A nova arena política são as redes

Estamos vivendo um tempo de transformação, em que a política ultrapassou o plano dos debates nos púlpitos das Casas Legislativas, das reuniões partidárias, das entrevistas jornalísticas ou dos artigos, para a arena das redes sociais. Os discursos e manifestações são direcionados ao engajamento e não ao resultado de uma política pública mais favorável.

A discussão da reforma tributária com memes ou a recente celeuma em torno da extensão do controle das operações das fintechs, sob acusações de taxação do Pix, são exemplos dessa nova realidade do engajamento a todo custo, a despeito de uma discussão real sobre políticas públicas relevantes.

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Yuval Noah Harari, no seu mais recente livro, chama-nos a atenção para o óbvio: por mais que informações nem sempre representem a realidade, elas conectam as pessoas[1]. Somos seres fabuladores e que nos conectamos por histórias, o que fica mais evidente na política.

A ideia de “um homem, um voto”, como corolário da democracia, atravessou uma longa jornada para sua consolidação mundo afora. Nela está encerrada a necessidade de que os representantes eleitos pelo povo busquem conquistar corações e mentes de cada eleitor, num processo de convencimento que testa os atributos dos candidatos desde o processo eleitoral até o exercício do mandato.

A cada eleição, porém, a forma como os candidatos chegam aos eleitores muda, não se podendo descurar que, mesmo nas menores cidades, é impossível que alguém seja eleito sem se valer dos meios de comunicação, cujas novas mídias sociais exercem papel central.

Pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado, nominada Redes Sociais, Notícias Falsas e Privacidade na Internet[2], concluiu que 45% dos entrevistados decidiram seu voto levando em consideração informações de alguma rede social. Das 2.400 pessoas entrevistadas, 79% disseram sempre utilizar o WhatsApp para se informar, enquanto 50% indicaram que sempre recorrem à televisão e 49% sempre se informam pelo YouTube. Ainda segundo a pesquisa, as redes sociais que tiveram maior impacto nas eleições foram o Facebook (31%), o WhatsApp (29%), o YouTube (26%), o Instagram (19%) e o Twitter (10%).

O engajamento gerado por manchetes sensacionalistas e conteúdo inverídico é descrito por Ryan Holiday no seu livro Confissões de um manipulador das mídias, no qual relata algumas manipulações já realizadas pelos meios de comunicação, objetivando maior engajamento e lucratividade[3].

Dentro desse contexto se insere o influenciador digital, pessoa que, por meio de um ou mais perfis em uma ou mais redes sociais, é capaz de influenciar massivamente o pensamento de milhares ou milhões de pessoas, induzindo comportamentos, escolhas e opiniões sociais, econômicas e políticas.

O influenciador ou a influenciadora digital, assim, é um formador ou uma formadora de opiniões em larga escala. Emily Dean Hund sugere que exista uma indústria da influência, algo parecida com a chamada economia da atenção[4]. Pode-se classificar os influenciadores digitais a partir de seis categorias, conforme a tabela abaixo[5]:

Celebridade

Mais de 5 milhões de seguidores no Instagram

Megainfluenciador

Entre um1 milhão e 5 milhões de seguidores no Instagram

Macroinfluenciador

500 mil a 1 milhão de seguidores no Instagram

Influenciador intermediário

100 mil a 500 mil seguidores no Instagram

Microinfluenciador

10 mil a 100 mil seguidores no Instagram

Não influenciador

Até 10 mil seguidores no Instagram

Fato é que, como aponta Jacques A. Wainberg, os influenciadores digitais são atualmente a segunda fonte mais popular de aconselhamento, perdendo apenas para recomendações dos amigos e da família[6].

Inclusive, há diversos estudos dizendo que mais de 20% do Congresso Nacional é formado por influenciadores digitais[7], além de rankings medindo a influência dos parlamentares nas redes sociais[8][9]. Considerando essa realidade, e dado o radar de oportunidades, presenciamos uma corrida de influenciadores para se lançarem candidatos, cujo exemplo recentemente do cantor e influenciador Gusttavo Lima se declarando candidato a presidente é o mais elucidativo.

Esse cenário acaba por se tornar desafiador, uma vez que nossa legislação não dá conta de regular todas as relações sociais existentes, pois a sociedade é dinâmica e as leis são estáticas. Logo, o direito positivado precisa estar conectado ao avanço da digitalização sobre o processo eleitoral e político, expressão do fenômeno da digitalização do mundo, valendo-se da expressão do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han[10].

Temos assim dois desafios, o primeiro diz respeito à necessidade de dar tratamento equânime entre os meios de comunicação tradicionais e as mídias digitais. Isso porque as restrições eleitorais impostas aos meios de comunicação tradicionais não se estendem, na letra da lei, às mídias digitais, precisando desse ajuste para haver um tratamento isonômico, sem impactar a igualdade de oportunidades, conforme bem fundamentamos no artigo “Contradições eleitorais do ‘novo mundo digital’”[11].

Por exemplo, na eleição municipal de São Paulo, houve entre os candidatos um que apresentava um programa de TV, José Luiz Datena, e outro que se apresentou como influenciador digital, Pablo Marçal, sendo que somente o candidato apresentador de TV teve que se afastar das suas atividades. Não há qualquer regra em relação aos influenciadores digitais, os quais continuam, inclusive, lucrando com suas redes durante o período eleitoral.

O segundo desafio diz respeito à regulação das redes, precipuamente diante do novo cenário, em que houve um afrouxamento nas políticas de combate à desinformação[12], concomitantemente ao alinhamento das big techs ao novo presidente dos EUA, Donald Trump[13].

Quem garante, por exemplo, que não tenha havido um ajuste dos algoritmos para alavancar certo conteúdo em detrimento de outro? Enquanto não houver uma discussão e comprovação da neutralidade dos algoritmos poderemos estar sujeitos até a um ataque estrangeiro à nossa soberania.

Inclusive, a esse respeito, a Suprema Corte americana respaldou decisão do Congresso dos EUA de exclusão do aplicativo TikTok, até que a venda do seu controle acionário fosse feita, por ser propriedade de um chinês, ao fundamento de violação à soberania nacional[14].

Logo, relevante destacar o papel da Advocacia-Geral da União, sob o comando do ministro Jorge Messias, ao convocar uma audiência pública para debater sobre o enfrentamento à desinformação, a promoção e a proteção de direitos fundamentais nas plataformas digitais, tendo como resultado o encaminhamento de subsídios ao Supremo Tribunal Federal (STF), que tem julgamentos em curso sobre o tema, e também para o Congresso, onde tramitam projetos sobre a regulação do setor[15].

Infelizmente a sociedade hiperconectada potencializou a polarização política, o desrespeito ao próximo e a disseminação da desinformação, resultando na constituição de um ecossistema que se alimenta de fontes que confirmam crenças irracionais e ameaçam o respeito aos valores constitucionais e à soberania popular. Para a própria manutenção da democracia, é preciso enfrentar esses desafios.


[1] HARARI, Yuval Noah. Nexus: uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial. São Paulo: Companhia das Letras, 2024, p. 43.

[2] DATASENADO. Redes Sociais, Notícias Falsas e Privacidade de Dados na Internet. Pesquisa DataSenado, Novembro/2019. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/ouvidoria/publicacoes-ouvidoria/redes-sociais-noticias-falsas-e-privacidade-de-dados-na-internet> Acesso em: 10.10.2022.

[3] HOLIDAY, Ryan. Acredite, Estou mentindo. Confissões de um manipulador das mídias. Tradução: Antonio Carlos Vilela. Companhia Editora Nacional. São Paulo: 2012, p. 39.

[4] HUND, Emily Dean. The Influencer Industry: Constructing and Commod ifying Authenticity On Social Media. Dissertação. University of Pen nsylvania. 2019.

[5] Disponível em: https://influencermarketinghub.com/what-is-an-influencer/. Acesso em: 15/12/2024.

[6] WAINBERG, Jacques A.. Influenciadores sociais: o feitiço, a fama e a fé. Brasília: Edições do Senado Federal, 2021, p. 29.

[7] VOLPATTI, Leonardo. LIMA, Fabio Monteiro Lima. O Congresso Nacional dos digital influencers. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/temas/ciencia-e-tecnologia/o-congresso-nacional-dos-digital-influencers/>. Acesso em: 15/12/2024

[8] Instituto FSB Pesquisa. FSB lança nova edição do FSB Influência Congresso. Disponível em: < https://www.fsb.com.br/wp-content/uploads/2019/02/Release_FSBinfluenciaCongresso_Nacional.pdf/>. Acesso em: 15/12/2024

[9] Folha de São Paulo. Entenda o que é o IPD, índice para medir a popularidade digital dos candidatos. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/entenda-o-que-e-o-ipd-indice-para-medir-a-popularidade-digital-dos-pre-candidatos.shtml>. Acesso em: 15/01/2025

[10] HAN, Byung-Chul. Digitalização e crise da democracia. Petrópolis: 2021, p. 25.

[11] NUNES, Allan Titonelli. GIOTTI. Daniel. Contradições eleitorais do “novo Mundo digital”. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2025-jan-06/contradicoes-eleitorais-do-novo-mundo-digital/>. Acesso em: 15/01/2025.

[12] SANTOS, Nina. A nova face das Big Techs: elas saíram das coxias e subiram no palco político global. Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: < https://diplomatique.org.br/a-nova-face-das-big-techs-elas-sairam-das-coxias-e-subiram-no-palco-politico-global/>. Acesso em: 30/01/2025.

[13] PRAZERES, Leandro. Como aliança entre Trump e big techs aumenta pressão sobre governo Lula e STF. Da BBC News Brasil em Brasília. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx2k80ekl3ko>. Acesso em: 30/01/2025.

[14] DUFFY, Clare. FUNG, Brian. O que acontece após a Suprema Corte dos EUA permitir a proibição do TikTok. CNN Brasil. Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-acontece-apos-a-suprema-corte-dos-eua-permitir-a-proibicao-do-tiktok/>. Acesso em: 30/01/2025.

[15] BRASIL. Advocacia-Geral da União. Resultado de audiência pública sobre plataformas digitais será enviado ao STF e ao Congresso. Disponível em: < https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/resultado-de-audiencia-publica-sobre-plataformas-digitais-sera-enviado-ao-stf-e-ao-congresso>. Acesso em: 30/01/2025.

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