PIS e Cofins nas operações com sucatas: uma história sem fim

Poucos anos após o início da sistemática da não-cumulatividade, foi publicada a Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005, que concedeu tratamento diferenciado à tributação do PIS e Cofins nas operações comerciais com desperdícios e resíduos (“sucatas”).

Àquela época foi vedada a apropriação de créditos de PIS e da Cofins nas aquisições de sucatas (artigo 47), todavia, a sua comercialização passou a ser desonerada destes tributos na condição de que (i) o vendedor não fosse pessoa jurídica optante pelo Simples Nacional; e, (ii) a sucata fosse destinada para empresas optantes pela apuração do imposto sobre a renda com base no Lucro Real.

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Como é sabido, o ecossistema desse setor é bastante informal e abarca diversos agentes hipossuficientes (ex: coletores pessoas físicas), os quais têm cada vez mais se organizado em associações e cooperativas como forma de regulamentar e sustentar, de forma inclusiva e legal, seus direitos. Trata-se de um importante setor econômico que promove a economia circular e contribui com a preservação ambiental e saúde pública. Por esta razão, tem sido também estimulado e desenvolvido por empresas privadas e supervisionadas por órgãos públicos.

Desde então, há mais de 15 anos, a restrição na apropriação dos créditos nas aquisições de sucatas tem sido objeto de discussões judiciais quanto a sua inconstitucionalidade.

Finalmente, no ano de 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário 607.109, o qual foi eleito como processo-paradigma com repercussão geral reconhecida (cujo resultado será aplicado a todos os demais processos semelhantes). A empresa recorrente defendeu que o artigo 47 causaria distorções nas operações de compra e venda dos reciclados para as indústrias dos recicláveis.

Embora o pedido inicial estivesse direcionado exclusivamente para o artigo 47, o qual vedava a possibilidade de apropriação de crédito na aquisição de sucatas, os Ministros do STF também analisaram a constitucionalidade do artigo 48, que versou sobre a suspensão da incidência das contribuições nas operações de venda.

A decisão foi no sentido da inconstitucionalidade dos dois artigos, todavia, havendo importantes divergências nos votos apresentados.

A então relatora Rosa Weber votou pela constitucionalidade dos dois artigos, exceto quanto à vedação da suspensão para optantes pelo Simples Nacional. O ministro Alexandre de Moraes também decidiu pela constitucionalidade dos artigos 47 e 48, seguindo a decisão do acórdão do TRF-4 que deu origem ao Recurso Extraordinário.

Em sequência, o ministro Dias Toffoli votou pela inconstitucionalidade do artigo 47 (vedação ao crédito), mas pela constitucionalidade do artigo 48 (suspensão da tributação), sob a alegação de que este dispositivo “consiste em verdadeira isenção tributária”, vinculando sua decisão ao inciso II do § 2º do art. 3º das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.

O voto vencedor foi o do ministro Gilmar Mendes, que entendeu pela inconstitucionalidade dos artigos 47 e 48, alegando que ambos “são blocos unilaterais incindíveis” e, desta forma, um não poderia estar em vigência sem o outro. Sendo assim, seu voto autorizou a apropriação de créditos de PIS e Cofins na aquisição desses insumos e, ainda, resultaria na tributação da comercialização das sucatas.

A decisão desagradou os Recorrentes, uma vez que, com a inconstitucionalidade do artigo 48, as empresas preparadoras/processadoras ficariam obrigados a pagar PIS e Cofins na venda de sucatas, o que acarretaria um desestímulo nas vendas do setor de reciclagem e estímulo às vendas extrativistas.

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Ainda, é válido dizer que a decisão vencedora do Ministro teria extrapolado o pedido das partes, já que o processo teve origem para questionamento da constitucionalidade apenas do artigo 47, o qual proibia a apropriação de créditos na aquisição de sucatas. Portanto, os recorrentes e diversas associações atuando como amicus curiae apresentaram Embargos de Declaração em face do voto do Ministro Gilmar Mendes, sob alegação de (i) contradição do judiciário por tornar o artigo 48 inconstitucional bem como de (ii) omissão na decisão em relação à modulação dos efeitos do tema.

Em fevereiro de 2024 o ministro André Mendonça pediu vistas dos Embargos de Declaração e desde então o processo está parado aguardando pauta para julgamento do STF.

Como se pode perceber, esse assunto ainda reserva muita discussão, especialmente porque os votos dos Ministros, manifestados no Recursos Extraordinários, foram bastante distintos e estão longe de convergir para um entendimento comum e uniformizador.

O voto do ministro Dias Toffoli é o que mais se coaduna com a sustentação dos contribuintes pois, com a declaração da inconstitucionalidade do artigo 47 e a manutenção do artigo 48, os contribuintes poderiam se creditar de PIS e Cofins nas aquisições de sucata e não tributariam a saída desses produtos, pois a operação permaneceria suspensa. Entretanto, essa sistemática proposta parece desalinhada com contexto da não cumulatividade, uma vez que o contribuinte estaria se creditando de um produto de operação desonerada. Isso se aproximaria à caracterização de um crédito presumido, que só poderia ser instituído através de legislação específica.

É por isso que atualmente o contribuinte se vê num contexto de grande insegurança jurídica em meio a todo esse emaranhado de entendimentos jurisprudenciais da Corte Suprema, bem como na demora para definição dos julgamentos e na indefinição quanto à modulação de efeitos do Acordão publicado antes dos Embargos apresentados.

Há grande dilema a ser enfrentado por aquelas empresas que não judicializaram esse assunto. Devem manter o disposto na lei atual, mesmo já existindo uma decisão do STF, com repercussão geral, de que a lei é inconstitucional? Esta decisão ainda poderia ser alterada parcialmente nos julgamentos dos Embargos apresentados? A partir de qual data prevaleceria a decisão final?

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Qualquer posicionamento que vier a se adotar pode implicar numa contingência tributária, ainda que cumpra fielmente a lei atualmente vigente, isso porque não há definição quanto à modulação dos efeitos da decisão podendo retroagir ou não aos fatos geradores que já teriam sido praticados pelos contribuintes.

Toda discussão antes exposta tem data para terminar, uma vez que a Reforma Tributária, que instituirá o imposto e a contribuição sobre bens e serviços, trouxe novo regramento para as operações com sucatas com a introdução da possibilidade de crédito presumido em determinadas hipóteses quando adquirido de coletores incentivados. Embora um dos pilares da Reforma Tributária seja a proteção ao meio ambiente e o incentivo às atividades sustentáveis, alguns pontos de aprimoramento também já têm sido debatidos quanto ao regramento futuro.

Também por isso, essa história ora contada parece não ter fim. A decisão final do STF pode ocorrer já num período de vigência de novo regramento tributário e, exercitando o trocadilho, novas discussões podem surgir e sejam “reciclados” os velhos problemas de apuração do PIS e da Cofins que têm ocasionado tanta insegurança jurídica para o contribuinte.

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