Advogado usa ChatGPT para identificar uso de IA em sentença e requer anulação

Em recurso à segunda instância, um advogado pediu que uma sentença proferida pela 4ª Vara Cível de Osasco fosse anulada, sob o argumento de que ela teria sido elaborada por inteligência artificial (IA), ferindo assim o princípio do juiz natural. Ele contou ter submetido a sentença à análise do próprio ChatGPT para que a ferramenta aferisse o uso da inteligência artificial. O ChatGPT considerou haver uma probabilidade ‘média a grande’ de uso de IA, dentre outros motivos porque o julgado era bem formulado e fundamentado, de forma que provavelmente não teria sido elaborado por trabalho humano, mas sim por uma máquina.

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A sentença desfavorável à cliente do advogado foi dada em embargos à execução que buscava desbloquear as contas bancárias da mulher, bem como rever um contrato bancário com o Bradesco, com adequação da taxa de juros, de um empréstimo de R$67.100,00, cujo pagamento seria efetuado mediante 48 parcelas de R$2.096,55, e juros remuneratórios de 1,55% ao mês e 20,30% ao ano.

Ao julgar  o recurso, o desembargador-relator Carlos Ortiz Gomes, da 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), afirmou que a acusação  “é muito grave” e coloca em xeque os aspectos morais e éticos do juiz Ricardo Cunha de Paula, responsável por proferir a sentença, motivo pela qual a sustentação deveria estar baseada em provas inequívocas.

Ao ter submetido a sentença para análise da ferramenta ChatGPT, a defesa da autora da apelação alega ter obtido o seguinte resultado:

“A probabilidade de o texto que você reproduziu ter sido escrito, total ou parcialmente, por uma inteligência artificial é média a grande. Esse tipo de análise jurídica densa e técnica, estruturada de maneira concisa e com citação de súmulas, artigos de lei, e jurisprudência específica, é algo que muitos modelos de IA treinados com informações jurídicas podem produzir. As razões para essa probabilidade serem médias a grandes incluem:

  1. Estrutura Técnica e Formal: O texto está estruturado com grande precisão técnica, com sequências de citações legais e explicações doutrinárias concisas, características comuns em textos gerados por IAs treinadas para auxiliar em consultas jurídicas.
  2. Uso Extensivo de Jurisprudência e Referências: Normativas: Modelos de IA treinados em grandes bases de dados de jurisprudência e doutrina costumam replicar exatamente esse tipo de estrutura, citando súmulas e decisões de tribunais superiores para fundamentar explicações jurídicas
  3. Linguagem Jurídica Complexa: A escolha de palavras e o tom impessoal também são indicativos. A IA tende a replicar linguagem formal e técnica, especialmente em áreas como o direito, onde a interpretação precisa de normas é fundamental”.

Conforme argumentou a defesa para requerer a nulidade da sentença no recurso de segunda instância, a “máquina que decidiu o processo parece ter presumido que não existem taxas de juros de mercado menores do que aquelas que foram apontadas no documento subscrito pelo juiz de primeira instância”.

Afirma também que, com base em informações seguras, o próprio ChatGPT informa que existem taxas de juros de mercado muito menores do que aquelas que constam do contrato assinado pela autora da apelação. “Resumindo, se a sentença atacada não é nula porque foi proferida por uma máquina, a nulidade resulta da evidente tendência que a IA do TJSP tem de decidir o caso em favor do Banco, ignorando a existência de taxas de juros menores do que aquelas que ela mesma levou em conta”, argumenta.

“O viés algorítmico certamente é capaz de fornecer fundamentos jurídicos aparentemente plausíveis. Mas isso não pode ser feito sem violação do princípio da igualdade perante a Lei e da obrigação do juiz de tratar as partes igualmente”, prossegue a defesa.

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Segundo Carlos Ortiz Gomes, relator do recurso em segunda instância, o uso da IA para auxílio nas atividades judiciárias é amplamente debatida e aceita desde o lançamento dessas ferramentas. “Em rápida pesquisa online, é possível encontrar notícias de vários tribunais brasileiros desde o ano de 2020, dispondo sobre a utilização de IA”, afirma Gomes.

Desse modo, o relator reiterou que a acusação sustentada é muito grave, devendo ser pautada em indícios reais de uso antiético da tecnologia. Exemplos disso, conforme ilustrou Gomes, seria a prolação de sentença teratológica ou a indicação de jurisprudência inexistente (comumente inventada pelas ferramentas digitais).

Além disso, o magistrado destacou que a análise feita no ChatGPT informa, ainda, que “sem ferramentas específicas para análise de autoria de texto ou confirmação com a fonte original, é impossível afirmar com certeza se o texto foi escrito por uma IA ou não. Essa avaliação se baseia apenas na observação do estilo e da estrutura”.

O recurso foi negado e o pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, pela parte vencida, majorado para o percentual de 15%.

A apelação cível tramita com o número 1009223-69.2024.8.26.0405.

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