Que tal mudar o processo de nomeação para agências reguladoras?

A recente leva de nomeações para os cargos de direção das agências reguladoras federais acendeu um alerta: as escolhas estão sendo pautadas por negociações políticas, com nomes controlados sobretudo pelos presidentes da Câmara e do Senado, sem que o critério predominante seja a capacidade técnica dos indicados para liderar as atividades da agência. O fenômeno não é novo, mas escancara um problema estrutural: o modelo de nomeação de dirigentes atualmente adotado deixa as agências vulneráveis à interferência política na sua autonomia.

Desde a instalação das primeiras agências reguladoras federais, a Anatel e a Aneel, em 1997, o modelo de preenchimento dos cargos de diretores adotado nas suas leis de criação, em que todos os dirigentes são indicados pelo Executivo e aprovados pelo Legislativo, tornou-se padrão. Ele foi replicado em praticamente todas as outras agências, tanto no nível federal quanto nos estados[1]. A lógica por trás desse arranjo era garantir que, mesmo se tratando uma instituição com autonomia para decidir conforme critérios técnicos, sua direção tivesse algum grau de alinhamento com os políticos democraticamente eleitos. Mas será que esse é mesmo o único modelo de garantir representação?

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Existem alternativas. Um exemplo interessante é o modelo adotado pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs). Na Agergs, o órgão deliberativo máximo era um conselho formado por sete membros, dentre os quais três eram indicados pelo governador, um pelos consumidores, um pelos grandes usuários dos serviços regulados, um pelas concessionárias de serviços públicos, e um vinha do quadro funcional dos servidores de carreira da agência[2]. 

O modelo foi recentemente enfraquecido, com a aprovação da Lei nº 16.266, de 27 de dezembro de 2024. Agora, cinco dos sete conselheiros são indicados pelo governador, restando apenas uma cadeira para os consumidores e uma para as concessionárias. Com isso, não apenas houve a redução da diversidade de interesses representados no conselho e de perspectivas consideradas nas suas decisões, mas o colegiado ficou mais suscetível às vontades políticas de quem está no poder. Crucialmente, os indicados pelo governo passaram a ter maioria suficiente – com folga – para aprovar medidas sem precisar negociar com os demais conselheiros. 

Essa mudança segue uma tendência mais ampla de investidas que têm sido feitas por diferentes governos, em nível federal e subnacional, contra a autonomia das agências reguladoras. Tais investidas vão na contramão do que deveríamos perseguir: o fortalecimento das agências e de sua efetiva autonomia, em vez da sua fragilização. Diante disso, este talvez seja um bom momento para começarmos a refletir sobre ajustes nos elementos da estrutura institucional dessas instituições que permitiram que chegássemos a este cenário.

Um desses elementos que podemos questionar é justamente a forma de escolha dos dirigentes. Na prática, a concentração do poder de escolha nas mãos do Executivo e do Legislativo facilita o loteamento político das agências. Por que não olhamos para o modelo de composição do corpo dirigente originalmente adotado pela Agergs como uma inspiração para mudanças em nível federal? 

A vantagem principal desse tipo de modelo é que ele permite temperar a influência política direta sem comprometer a representatividade dos grupos afetados pela regulação. A diferença é que, em vez de supor que a representatividade do corpo dirigente das agências será suprida integralmente pela indicação pelo Executivo e a aprovação pelo Legislativo eleitos, ele adota uma lógica de representação mais pluralista, em que diferentes grupos impactados pela regulação contam com cadeiras no conselho. 

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A crise de confiança nas indicações para cargos de direção das agências reguladoras pode ser uma chance para revermos o modelo atual. O caso da Agergs, embora tenha sofrido mudanças recentes, demonstra que existem alternativas viáveis. A instituição de um modelo de composição do corpo dirigente mais pluralista e democrático pode ser um caminho para não apenas reforçar a autonomia das agências em relação aos governos, mas também para assegurar que elas considerem as perspectivas de grupos cujo input é importante para o desenvolvimento da regulação. 


[1] Como identificamos na pesquisa “Agências Reguladoras Estaduais – Pesquisa empírica sobre sua maturidade institucional”, desenvolvida por grupo de pesquisadores ligados ao PPGD da FGV Direito Rio.

[2] Depois da sua instituição pela Agergs, o modelo ainda foi adotado por algumas outras agências em nível subnacional, como a Agência de Regulação do Estado da Paraíba (ARPB) e a Agência Reguladora de Serviços Públicos de Santa Catarina (Aresc), embora de maneira mitigada. Nessas agências, também há um conselho com composição de representantes de diferentes setores, mas esse conselho tem competências mais reduzidas do que no modelo gaúcho; a maioria das competências executivas fica a cargo de uma diretoria cujo preenchimento se dá da mesma forma que no modelo tradicional das agências federais (indicação pelo Chefe do Executivo e aprovação pelo Legislativo).

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