Universidade pública no Brasil: balanço e desafios

Quem nasceu no século passado, sobretudo entre as décadas de 1970 e 1990, sabe bem o peso da universidade pública brasileira para o seu futuro profissional e pessoal. Na verdade, em qualquer lugar do mundo, a universidade ocupa um espaço muito importante no imaginário social. Famílias se endividam nos Estados Unidos para garantir um bom curso para seus filhos.

Na Europa, a disputa por vagas é acirrada e a maior parte do financiamento é custeado pelo Estado, com exceção das universidades inglesas e algumas poucas no continente. A China investe bilhões de dólares para emplacar suas universidades entre as melhores do mundo e essa estratégia vem dando resultados. De acordo com o QS World University Ranking de 2025, a Universidade de Beijing já aparece na frente de Cornell, uma das Ivy League norte-americanas[1].

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No Brasil, onde os cursos são gratuitos e consomem um montante significativo de recursos públicos, mais de 40% das vagas ofertadas pelo sistema federal estão ociosas. A evasão, segundo auditoria do TCU,  já atinge o patamar de 36% das graduações e licenciaturas[2].

Quais as razões deste descompasso? Por que os mais de R$ 60 bilhões (LOA 2024) investidos pelo país não têm atraído a sociedade, sobretudo os jovens?

Em artigo recente sobre o assunto, Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, e Silvio Meira, professor emérito da UFPE e docente da Escola de Direito do Rio de Janeiro, usam dados do Censo Escolar para analisar a eficiência das universidades federais brasileiras. Eles reportam, já no título do texto, que os cursos de graduação formam apenas 1,26 alunos por professor.

Com o objetivo de contribuir com o debate, retomamos o tema a partir da identificação de quatro obstáculos que precisam, ao nosso ver, serem superados para que a universidade pública alcance um nível mais elevado de excelência e impacto social. O Gráfico 1 ilustra a razão entre o número de concluintes em cursos de graduação e a quantidade de docentes empregados nas universidades federais entre 2010 e 2023.

Em média, são formados 1,22 alunos por docente, como ilustra a linha pontilhada. Observa-se, no entanto, que esse número é relativamente estável ao longo da série histórica, sendo a única exceção entre 2020 e 2022, e que pode ser explicado pela pandemia de Covid-19.

Ou seja, se a razão entre o número de concluintes e a quantidade de docentes for um indicador válido e confiável para medir o que se deseja mensurar, o diagnóstico de Lucena e Meira (2025) não se restringe a 2023, o problema é muito mais embaixo, para usar a expressão popular.

Resolvemos então olhar para a taxa de ocupação, que nada mais é do que a razão entre o número de ingressantes e a quantidade de vagas ofertadas. Valores iguais a 1 indicam que todas as vagas ofertadas foram devidamente preenchidas. Por outro lado, valores abaixo de 1 indicam que as vagas ofertadas não estão sendo ocupadas, o que chamaremos aqui de ociosidade. Vejamos a variação deste indicador entre 2013 e 2023, conforme estimativas do Censo Escolar. 

Em 2013, 18% das vagas ficaram ociosas. Esse número aumentou nos anos seguintes, se estabilizando em torno de 25%. No entanto, a partir de 2019 a tendência de crescimento é positiva e acelerada. Em 2023, cerca de metade das vagas não foram preenchidas, isso significa que 285.841 oportunidades de ingresso em um curso superior, por algum motivo, não foram aproveitadas. Em outras palavras, quase metade dos recursos empregados pela sociedade nessa política pública foram de certa forma desperdiçados.

E o que dizer a respeito da taxa de conclusão? Ou seja, considerando a razão entre o total de formados e a quantidade de ingressantes, como será que anda a situação das federais brasileiras? Vejamos o que dizem os dados.

Como pode ser observado, ocorreu uma melhora desse indicador: no melhor ano da série (2023), 47,43% dos ingressantes terminaram o curso. Apesar da melhora, mais da metade ficou pelo caminho. Quais as razões desses descompassos?

Para além das respostas mais difundidas que apontam uma explosão de cursos de baixo custo e acessíveis por via remota (sem entrar no mérito da qualidade e da empregabilidade destas ofertas) e a diminuição da disparidade salarial entre os mais e menos escolarizados[3], entre outras respostas mais triviais, gostaríamos de apontar para alguns desafios que precisam ser enfrentados se quisermos ter universidades relevantes.

Primeiro, os cursos ofertados estão desalinhados com a demanda esperada pela sociedade. Esse desajuste pode ser por volume de vagas e/ou por falta de conexão com a realidade do mundo do trabalho, gerando desestímulo e insatisfação no público-alvo. Em muitos cursos, a taxa de evasão supera 25% ainda no primeiro semestre. Em alguns centros, basta andar pelos corredores e olhar as placas de formandos. Em muitas delas, de 50 ou 60 ingressantes, formam-se menos de dez.

Segundo, pouca flexibilidade ou total inércia das unidades educacionais em adaptar, reestruturar e/ou modernizar os cursos para atender às novas demandas. Esse é um problema crônico e de difícil solução. O ritmo da universidade é lento e muitas vezes desconectado das demandas do mercado de trabalho. Ouvimos, certa vez, em uma reunião com uma agência de fomento, que enquanto os cientistas estavam preocupados com papers, o governo estava preocupado com o PIB. Imaginem o mercado.

Terceiro, o ambiente burocrático é fortemente hostil a investimentos externos. A captação de recursos fora dos muros acadêmicos para desenvolver formação ou pesquisa, por exemplo, atividades inerentes à lógica universitária, exige um esforço colossal imprimindo uma verdadeira maratona de emaranhados legais que se tornam quase intransponíveis.

Uma quantidade imensa de leis, regras e resoluções travam o talento e a capacidade das universidades públicas gerarem desenvolvimento social. O comportamento de um indivíduo dentro do sistema federal de universidades tentando quebrar essa lógica muitas vezes é interpretado como algo negativo. Afinal, para que trabalhar tanto se todos ganham salários “iguais”.

Por fim, a forma de selecionar as lideranças. Com eleição interna, a comunidade acadêmica fortalece pautas corporativas em detrimento dos interesses sociais. De certa forma e com raras exceções, reitores, diretores, chefes de departamento, entre outras lideranças perdem sua capacidade de cobrar por metas e resultados. Tal design da estrutura de poder afasta os interesses sociais dos objetivos destas instituições. Como diria o poeta, “é triste, mas é verdade”.

Embora não esgotem as causas de nossos problemas, esses pontos podem servir como um ponto de partida para repensar o desenho dessas instituições fundamentais, visando à construção de estruturas universitárias que impulsionem a prosperidade econômica e social do Brasil.


[1] Ver: <https://www.topuniversities.com/world-university-rankings>.

[2] Ver: <Ministério da Educação deve elaborar plano de ação para avaliar e orientar universidades públicas federais – Notícias | Portal TCU>

[3] ver: <‘Gap’ salarial para ensino superior cai, mas segue acima de 120% | Brasil | Valor Econômico>.

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