A transação no contencioso tributário e os honorários de sucumbência

Em um país em que a macrolitigância é uma característica marcante do contencioso tributário, não se pode falar em processo tributário sem fazer qualquer referência aos métodos alternativos de resolução de conflito. Isso porque os dados constantes do relatório “Justiça em Números” demonstram que historicamente as execuções fiscais são o principal fator de morosidade do Judiciário. 

Para se ter uma ideia, o relatório apontou que no ano de 2023 os processos de execução fiscal representaram, aproximadamente, 34% do total de casos pendentes e 64% das execuções pendentes no Judiciário, com taxa de congestionamento de 88%. Isso significa que a cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2022, apenas 12 foram baixados[1].

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Logo, esses números são bem expressivos e apresentam uma moléstia grave no atual sistema processual tributário: a ineficácia da recuperação dos créditos tributários. Em atenção a essa conjuntura de ineficiência da cobrança tributária em âmbito judicial, diversas iniciativas estatais nos últimos anos têm visado à retirada de casos tributários do Judiciário. 

Nesse cenário, ganha especial atenção o instituto da transação em que a Administração Tributária celebra um acordo com o contribuinte que, a partir de concessões mútuas, extingue o crédito tributário. Para se ter uma ideia da importância dessa política fiscal, analisando o Relatório Anual PGFN em números, observa-se que, até o ano de 2022, a transação tributária levou R$ 404,3 bilhões aos cofres da União, sendo que, apenas em 2022, o valor regularizado somou R$ 189 bilhões, sem que fosse necessária a intervenção do Judiciário[2].

Portanto, em termos de eficiência, a transação tem se mostrado mais efetiva do que as execuções fiscais. Além disso, esse instituto tem promovido o amadurecimento das relações entre contribuinte e Fisco, indo ao encontro da cooperação.

O problema é que, por determinação legal do artigo 3º, V, da Lei 13.988/2020, o contribuinte precisa, obrigatoriamente, renunciar a quaisquer alegações de direito, em discussões nas ações judiciais, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação. 

Por uma questão lógica, não sendo mera deliberação do contribuinte em renunciar ao seu direito, não se pode condená-lo em honorários de sucumbência. Ocorre que recentemente foi inaugurada uma nova controvérsia tratando dessa questão, cujo objeto central em discussão é justamente a condenação dos contribuintes ao pagamento de honorários de sucumbência quando desistem de alguma ação judicial para realizar a transação. 

O caso se trata do Recurso Especial 2.032.814/RS, interposto pela Fazenda Nacional com o objetivo de que o contribuinte fosse condenado em honorários de sucumbência, em virtude de que a empresa teria desistido de sua ação anulatória para aderir a transação tributária. 

Esse recurso foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entendeu por afastar a condenação da empresa contribuinte em honorários de sucumbência. Em suas razões recursais, a Fazenda Nacional basicamente alega que a Lei 13.988/2020 não dispensou o pagamento dos honorários de sucumbência.

O problema é que não se pode desconsiderar que a desistência não ocorre por mera deliberação dos contribuintes, mas por determinação legal e, consequentemente, imposição para que os contribuintes possam aderir à transação. Aliás, a condenação do contribuinte em honorários de sucumbência vai de encontro com os objetivos da transação tributária e ao princípio da cooperação.

Para piorar, ainda cabe destacar que os honorários de sucumbência já estão incluídos na transação realizada, por força do disposto no art. 5º, § 2º, da Lei nº 13.988/20, já que o dispositivo legal dispõe que a redução do valor do crédito tributário em transação deve observar os encargos legais acrescidos aos débitos inscritos em dívida ativa da União de que trata o art. 1º do Decreto Lei nº 1.025/69. 

Logo, o contribuinte acabará sendo duplamente condenado em honorários de sucumbência, caso tenha que pagar os honorários de sucumbência na desistência das ações judiciais que discutem os débitos tributários transacionados.

Não por acaso, em situação semelhante envolvendo a desistência de embargos à execução fiscal como condição de adesão em parcelamento de dívidas tributárias, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, no REsp 1.143.320/RS, submetido à sistemática de recursos repetitivos, que é descabida condenação do contribuinte em honorários advocatícios. 

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Claro, não se ignora que esse REsp 1.143.320/RS tratou especificamente de desistência de ação judicial para adesão à parcelamento especial dos créditos tributários – instituto diferente da transação tributária. Todavia, não se pode negar que o objetivo de ambos os institutos são os mesmos: incentivar a regularização fiscal pelo contribuinte.    

Portanto, a condenação dos contribuintes ao pagamento de honorários de sucumbência, em razão de atender à exigência legal de desistir das ações judiciais em que discutem os créditos tributários transacionados acaba por macular o objetivo central da transação tributária, bem como ao princípio da cooperação.


[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2023. Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/09/justica-em-numeros-2023-010923.pdf >. p. 149-150.

[2] PGFN em Números – 2023. Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/ptgfn-em-numeros/pgfn-em-numeros-2023-versao-20042023.pdf. 

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