verificador independente e avaliação do poder concedente, as propostas aprovadas serão objeto de termo aditivo e serão implementadas pela concessionária conforme cronograma a ser acordado.

Para as propostas aprovadas, também é assegurada a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Quando necessário, poderão ser acionados os recursos das contas vinculadas para fazer frente à necessidade de recomposição, garantindo-se, assim, maior modicidade tarifária.

Após a aprovação dos ajustes às bases de Capex, a concessionária terá o prazo de 1 ano para apresentar os projetos executivos referentes aos novos investimentos, de acordo com as normas técnicas vigentes.

Para complementar, o contrato também admite que a concessionária contrate, no mesmo prazo, ensaios de Falling Weight Deflectometer (FWD) e Internation Roughness Index (IRI) para determinar o estado em que se encontra a rodovia no seu recebimento. Com isso, será possível a verificação de eventuais divergências entre os documentos do projeto e o estado real do ativo, de modo a garantir uma maior transparência.

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A inovação dos contratos de Mato Grosso permite uma maior flexibilidade contratual, mas não traz insegurança justamente porque o procedimento é transparente e deve ser tecnicamente fundamentado. Estabeleceu-se um procedimento com regras claras e uma restrição temporal para que sejam discutidas as bases essenciais do projeto de forma consensual.

Promove-se, assim, a consensualidade, a eficiência e a redução dos custos de transação. O contrato já é iniciado em um ponto de partida baseado no diálogo e na fundamentação técnica. Mais do que um contrato vivo, torna-se possível criar um contrato saudável e duradouro.


[1] https://www.jota.info/artigos/o-futuro-dos-contratos-de-concessao-entre-a-flexibilidade-e-seguranca-juridica 

[2] https://www.jota.info/artigos/uma-clausula-geral-de-mutabilidade-das-concessoes 

[3] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/evasao-de-pedagio-mato-grosso-adota-modelo-inovador-para-dar-seguranca-ao-free-flow 

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