Qual a previsão do tempo?

Qual a previsão do tempo? Não sabemos mais.

Aprendi com Carlos Augusto da Silva, conhecido como Tijolo, arqueólogo de origem indígena Munduruku e Apurinã, que até um passado recente, as formigas anunciavam o início do inverno amazônico. O tempo quente e seco fazia com que as formigas aumentassem suas movimentações em busca de alimentos, preparando-se para o período chuvoso. Quando elas apareciam com mais frequência, era sinal que logo ia começar a chover.

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Hoje, como disse Tijolo, com o clima cada vez mais quente, as secas prolongadas e as chuvas inesperadas, as formigas estão aparecendo o tempo todo e já não conseguem cumprir com o papel de indicar a previsão do tempo às populações indígenas e tradicionais.

Essa mudança de comportamento desencadeia outros efeitos, em cascata: altera as práticas tradicionais afetando a resiliência das populações locais e as interações ecológicas entre outras espécies de plantas e animais. Afeta a disponibilidade de alimentos para os animais e também seres humanos.

Ouvi de outra liderança indígena, Vanessa Ribeiro, do povo Wapichana e do Departamento de Gestão Territorial, Ambiental e Mudanças Climáticas, do CIR (Conselho Indígena de Roraima), que falava sobre mudanças climáticas através da transformação do tempo. O tempo que nos indica o momento atmosférico, aquele que já não sabemos mais prever, mas também o tempo em uma dimensão mais ampla, o tempo das coisas, o tempo de vida, o tempo do estar presente, o tempo do “ser”.

As populações indígenas e tradicionais estão sendo forçadas a alterar seus tempos, seus costumes, suas rotinas. Para trabalharem a terra, plantarem e colherem suas roças, manejarem suas florestas, bastava seguir o ciclo da luz do dia.

Já não é mais possível. O calor extremo tornou inviável o trabalho diurno, debaixo do sol. Homens e mulheres precisam, agora, trabalhar em suas roças e florestas durante a noite e a madrugada.

O tempo de trabalho se transformou e, com ele, outra cascata de acontecimentos. O tempo desses homens e dessas mulheres com suas famílias, o tempo de descanso, o tempo de “bem viver”, já não é mais o mesmo.

O tempo de uma vida bem vivida, esse também a gente já não consegue mais prever.

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