O desafio de regulamentar o ensino religioso confessional frente à diversidade religiosa

O STF deu início ao julgamento virtual da ADI 3268/RJ, sob relatoria do ministro Nunes Marques, que questiona a constitucionalidade de uma lei estadual que regula o ensino religioso confessional na rede pública (Lei 3459/00, do RJ). 

O tema já foi objeto de análise pelo tribunal na ADI 4.439/DF, julgada em 2017. A ação pedia que o ensino religioso previsto no artigo 210, §1º da CF/88 não pudesse ser ministrado por representantes das confissões religiosas, pois a única forma de compatibilizar a obrigatoriedade do ensino religioso com o caráter laico do Estado brasileiro seria através da adoção de modelo não confessional, limitado à apresentação geral de doutrinas religiosas.

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Mas, por maioria de votos (6 a 5), o STF julgou a ação improcedente, manifestando o entendimento de que o ensino religioso confessional, desde que tenha caráter facultativo e que seja assegurada a igualdade de condições às diversas crenças, é compatível com a laicidade do Estado (artigo 19, inciso I, da CF/88).

Em síntese, o STF permitiu o ensino em escolas públicas de dogmas ligados à uma determinada confissão religiosa, fazendo a ressalva de que todas as religiões devem ter igualdade de condições e oportunidades para ocuparem esse espaço nas escolas.

A lei questionada na ADI 3268/RJ, por sua vez, traz uma questão nova: a exigência de que o professor ou professora responsável pelo ensino religioso seja credenciado por uma “autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor, formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida” (artigo 2º, inciso II).

Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro já foram propostos ao menos três projetos de lei que previam a exclusão dessa exigência (PL 1840/2000, PL 3521/2017 e o PL 2678/2023), e nenhum foi aprovado, o que sugere a convicção da maioria do legislativo em mantê-la. Também a PGR e a AGU apresentaram parecer favorável à constitucionalidade da lei estadual. 

Essa exigência traz à tona um fato não considerado pelo STF, o de que existem diversas religiões sem uma organização hierárquica interna capaz de oferecer formação aos professores; religiões não institucionalizadas, baseadas em costumes, ou mesmo igrejas independentes cujos dogmas não podem ser atrelados a nenhum sistema de crenças tradicionalmente reconhecido. Isso torna inviável o objetivo de garantir igualdade de condições a todas as crenças.

Basta olhar para o número de templos religiosos no Brasil, que teve um crescimento exponencial nas últimas décadas. De acordo com o Censo de 2022 do IBGE, o Brasil tem cerca de 579.798 estabelecimentos religiosos, sem contar as igrejas e terreiros sem registro legal.  A categoria que mais cresce é a de “igrejas evangélicas de classificação não determinada”, segundo levantamento realizado pelo CEM, centro de estudos vinculado à Universidade de São Paulo. 

Também é preciso considerar o próprio conceito de religião. As definições clássicas de religião estão em crise dentro do campo de conhecimento das ciências da religião, que tem se dedicado a entender as práticas religiosas que acontecem fora do radar de autoridades e instituições sagradas, e que decorrem de um raciocínio religioso individual.

A abordagem é conhecida como “religião vivida”, e explica não só o aumento no número de novas igrejas, mas também o fenômeno crescente de pessoas que se consideram religiosas, mas que não têm filiação com nenhuma instituição religiosa específica. 

Nesse cenário, a exigência de que professores e professoras do ensino público sejam credenciados por uma autoridade religiosa competente parte de uma visão tradicional de religião e privilegia religiões institucionalmente organizadas. Em um país laico, a legitimidade das decisões do Estado depende do quanto elas são justificáveis a partir de razões públicas neutras, que não se apoiem na religião e nem demonstrem preferência por um modo de vida, em detrimento de outros. 

Muito embora o STF tenha reconhecido a constitucionalidade do ensino religioso confessional, o panorama atual da diversidade religiosa no Brasil é um desafio para que esse ensino seja regulado de forma a garantir a igualdade de concorrência entre as diversas crenças, e a ADI 3268/RJ parece expor esse problema. 

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