Entenda em cinco pontos o voto do ministro Edson Fachin na ADPF das Favelas

No primeiro voto na ação que discute a violência policial em operações nas comunidades do Rio de Janeiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator do caso, defendeu que o governo estadual implemente medidas complementares para reduzir a letalidade policial. Na sessão desta quarta-feira (5/2), Fachin disse que ainda há um “estado de coisas inconstitucional na política de segurança pública fluminense”. 

No julgamento, o Supremo vai decidir se deve homologar o plano apresentado pelo governo estadual do Rio de Janeiro para reduzir a letalidade da ação dos agentes policiais. A medida foi determinada pelo Tribunal depois de pedido do Partido Socialista Brasileiro (PSB), em 2019, no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a ADPF das Favelas.

No voto desta quarta-feira, Fachin foi favorável à homologação parcial do plano. O ministro reconhece avanços a partir das diretrizes fixadas pelo Tribunal em decisões liminares no contexto da ADPF das Favelas, mas requer a adoção de outras medidas. Entre elas, o magistrado diz que é necessário um novo ciclo de acompanhamento e monitoramento com coordenação local e estabelece novas determinações sobre transparência e perícia.

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A análise da ADPF das Favelas será suspensa pelas próximas semanas para que os ministros analisem o que foi apresentado pelo relator. O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, disse que a pausa será necessária para “digerir” o voto de Fachin. 

Entenda o voto em cinco pontos

Transparência – O ministro propõe a adoção de medidas complementares para assegurar a independência nas investigações sobre mortes tanto de civis quanto de agentes nas ações e operações policiais. 

Fachin também prevê a criação de um comitê de acompanhamento do cumprimento das medidas, com a participação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), da Defensoria Pública do estado (DPE-RJ), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do governo estadual, de representantes da sociedade civil e de especialistas em segurança pública. 

O ministro determina que o governo estadual passe a divulgar dados sobre uso excessivo da força e mortes em operações policiais. Os indicadores deverão conter situações de uso excessivo ou abusivo da força legal e de civis vitimados em confronto armado com a participação de forças de segurança em que a autoria do disparo seja indeterminada. 

Além disso, o estado deverá divulgar dados desagregados sobre as ocorrências com morte de civil ou de policial, especificando a corporação envolvida, qual unidade ou batalhão, se o agente envolvido estava em serviço e se o fato ocorreu no contexto de operação policial. Nas ocorrências com morte de policial, deverá ser especificado se a vítima estava em serviço. 

Fachin também determina que a investigação seja atribuída ao Ministério Público sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de crimes. Em caso de crime intencional contra a vida, a apuração deverá ocorrer no âmbito da justiça comum.  

Afastamento temporário – Fachin determina que as regras incluam o afastamento preventivo das atividades de policiamento ostensivo para os agentes que se envolvam em mais de uma ocorrência com morte, decorrente de intervenção policial, no período de um ano. O afastamento deve ser temporário, sem necessariamente consequências disciplinares.

O ministro propõe prazo de 180 dias para que o governo estadual regulamente a aferição da incidência de letalidade desproporcional na atuação policial, modulando aspectos, como o tipo de policiamento exercido e área de atuação. 

Câmeras corporais – O ministro estabelece prazo de 120 dias para que seja comprovada a implantação de câmeras corporais pela Polícia Civil. Entretanto, ele atende a um pedido do governo estadual para que os agentes da corporação as utilizem somente nas ações ostensivas, incluindo operações policiais planejadas e em atividades ou diligências externas. 

Para adequar a determinação com a situação financeira do estado, caso não haja equipamentos para todos os agentes, as câmeras devem ser destinadas, prioritariamente, para as forças especiais e unidades ou batalhões que tenham os maiores índices de letalidade policial.  

O ministro Fachin considera ainda necessário autorizar a continuidade de repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) nos contratos antigos, que previam o armazenamento das imagens por 60 dias. Segundo as regras do Ministério da Justiça, para viabilizar os repasses, as imagens devem ser preservadas por, pelo menos, 90 dias. A medida vale apenas para contratos em vigência até a conclusão do julgamento.   

Perícia – O voto proíbe a atuação de peritos vinculados à Polícia Civil nas investigações em que haja suspeita de mortes intencionais ocorridas em ações ou operações da corporação. Nestes casos, o MPRJ deverá tomar as providências cabíveis para viabilizar a perícia científica com outros profissionais, inclusive por meio de convênio com a Polícia Federal, ou requisitando a realização de perícia técnica. 

Fachin rejeita o pedido para desvincular a Superintendência-Geral de Polícia Técnico-Científica do Estado da estrutura da Polícia Civil. Para o ministro, não é possível impor, por decisão judicial, uma reforma na organização político-administrativa do governo estadual. No entanto, ele declara a inconstitucionalidade do dispositivo estabelecendo que a chefia da Polícia Técnico-Científica deve ser atribuída a um delegado. Segundo o ministro, essa subordinação retira a autonomia técnica, científica e funcional da perícia, já reconhecida em diversos precedentes do Supremo.

Comitê de acompanhamento – O relator também determina a criação de um comitê para acompanhar o cumprimento da decisão proferida pelo Supremo e, em conjunto com o governo estadual, apoiar seu cumprimento e implementação. O comitê terá a coordenação do MPRJ, e contará com a participação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), além de representantes da sociedade civil e especialistas na área de gestão e políticas públicas. 

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ADPF das Favelas

A ADPF 635 foi protocolada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que pediu que o Supremo determinasse ao governo estadual do Rio de Janeiro a elaboração de um “plano voltado à redução da letalidade policial e ao controle das violações de direitos humanos promovidas pela política de segurança pública”.

O PSB alega que a política de segurança pública do Rio de Janeiro viola princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais à vida, à igualdade, à segurança, à inviolabilidade do domicílio e à absoluta prioridade na garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.

O partido indica que há um quadro de grave violação generalizada de direitos humanos, materializado por meio do descumprimento de sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) – vinculante ao Estado Brasileiro – no caso Favela Nova Brasília. A Corte reconheceu omissão relevante e demora do estado do Rio de Janeiro na elaboração de um plano para a redução da letalidade dos agentes de segurança.

De 2019 para cá, o Supremo fez diversas determinações em decisões liminares, incluindo que o governo estadual elabore um plano para reduzir a letalidade policial. Na primeira liminar durante a pandemia de Covid-19, em junho de 2020, Fachin determinou a suspensão de operações policiais em comunidades do estado durante a situação de emergência sanitária. As ações deveriam ficar restritas a casos excepcionais e serem informadas previamente ao Ministério Público estadual para acompanhamento.

Fachin também determinou a instalação de câmeras e equipamentos de geolocalização (GPS) nas fardas de policiais do Rio de Janeiro e a gravação em áudio e vídeo em viaturas, mesmo para equipes especializadas, como Bope e Core.

Em agosto de 2020, nova liminar restringiu o uso de helicópteros nas comunidades em casos de estrita necessidade, comprovada por relatório no final da operação. Na mesma decisão foi estabelecido também que a realização de operações próximas de escolas, creches, hospitais ou postos de saúde é medida excepcional e deve ser justificada ao Ministério Público. Foi proibido uso desses locais como base operacional das polícias.

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