B-Ready: o que você precisa saber sobre o novo ‘doing business’ do Banco Mundial

Iniciamos hoje no JOTA uma série de artigos sobre o novo índice lançado pelo Banco Mundial, o Business-Ready ou B-Ready. Em que pese já haver introduzido o assunto, aqui, há algumas semanas, esta série se dedicará ao aprofundamento das discussões envolvendo cada um dos dez tópicos aferidos por este novo indicador, contextualizando-os de acordo com os desafios que se apresentam no contexto brasileiro.

Antes que iniciemos este exercício, contudo, é necessário dar um passo atrás para refletir sobre a importância de rankings internacionais no contexto da captação de investimentos estrangeiros.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

Para tanto, é relevante revisar o histórico do Easy of Doing Business (EDB), indicador que precedeu o B-Ready, tendo sido publicado durante 19 anos consecutivos – período em que, de acordo com a literatura especializada[1], gestores públicos foram incentivados a implementar reformas para melhorar processos e reduzir os custos burocráticos relacionados à abertura de novos negócios em seus respectivos países.

Em função do tempo em que esteve em vigor, os efeitos do EDB foram não apenas vastamente analisados pela literatura, como efetivamente percebidos pela comunidade internacional, a partir de uma verdadeira competição entre países, que passaram a celebrar o fato de serem ranqueados como top reformers, isto é, aqueles que foram capazes de atingir o maior número de reformas institucionais motivadas pelos diagnósticos do ranking, como Ruanda, Cazaquistão, Indonésia, Emirados Árabes, Índia, Ucrânia, Azerbaijão, Rússia, entre outros.

Dentre as iniciativas que ilustram a centralidade do ranking na adoção destas reformas, destaca-se, por exemplo, a primeira estratégia de redução da pobreza e promoção do desenvolvimento econômico nacional de Ruanda, implementada entre os anos de 2008 e 2012. Ela foi acompanhada por um segundo ciclo estratégico, entre 2013 e 2018, cuja motivação remete ao EDB, citando o indicador econômico como uma das principais vitórias do primeiro plano estratégico adotado por aquele governo.

Outro exemplo caricato de influência direta do ranking no processo decisório governamental foi o caso da Rússia, em 2012, quando o presidente Vladimir Putin aprovou os Decretos de Maio (isto é, os Decretos Presidenciais 596), através dos quais ordenou que o governo tomasse as providências necessárias para aumentar a posição do país no ranking.

Um terceiro exemplo é o caso da Indonésia, onde o EDB teve grande influência no plano de desenvolvimento nacional concebido pelo presidente Joko Widodo em 2017. Na ocasião, o mandatário manifestou explicitamente a sua intenção de que o país passasse a assumir a 40ª posição no ranking, instruindo que seus ministérios adotassem planos detalhados incluindo as medidas que seriam tomadas para atingir tal objetivo.

Ao publicar o ranking do EDB no ano de 2005, o relatório do Banco Mundial explicou o efeito de seu produto, justificando que a principal vantagem de apresentar um único ranking é de que ele seria de fácil compreensão para políticos, jornalistas e especialistas em desenvolvimento, criando pressão para a implementação de reformas similarmente ao que aconteceria nos esportes, um contexto em que, quando os times conseguem manter a sua pontuação, a vontade de vencer acaba contaminando todos os seus integrantes[2].

Na tentativa de explicar o tipo de pressão social indireta gerada pela publicação do antigo ranking, Doshi et Al (2019) observam que o EDB decisivamente influenciou o comportamento regulatório de muitos países, com especial atenção para economias emergentes.

Segundo explicam os autores, ao resumir as informações sobre o ambiente de negócios nacional lançando mão de um instrumento comparativo, a lógica utilizada pelo Banco Mundial seria de que a mudança no ambiente informacional disponível aos grupos político-econômicos faria com que não apenas ministros e governantes tivessem ciência sobre o posicionamento de seus países, mas também soubessem que aquela mesma informação seria retransmitida à população e aos investidores.

Ou seja, a pressão social funcionaria como um instrumento regulatório, na medida em que governantes usualmente se importarão com dois grupos em particular: o grupo dos investidores estrangeiros (que consomem as informações resumidas através do índice) e os grupos de pressão doméstica, incluindo eleitores e empresários nacionais[3].

Essa pressão intencional exercida pelo banco atribuiu grande importância à metodologia por trás do indicador, fazendo com que, na medida em que as edições do EDB evoluíam, novas críticas sobre seu esteio metodológico fossem surgindo, embasadas na preocupação de que governantes estivessem vislumbrando uma boa posição no ranking apenas como um fim em si mesmo, independentemente de como isto impactaria o seu desenvolvimento nacional – ou sea, fomentando a conhecida “política pública pra inglês ver”.

Com a descontinuidade do EDB e o lançamento do B-Ready, várias preocupações metodológicas adicionais vieram à tona, originando diferenças conceituais e operacionais entre os dois indicadores, como aquelas ilustradas no artigo anterior.

Estas diferenças são materializadas na escolha dos dez tópicos que compõem o novo índice e que remontam uma mudança substancial na compreensão de que, tão importante como iniciar a operação empresarial em determinado país é mantê-la sustentável durante os diferentes ciclos econômicos e ter a capacidade de recuperá-la ou encerrá-la sob um regime de insolvência eficiente.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Assim, para além de temas já utilizados no EDB, como, por exemplo, business entry e business location (o que seria equivalente aos tópicos starting a business, dealing with construction permits e registering property), o B-Ready também inclui temas mais abrangentes, como o regime trabalhista e concorrencial disponível nos ordenamentos jurídicos analisados[4].

Ao longo desta série, cada um dos dez tópicos analisados pelo B-Ready serão destrinchados sob o ponto de vista da metodologia por trás dos questionários distribuídos entre entes governamentais e especialistas, de modo a capturar que tipo de melhorias servirão para avançar a posição de uma economia no ranking.

Para além desta revisão metodológica, cada artigo explorará ainda as principais discussões hoje travadas no contexto nacional e que podem vir a desafiar um bom posicionamento do país, de modo que possamos refletir sobre as alternativas para enfrentar tais desafios – afinal, o propósito não deve ser simplesmente fazer que o Brasil “passe por média”, mas sim que possamos nos utilizar deste importante mecanismo de pressão social para avançar políticas públicas capazes de fomentar um desenvolvimento econômico sustentável e duradouro para o nosso país.


[1] KLAPPER, Leora; LOVE, Inessa. The impact of business environment reforms on new firm registration. Working Paper nº 5493, 2010. World Bank Research. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1721331. Acesso em 12/02.2025.

[2] DJANKOV, Simeon; MANRAI, Darshini; MCLIESH, Caralee; RAMALHO, Rita. Doing Business Indicators: Doing Business Project – Why Aggregate and How to Do it: Board Presentation. 2005.

Disponível em: https://documents.worldbank.org/en/publication/documents-reports/documentdetail/099624305222342587/idu02047fdd502bcc0462b0952c0cf07e1c1429e. Acesso em 12/02/2025.

[3] DOSHI, Rush; KELLEY, Judith G.; SIMMONS, Beth A. The Power of Ranking: The Easy of Doing Business Indicator and Global Regulatory Behavior. International Organization Journal, v. 73, Issue 3, 2019, p. 620. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/international-organization/article/abs/power-of-ranking-the-ease-of-doing-business-indicator-and-global-regulatory-behavior/1A1A9602B52185FA0A28F3DFDE2DCF5A. Acesso em 10/02/2025.

[4] Os dez tópicos aferidos no EDB eram (i) starting a business; (ii) dealing with construction permits; (iii) getting electricity; (iv) registering property; (v) getting credit; (vi) protecting investors; (vii) paying taxes; (viii) trading across borders; (ix) enforcing contracts; e (x) resolving insolvency.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.