A hiperconectividade digital e a soberania nacional

Cinco meses depois de Elon Musk — o dono da plataforma X — ter ameaçado descumprir ordens judiciais para remover o conteúdo tóxico de mensagens postadas por milícias digitais, agora foi a vez do proprietário do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, Mark Zuckerberg, anunciar o fim dos programas de checagem de fatos. Por permitirem a transmissão de mensagens tóxicas na ciberesfera, por meio de discursos de ódio e intolerância, incitação à violência, divulgação de pornografia e manipulação dos fatos e disseminação de mentiras, as duas iniciativas dão a dimensão dos efeitos disruptivos da era informação ao longo das duas últimas décadas.

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Tendo surgido na transição do século 20 para o século 21, que — com seu alcance global — transformou o trabalho, modificou o papel das instituições, aumentou a velocidade do processo de inovação tecnológica, gerou novas formas de estratificação e desigualdade e abriu caminho para a acumulação dos capitais em escala global, esses efeitos disruptivos foram subestimados nos primórdios da era da informação. Naquele momento, muitos foram os especialistas em comunicação e os cientistas políticos que apontaram a organização horizontal e descentralizada das redes sociais como um avanço rumo a uma democracia digital direta, com base em consultas populares. Ou seja, como uma forma de superar os vícios da representação da chamada velha política e de consolidar a democracia como uma forma eficiente de autodeterminação coletiva.

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Não foi o que aconteceu. Ao deflagrar um processo de hiperconectividade digital, a comunicação em tempo real introduziu uma lógica de curto prazo que simplificou os debates e empobreceu a ação cívica. Gerou graves problemas de governabilidade democrática, dissipando a memória histórica, por um lado, e desvanecendo a visão do futuro, por outro. Abriu caminho para o marketing populista, para a agitação, para narrativas inverídicas ou mentirosas, para pronunciamentos golpistas, para a desinformação e para técnicas de desqualificação dos adversários. Estimulou a substituição da reflexão por reações emotivas, a disseminação de expectativas infundadas e a promessa de soluções pela descontinuidade e ruptura. E “presentificou” a vida política, dela subtraindo as ideias de aprendizagem e amadurecimento no médio e longo prazo, ao mesmo tempo em que também entrecruzou os espaços locais, nacionais e globais, pondo em xeque o alcance e a eficiência de jurisdições e fronteiras entre eles.

Em vez da formulação de novas estruturas, regras e procedimentos capazes de estimular diálogos consequentes, debates construtivos e decisões que garantissem a vontade da maioria sem desrespeitar os direitos da minoria, o que se teve foi o advento de um moralismo raso e de um sem número de pautas simplificadoras incapazes de propiciar um consenso em torno de um projeto de futuro de uma nação. Em vez de um desenvolvimento institucional nessa perspectiva, o que também se teve foi uma explosão de falas irresponsáveis e inconsequentes, de corrosão de valores morais, de um refluxo no rol das liberdades fundamentais e dos direitos humanos – enfim, um retrocesso democrático.

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