STJ deve pacificar incidência de IRPJ e CSLL sobre compensação fiscal

O momento de incidência de IRPJ e CSLL sobre compensação de tributos é uma das questões que mais geram controvérsia entre os contribuintes e a Receita Federal. Não por acaso, o ministro Rogerio Schietti Cruz, presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, propôs o julgamento do tema sob rito dos recursos repetitivos, o que exige especial atenção uma vez que o a decisão final do STJ nesses casos será, obrigatoriamente, aplicada por todos os juízes e tribunais do país.

Para entender o imbróglio, é preciso lembrar que muitas empresas no Brasil recolhem o IRPJ e a CSLL sob o regime do Lucro Real, o que permite a redução da base de cálculo tributável através de despesas dedutíveis que sejam necessárias à atividade empresarial (art. 47 da Lei 4.507/1964 e art. 311 do Decreto 9.580/2018).

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Dentre essas deduções, a legislação prevê a possibilidade de deduzir da base de cálculo do IRPJ os impostos e contribuições recolhidos pelas empresas (art. 41 da Lei 4.507/1964 e art. 352 do Decreto 9.580/2018), o que também se aplica à CSLL (art. 57 da Lei 8.981/1995).

Em um exemplo bastante simplificado, se a empresa possui uma base de cálculo de IRPJ/CSLL de R$ 150 mil e apura R$ 50 mil devidos ao fisco a título de PIS/Cofins, poderá deduzir o valor destas contribuições da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, reduzindo-a para R$ 100 mil.

Porém, muitas vezes, o pagamento realizado a título de PIS/Cofins é questionado posteriormente pelos contribuintes, através de Mandado de Segurança. Foi o caso, por exemplo, do debate sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, na qual os contribuintes saíram vitoriosos.

Nessas situações, a sentença do Mandado de Segurança reconhece que cobranças futuras são indevidas e declara o direito à compensação administrativa de valores indevidamente recolhidos pelo contribuinte nos últimos cinco anos — sem, contudo, quantificar o valor do crédito, por não ser cabível dilação probatória em Mandado de Segurança.

Ou seja, o contribuinte passa a deter um direito creditório “ilíquido” perante o fisco e, para aproveitá-lo, deve realizar a prévia habilitação junto à Receita Federal (atualmente regulamentada pela IN RFB 2.055/2021).

Ao analisar o pedido de habilitação, a Receita verifica apenas questões formais, como, por exemplo, se realmente há uma decisão transitada em julgado em que se reconheceu o direito à compensação ou se o contribuinte foi autor da ação judicial (art. 103 da IN RFB 2.055/2021).

Neste momento inicial, não há uma análise da existência ou confirmação do valor do crédito. Por isso, a própria IN 2.055/2021 afirma que “o deferimento do pedido de habilitação do crédito não implica reconhecimento do direito creditório” (art. 104).

Uma vez deferido o pedido de habilitação, o contribuinte pode iniciar a transmissão de declarações de compensação (DCOMP), nas quais utilizará o crédito decorrente da ação judicial, para extinção de débitos que tenha perante o Fisco federal.

A partir da entrega de cada declaração de compensação, o fisco possui o prazo de cinco anos para homologar a compensação (por entender que o valor do crédito está correto e é suficiente para extinguir os débitos) ou glosar a compensação e proceder à cobrança do débito indevidamente compensado, caso entenda que o crédito declarado não está correto ou não existe.

No entanto, como esse crédito decorre de um indébito tributário de PIS/Cofins que havia sido deduzido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no passado, o “principal” dos tributos restituídos deverá sofrer a incidência do IRPJ e da CSLL quando da sua restituição, por se tratar de uma “recomposição” do acréscimo patrimonial da pessoa jurídica, que não foi tributado anteriormente.

Este é o entendimento da Receita Federal, formalizado no art. 1º do Ato Declaratório Interpretativo 25/2003 e avalizado pelo STJ (REsp 1.516.593).

Embora não existam grandes discussões sobre a necessidade de oferecimento do “principal” do crédito à tributação do IRPJ e da CSLL, há controvérsia entre fisco e contribuintes quanto ao momento em que deve haver essa cobrança.

Para o fisco, a totalidade do crédito deve ser oferecida à tributação no momento da entrega da primeira DCOMP. Alternativamente, caso haja a escrituração contábil de tais valores em momento anterior à entrega da primeira declaração, é no momento dessa escrituração que tais valores devem ser tributados (Solução de Consulta COSIT 308/2023).

Em um exemplo hipotético, se o contribuinte habilitou um crédito de R$ 100 mil e utilizou apenas R$ 2 mil na entrega primeira DCOMP, a Receita entende que os R$ 100 mil já devem ser imediatamente tributados.

Os contribuintes, por outro lado, defendem que a tributação deve ocorrer somente com a efetiva homologação de cada compensação, e apenas sobre a parcela do crédito efetivamente utilizado em cada declaração de compensação, pois é neste momento em que se aperfeiçoa a recuperação do indébito mediante compensação. E, assim, se perfectibiliza a disponibilidade jurídica ou econômica sobre os valores, configurando-se a hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL.

De modo geral, a jurisprudência vem acolhendo a tese dos contribuintes, especialmente no âmbito do TRF-3, havendo acórdãos favoráveis da 3ª Turma (Processos 5000708-42.2020.4.03.6111, 5025246-57.2019.4.03.6100 e 5027290-49.2019.4.03.6100), 4ª Turma (Processos 5000448-68.2020.4.03.6109 e 5003061-59.2019.4.03.6121) e 6ª Turma (Processo 5001019-39.2020.4.03.6109), às quais compete julgar matérias de Direito Tributário.

Porém, ao longo de 2024, a 2ª Turma do STJ proferiu dois acórdãos desfavoráveis aos contribuintes (REsp 2.071.754/SC e REsp 2.117.608/SP), entendendo que a tributação é devida no momento do deferimento do pedido de habilitação de créditos. A nosso ver, essa interpretação é contraditória e deverá ser revista, pois é mais gravosa aos contribuintes do que o entendimento da própria Receita Federal na Solução de Consulta COSIT 308/2023.

A proposta de julgamento sob o rito dos repetitivos pelo ministro Schietti se deu no análise dos Recursos Especiais 2.153.492/SP, 2.153.547/SP e 2.153.817/SP. Segundo registro, é preciso “definir o momento em que é verificada a disponibilidade jurídica de renda em repetição de indébito tributário ou em reconhecimento do direito à compensação julgado procedente e já transitado em julgado, para a caracterização do fato gerador do IRPJ e da CSLL, na hipótese em que os créditos são ilíquidos”.

A afetação dos processos ao regime dos recursos repetitivos é questão de tempo. A 1ª Turma do STJ, por sua vez, ainda não se debruçou de forma aprofundada sobre a questão, o que aumenta o suspense sobre qual será o rumo da controvérsia no STJ. A expectativa é acompanhada da necessidade de atenção por parte das empresas, especialmente considerando os impactos financeiros. Resta aguardar a decisão definitiva para que se estabeleça um parâmetro uniforme, equilibrando a posição do fisco e os direitos dos contribuintes.

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