STF: trava dos 30%, uma latente inconstitucionalidade

Há algum tempo o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu pela constitucionalidade da trava de 30% para compensação de prejuízos fiscais, por considerar que a compensação de prejuízo fiscal representaria benefício fiscal (RE 591.340 – Tema 117).

Naquela oportunidade, entretanto, como bem apontado pelos ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luiz Fux, não se analisou uma situação específica sobre o tema: a legitimidade da trava de 30% na situação específica em que ocorre a extinção da pessoa jurídica.

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Esse tema é de grande relevância pois a mera constitucionalidade da trava de 30% declarada no Tema 117 não resolve a controvérsia relativa à extinção da pessoa jurídica (incorporação, fusão, cisão etc.).

A trava de 30%, como limitador ao aproveitamento de benefício fiscal, existe há alguns anos e durante esse período sofreu algumas alterações.

Até 1995, o art. 12 da Lei 8.541/92 previa que a trava para a compensação de prejuízos fiscais era “temporal” pois as empresas podiam compensar esses prejuízos em qualquer proporção, desde que respeitado o prazo de quatro anos.

Contudo, a administração tributária identificou que essa metodologia implicava redução da arrecadação tributária. Assim, a partir de 1995, os arts. 42 e 58, da Lei 8.981/95, a trava para compensação de prejuízos fiscais passou a ser “quantitativa”, limitando-se esse direito ao percentual de 30% do lucro do período.

Com isso, buscou-se assegurar um mínimo de arrecadação sem, contudo, prejudicar o direito dos contribuintes de compensar seus prejuízos de anos anteriores com lucros de anos posteriores. O intuito do legislador parece ser claro, buscando alcançar a hipótese ordinária de continuidade da pessoa jurídica, pois, assim, ela poderá compensar os prejuízos experimentados em períodos passados por meio dos seus lucros de períodos futuros.

A regra, por outro lado, por força do que a doutrina denomina de “silêncio eloquente” da norma, é inaplicável à situação específica da extinção das pessoas jurídicas, pois nessa situação a empresa estará impedida de compensar seu prejuízo fiscal com lucros futuros e, consequentemente, a sua aplicação ofenderá o intuito do legislador.

Nessas situações (extinção), a pessoa jurídica apenas poderá deduzir seus prejuízos fiscais em um único momento: na declaração de encerramento.

Do contrário, o prejuízo fiscal “desaparecerá”. Sim, pois, no caso de extinção da pessoa jurídica por incorporação, por exemplo, a pessoa jurídica incorporadora está legalmente impedida de aproveitar os prejuízos fiscais da empresa incorporada (art. 33, do Decreto-Lei 2.341/87).

A despeito disso, a União busca aplicar a trava de 30% inclusive às pessoas jurídicas extintas.

No entanto, esse entendimento viola princípios e preceitos constitucionais fundamentais dos contribuintes, como a capacidade contributiva e vedação ao confisco, pois exige-se que o contribuinte suporte carga tributária sem que possua real capacidade econômica, avançando-se sobre o seu patrimônio e não sobre sua renda ou lucro.

Também se ofende a isonomia, pois a União busca aplicar a mesma regra a pessoas jurídicas que se encontram em situações jurídicas distintas (pessoas jurídicas em continuidade e pessoas jurídicas extintas).

Por fim, também se ofendem os próprios conceitos constitucionais de renda e lucro, os quais pressupõe a existência de riqueza nova adicionada a um capital preexistente.

Assim, a renda ou lucro obtidos em determinado ano que não sejam suficientes para abater as perdas acumuladas em exercícios anteriores, não são signos de riqueza capazes de serem tributados pelo IRPJ e pela CSLL.

É o que confirma o art. 189 da Lei 6.404/76, segundo o qual considera-se lucro o resultado que remanescer da dedução dos prejuízos acumulados e da provisão para o imposto de renda.

Logo, não há lucro sem a dedução integral dos prejuízos acumulados.

Durante anos a jurisprudência do Carf foi pacífica em reconhecer a inaplicabilidade da trava de 30% à situação de encerramento das pessoas jurídicas, contudo esse cenário se alterou de forma abrupta em 2009.

Atualmente, o tema é objeto de inúmeras demandas em todo o território nacional e voltou a ficar em voga em função da inclusão dos Recursos Extraordinários 1.425.640 (Caso Mais Frango) e 1.492.100 (Caso Ork) na pauta virtual do STF que ocorrerá do dia 14/2/2025 ao dia 21/2/2025, nos quais já foram proferidos votos favoráveis aos contribuintes pelo ministro André Mendonça.

A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), inclusive, postulou a sua admissão na qualidade de amicus curiae, fornecendo dados concretos sobre processos em curso e contribuindo com fundamentos de mérito sobre o tema.

O assunto, como se nota, é de grande relevância, especialmente considerando que pode alcançar, como de fato alcança, inúmeras empresas em território nacional. A maior prova disso é que, atualmente, há cerca de 89 casos em curso nos tribunais de todo o país com a mesma controvérsia.

Portanto, a decisão que será proferida nos Recursos Extraordinários 1.425.640 (Caso Mais Frango) e 1.492.100 (Caso Ork) terão influência e serão consideradas para a solução de inúmeros casos na mesma condição.

Além do entendimento favorável do ministro André Mendonça, o tema também já conta com votos favoráveis aos contribuintes de lavra do ministro Fachin proferidos nos REs 1.357.308/RJ; 1.303.153; e 1.344.101.

Assim, espera-se que os demais ministros acompanhem o entendimento de Mendonça e Fachin diante da latente inconstitucionalidade da aplicação da trava de 30% às empresas extintas.

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