A Contribuição Especial de Grãos do Maranhão e o risco de proliferação de contribuições estaduais

Recentemente, o estado do Maranhão instituiu a Contribuição Especial de Grãos (CEG), por meio da edição da Lei Estadual 12.428, de 25 de novembro de 2024, que pode ser reconhecida como mais uma das diversas contribuições estaduais heterodoxas que foram criadas pelos estados – com vocação econômica para o comércio internacional de commodities – para incidir sobre determinadas operações com produtos agrícolas, produtos pecuários, recursos minerais, entre outros, que tenham como destinação final a exportação.

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Segundo o artigo 2º da lei estadual, a CEG incidirá sobre “produção, armazenamento ou transporte de soja, milho, milheto e sorgo em grãos no território maranhense, nos termos previstos nesta lei”. Por sua vez, o artigo 3º da mesma lei prevê que o fato gerador da contribuição será considerado ocorrido no momento da (i) saída com destino à zona primária aduaneira para fins de exportação; (ii) saída interestadual com destino à exportação; e (iii) entrada em território maranhense para formação de lote ou remessa com fim específico de exportação, quando realizada por contribuinte de outra unidade da Federação.

O diploma legal determina ainda que a incidência da CEG ocorrerá de forma monofásica, não incidindo em mais de uma etapa da cadeia produtiva (artigo 3º, § 8º), utilizando “o valor da tonelada de grãos, considerando os valores de referência específicos divulgados por ato do Poder Executivo” (artigo 4º, caput) como base de cálculo e a alíquota de 1,8% sobre o valor da tonelada (artigo 5º). 

Cumpre notar que o produto da arrecadação da CEG será destinado ao Fundo Estadual de Desenvolvimento Industrial do Estado do Maranhão, instituído pela Lei 8.246/2005, e deverá ser aplicado exclusivamente nas despesas relativas a investimentos e custeio de infraestrutura rodoviária estadual (artigo 12º). 

A partir desta breve descrição da nova contribuição maranhense, torna-se necessário analisar sua validade sob dois aspectos complementares, com o propósito de avaliar a (in)constitucionalidade da norma em questão: (i) os limites impostos pelo artigo 136 do ADCT, considerando os requisitos para a convalidação e reinstituição de “contribuições” estaduais destinadas ao custeio de fundos financeiros; e (ii) a possível violação da regra de imunidade tributária das exportações, que assegura a sua desoneração.

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No que se refere ao primeiro aspecto, cumpre notar que a literalidade do próprio artigo 1º da lei estadual declara que a contribuição estadual teria sido instituída consoante a previsão do artigo 136 do ADCT. Tal dispositivo foi incluído no ADCT por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, que promoveu a Reforma (constitucional) da Tributação sobre o Consumo e, em paralelo, incluiu uma autorização para aqueles Estados que, em 30 de abril de 2023, possuíam fundos em obras de infraestrutura e habitação, financiados por contribuições sobre produtos primários e semielaborados estabelecidas como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relativos ao ICMS, reinstituíssem “contribuições” estaduais com condições semelhantes, não vinculadas ao imposto estadual.

Para a reinstituição válida, os Estados devem atender às condições do artigo 136 do ADCT: (i) a alíquota e a base de incidência não podem exceder as vigentes em 30 de abril de 2023 (artigo 136, inciso I, ADCT); (ii) a nova contribuição extinguirá a correspondente vinculada ao ICMS vigente na mesma data (artigo 136, inciso II, ADCT); (iii) a destinação da receita deve manter os objetivos fiscais e orçamentários anteriores (artigo 136, inciso III, ADCT); e (iv) a contribuição terá caráter transitório, com extinção automática em 31 de dezembro de 2043 (artigo 136, inciso IV, ADCT).

Portanto, o que o artigo 136 do ADCT pretende promover é muito simples: ante o risco de o Poder Judiciário pronunciar a inconstitucionalidade das “contribuições” estaduais destinadas ao custeio de fundos financeiros estaduais, que utilizavam o mesmo fato gerador e a mesma base de cálculo do ICMS, vinculando o produto de sua arrecadação para finalidades específicas, criou-se uma regra que pretende sua convalidação, até 2043, via emenda constitucional.

Neste contexto, nota-se que o Estado do Maranhão adotou reiteradas práticas para sustentar as finanças públicas estaduais baseadas na tentativa de burlar a desoneração das exportações de produtos agropecuários – o que, por si só, deveria ser compreendido como uma grave violação ao princípio do destino, que promove a desoneração das exportações e não faz distinção entre produtos industrializados e in natura

Note-se, apesar do Fundo Estadual de Desenvolvimento Industrial do Estado do Maranhão ter sido instituído pela Lei Estadual 8.246/2005, a “contribuição” estadual somente passou a constar como uma fonte de seu custeio a partir da inclusão do inciso VI no artigo 3º da mencionada lei, por meio da Lei Estadual 11.184/2019. A “contribuição” maranhense sofreu alterações com o advento da Lei Estadual 11.222/2020 – até que a sua regulamentação legal fora completamente consolidada na Lei Estadual 12.428/2024, em análise. 

Não fosse suficiente, o Estado do Maranhão também havia instituído a Taxa de Fiscalização de Transporte de Grãos (TFTG), por meio da Lei Estadual 11.867/2022, que pretendia onerar a exportações de produtos agrícolas sob o argumento de suposto exercício de poder de polícia decorrente da fiscalização do seu transporte – tendo sido revogada com o advento da Lei Estadual 12.428/2024.

Considerando esse contexto, torna-se evidente o primeiro aspecto de inconstitucionalidade da contribuição” maranhense: O Estado do Maranhão, em 30 de abril de 2023, já possuía uma “contribuição” instituída pela Lei Estadual 11.222/2020, com alíquota de 1,8% sobre o valor da tonelada de determinados grãos, conforme o artigo 3º da Lei Estadual 8.246/2005, com as alterações promovidas. Essa regra foi mantida no artigo 5º da Lei Estadual 12.428/2024, em aparente conformidade com o artigo 136, inciso I, do ADCT.

Entretanto, o artigo 4º da nova lei introduz uma inovação: a base de cálculo passa a considerar o valor da tonelada de grãos, considerando os valores de referência específicos divulgados por ato do Poder Executivo – delega regulamentar que, até então, era inexistente na legislação tributária anterior. Essa mudança configura uma ampliação da base de cálculo, o que contraria expressamente o artigo 136, inciso I, do ADCT, que veda alterações que tornem a base de incidência mais ampla do que a vigente em 30 de abril de 2023.

Ademais, no que se refere ao CEG do estado do Maranhão, vale notar que o artigo 12 da Lei Estadual 12.428/2024 determinou que o produto de sua arrecadação será exclusivamente aplicado nas despesas a que se refere o artigo 2º, inciso XI, da Lei Estadual 8.246/2005 – isto é, despesas relativas a “investimentos e custeio da infraestrutura rodoviária estadual”. 

Essa previsão foi incluída na nova lei estadual como uma forma de alterar a vinculação do produto da arrecadação da “contribuição” vigente até 30 de abril de 2023, que, ainda sob a égide da Lei Estadual 11.184/2019, determinava que a destinação exclusiva do seu montante (artigo 3º-A, § 5º, Lei 8.246/2005) ao custeio de despesas referentes a “investimentos e custeio da infraestrutura necessária para o apoio às atividades econômicas no Maranhão, tais como rodovias estaduais, aeroportos regionais, centros de eventos, parques de exposições, entre outros”.

Assim, diferentemente de outros exemplos de fundos financeiros custeados por “contribuições” estaduais – como no caso do Fethab, no Estado do Mato Grosso – a Lei Estadual 8.246/2005 não predetermina – e nunca predeterminou – os percentuais ou montantes da carteira de valores arrecadados pelo fundo que serão destinados (cumulativamente, em função da aplicação da conjunção “e” no artigo 136 do ADCT) para financiamento de infraestrutura e habitação. 

Ao contrário, a destinação do produto da arrecadação vigente até 30 de abril de 2023 era inespecífica – abarcando hipóteses de gastos que são genéricos demais para serem enquadrados cumulativamente como “habitação e infraestrutura” (artigo 2º, Lei Estadual 8.246/2005). Mesmo após a edição da Lei Estadual 12.428/2024, percebe-se que a destinação do produto da arrecadação da nova CEG maranhense também não alcança “habitação”, mas tão somente “infraestrutura rodoviária estadual” – evidenciando uma clara violação ao caput e ao inciso III, do artigo 136 do ADCT.

Logo, não nos parece que o artigo 136 do ADCT tenha garantido a prerrogativa de convalidação de contribuições “estaduais” destinadas ao custeio de fundos financeiros para casos em que a destinação do produto da arrecadação seja inespecífica ou discricionária, em que a alíquota ou a base de cálculo tenha sido (ainda que indiretamente alterada), em que se tenha alterado a destinação do produto da arrecadação vigente em 30 de abril de 2023, ou em que se mantenha a sua cobrança como condição para fruição de benefícios fiscais de ICMS.

Portanto, evidente que a nova Contribuição Especial de Grãos do Estado do Maranhão é inconstitucional, ante o expresso descumprimento das condicionantes de convalidação previstas no artigo 136 do ADCT.

Além disso, no que se refere ao segundo aspecto de inconstitucionalidade na norma em análise, evidencia-se nítida afronta a imunidade constitucional das exportações, prevista do artigo 155, § 2º, inciso X, alínea “a”, da Constituição Federal.

Recorda-se que o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de analisar questão semelhante no julgamento da ADI 6.365/TO, declarando a inconstitucionalidade do artigo 7º da Lei Estadual 3.617/2019, do estado de Tocantins. Esse dispositivo previa o recolhimento de uma “contribuição” ao Fundo Estadual do Transporte – FET, semelhante à instituída no Estado do Maranhão, incluindo operações destinadas à exportação ou a elas equiparadas.

No julgamento virtual realizado em fevereiro de 2024, o STF decidiu, por unanimidade, que essa “contribuição”, na verdade, configurava um adicional de ICMS. O Plenário destacou que “o adicional do ICMS em questão incide inclusive sobre operações de saída de mercadorias com destino à exportação ou equiparadas à exportação, em manifesta afronta ao disposto no artigo 155, § 2º, inciso X, alínea ‘a’, da Constituição Federal, que estabelece imunidade em relação ao ICMS para as operações que destinem mercadorias ao exterior”. Assim, concluiu-se que a cobrança desse adicional de ICMS disfarçado de “contribuição” é inconstitucional, por burlar a regra de imunidade tributária e de desoneração das exportações.

Desse modo, evidencia-se um segundo viés de inconstitucionalidade na contribuição instituída pelo Estado do Maranhão – que não nos parece ter sido superada pela pretensa desvinculação da competência para instituição das novas contribuições estaduais do ICMS, na forma promovida pelo artigo 136 do ADCT, pois a dimensão principiológica do princípio do destino deveria permitir a intepretação teleológica – e não apenas literal – da finalidade da regra de imunidade tributária para as novas contribuições com mesmo fato gerador e base de cálculo do imposto estadual.

Por fim, vale mencionar que também vislumbramos o risco de multiplicação de novas contribuições estaduais que pretensamente serão baseadas na prerrogativa garantida pelo artigo 136 do ADCT, no entanto, os estados poderão não lograr êxito em cumprir os seus requisitos.

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Nesse contexto, é plausível considerar que a Contribuição Especial de Grãos do Estado do Maranhão seja apenas o início de uma proliferação de diversas contribuições “estaduais”, fundamentadas na prerrogativa do artigo 136 do ADCT. Tal cenário pode desencadear um contencioso significativo, resultante do descumprimento dos requisitos constitucionais necessários para sua reinstituição e convalidação.

Diante da crescente necessidade dos Estados exportadores de commodities, que enfrentam desafios fiscais cada vez maiores, é razoável antecipar novos desdobramentos na tentativa de ampliar a arrecadação por meio dessas contribuições estaduais, ainda que inconstitucionais.

Parafraseando de forma jocosa o ditado popular, “de grão em grão, a galinha enche o papo” – e os Estados, os cofres públicos.

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