Fusão entre Azul e Gol desafia setor aéreo com promessa de sinergia

O anúncio da possível fusão entre Azul e Gol, oficializado por um memorando de entendimento em 15 de janeiro, movimentou o setor aéreo brasileiro e acendeu debates sobre os efeitos econômicos e concorrenciais de uma das maiores operações da aviação no país. Caso aprovada, a união resultaria em um duopólio no mercado nacional, formado pela nova companhia e pela Latam Airlines.

Segundo Thiago Caldeira, doutor em economia e professor de Regulação Econômica no programa de Mestrado e Doutorado em Economia do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), a proposta surge em um contexto de crise financeira no setor, marcado por endividamento elevado e obstáculos operacionais agravados pela pandemia.

“Gol e Azul acumulam, juntas, cerca de R$ 40 bilhões em dívidas, mesmo após renegociações já feitas recentemente com credores. É um setor historicamente instável e com baixas margens de lucro, o que dificulta a sustentabilidade financeira das empresas”, explica.

Para o consumidor, o principal temor é o impacto nos preços das passagens. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, entre janeiro e novembro de 2024, o custo das tarifas aéreas aumentou 22,5%. De acordo com Caldeira, a fusão poderia reduzir a competição em rotas em que ambas as companhias já operam, e contribuir para um aumento de tarifas.

“Menos concorrência diminui a chamada ‘ameaça competitiva’, ou seja, diminui a possibilidade de outras empresas entrarem em uma rota caso a demanda cresça. Isso abre margem para repasses de custos aos preços”, afirma. Por outro lado, o especialista pondera que a operação também pode gerar eficiência, com redução de custos ou criação de novas fontes de receitas. “Se as sinergias forem bem aproveitadas, os ganhos poderiam até refletir em preços mais baixos para o consumidor no médio prazo. Mas esse efeito é incerto e depende das condições celebradas na fusão”, alerta o especialista em regulação de mercados.

Regulação e concorrência

A fusão terá que passar pelo crivo de órgãos reguladores, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Espera-se uma análise da concentração de mercado especialmente em aeroportos estratégicos como Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, que têm limitação na oferta de espaço para operação de mais voos.

“O Cade deve aprovar a fusão, mas com os chamados remédios concorrenciais, talvez considerando uma obrigação de ceder slots (horários de pousos e decolagens) para novas empresas, inclusive de capital estrangeiro, que queiram entrar no mercado. Isso reduziria o risco de abusos de posição dominante e estimularia a concorrência”, avalia.

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Uma possível consequência da fusão é o incentivo à entrada de empresas internacionais de baixo custo, as chamadas low cost, no mercado doméstico brasileiro. Desde 2019, a legislação permite que companhias estrangeiras operem voos internos no Brasil, e a redução do número de competidores pode ser um atrativo adicional para novos entrantes.

Tributação e custos futuros

Outra questão à vista é o aumento da carga tributária, impulsionado pela reforma tributária, objeto de Emenda Constitucional aprovada em 2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Hoje, o setor conta com uma carga tributária baixa em comparação a outros segmentos econômicos, mas Caldeira prevê um reajuste que pode elevar os preços das passagens em até 20% nos próximos anos, após o período de transição da reforma. A reforma tributária uniformiza alíquotas de bens e serviços, reduzindo para alguns e aumentando para outros. 

“Embora o realinhamento tributário traga mais justiça fiscal, tendo em vista que transporte aéreo é um serviço usado mais intensamente pelos mais ricos, ele impactará diretamente o consumidor, encarecendo o transporte aéreo. Isso, somado aos custos em dólar e aos efeitos inflacionários decorrentes de políticas de redução de emissões com combustíveis, desenha um cenário de forte pressão sobre os preços das passagens aéreas no médio prazo”, analisa Caldeira.

Para o economista, a possível fusão entre Azul e Gol inaugura um capítulo decisivo para o setor aéreo brasileiro. “O longo histórico desde a década de 90 de redução do preço médio, em termos reais, do bilhete aéreo não deve se repetir daqui pra frente. Para ampliar o acesso do serviço à população será necessário buscar maior eficiência, sem perder padrões de segurança, e tornar o ambiente de negócios no Brasil mais receptivo para a entrada de novos investidores”, conclui.

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