A nova fronteira do STF: conciliação e mediação

A nova fronteira do STF está aberta e se chama conciliação. Matéria de fim de ano da Folha de S. Paulo, do jornalista Arthur Guimarães de Oliveira, noticia como e quanto o Supremo tem investido em conciliação.

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A rigor, conciliar no STF não é algo novo, não é algo errado e não é algo que deva, por si só, ser rechaçado. Mas, convém analisar se o tribunal está se estendendo para além do que lhe compete, sem norma adequada e sem forma alguma que lhe respalde.

A conciliação no STF: quando começou e onde estamos agora?

As conciliações no STF não são novas. Elas já aconteciam em uma série de ações e casos como Ações Civis Originárias (ACOs), Mandados de Segurança (MS), Ações Originárias (AOs). Mas essas são ações com partes e interesses contrapostos, nas quais o STF funciona como Tribunal da Federação, e não estritamente como garante da constitucionalidade das leis. Conciliações em temas e processos que envolvem conflitos federativos são muito bem-vindas.

O problema é quando essas conciliações passam ser feitas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade – em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ou em Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), por exemplo. Nesses casos, o que se busca tutelar é a compatibilidade das leis com a Constituição, e o risco é o de se acabar negociando a própria Constituição. Mais do que isso, é possível que nesses casos estejam em xeque direitos fundamentais de pessoas e grupos. E aí? Cabe conciliar os direitos fundamentais de pessoas, grupos, vulneráveis ou minorias?

E é exatamente esta fronteira que parece vir sendo aberta pela STF atualmente. 

Uma fronteira assim não surge do nada e nem se impõe de repente. É uma construção, paulatina, caso a caso, com idas e vindas. Um marco fundamental de expansão dessa fronteira nova do Supremo foi o caso da paralisação dos caminhoneiros e o tabelamento do frete no Brasil, em maio de 2018. Foi aí que pela primeira vez se viu uma conciliação em ADI ser promovida. O resultado não foi exitoso, mas a fronteira se expandiu. E não tivemos passo atrás. Ao contrário.

O caso do Marco Temporal como exemplo do que não pode e não deve ser feito

O caso do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas é o exemplo mais recente de como as conciliações no STF podem ser perigosas, especialmente para grupos vulneráveis e minoritários como são os povos indígenas. Não é que não possa sair nada de bom das conciliações que vêm sendo promovidas pelo ministro Gilmar Mendes na ADC 87, ADI 7.582, ADI 7.583, ADI 7.586 e ADO 86.

Até pode ser que algum resultado positivo exista (e tomara que exista, afinal de contas é papel do tribunal impedir mais violações aos direitos de povos indígenas!), mas elas deixam nítido como soluções negociadas exigem cuidado com o procedimento da conciliação e também com a situação e posição em que se encontram os indígenas.

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Tratei especificamente do caso do Marco Temporal e da conciliação levada a cabo num outro texto, intitulado STF: porteiro ou guardião da Constituição, escrito com uma das grandes advogadas e indigenistas do país, Carolina Ribeiro Santana. De todo modo, as audiências de conciliação têm acontecido. E o que elas nos mostram são as reproduções de déficits e problemas para a conciliação, e não a superação dessas dificuldades. 

O caso do Marco Temporal é significativo porque trata dessa nova fronteira do STF, mas agora no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade. O caso do Marco Temporal é ainda significativo porque trata de direitos fundamentais, e de uma minoria, mas sem a atenção para o que se exige de uma conciliação – a voluntariedade.

E ainda traz consigo outros velhos problemas relativos à conciliação: quem concilia? Em nome próprio, de um grupo ou de todos os afetados? Numa conciliação que envolva direitos fundamentais de minorias deve haver paridade? Como se dá a definição do funcionamento da Comissão Especial (reuniões, temas, tempo de fala, de resposta, etc.)? É definido a priori pelo ministro relator, ou deve ser construído em conjunto pelos componentes da comissão? E se houver divergência entre eles, quem decide?

Essas perguntas mostram como o caso do Marco Temporal não apenas coloca em evidência a nova fronteira da conciliação no Supremo, como também há uma série de problemas, cuidados e respostas que o Supremo ainda deve. Especialmente aos indígenas – que têm tido tanta dificuldade em ver sua existência e seus direitos respeitados.

As perguntas sobre conciliação no STF que ainda precisam ser respondidas

Se a conciliação é a nova fronteira do STF, então o que melhor podemos fazer é nos esforçar para pensarmos juntos boas e possíveis soluções para que essa nova forma de atuação jurisdicional do Supremo se dê de acordo e em respeito à Constituição.

João Trindade, defendendo em um artigo as soluções consensuais do STF, fez, inclusive, um interessante paralelo com a arbitragem no poder público. O que ontem era visto como um pecado e violação ao interesse público, hoje é visto como virtude e concretização da Constituição. Por que o mesmo não pode acontecer com as conciliações no STF?

Se estamos atentos a esse novo exercício da velha jurisdição constitucional do STF, temos o que construir. E esse caminho, se se quer dentro da Constituição e por meio dela, exige melhores respostas e menos voluntarismos. Lanço aqui, então, 10 perguntas sobre e para pensar esta nova fronteira:

  1. cabe conciliar em qualquer caso?
  2. em qualquer tipo de ação?
  3. é possível transacionar “com” e “no” controle abstrato de constitucionalidade?
  4. quem concilia? As partes/partícipes das ações?
  5. as conciliações acontecem em nome próprio, de um grupo, ou de todos os afetados?
  6. como se define e se afere a representatividade de quem concilia?
  7. é possível transacionar e conciliar sobre direitos fundamentais? De grupos vulneráveis e minorias também?
  8. a decisão pela conciliação deve ser voluntária, requerida pelas parte ou partícipes das ações do controle abstrato, ou pode ser imposta pelo ministro relator?
  9. quem faz a conciliação ou mediação no STF? O ministro, o juiz auxiliar, ou alguém escolhido pelas “partes”? É preciso ter formação específica?
  10. qual o papel do Plenário do STF nas conciliações? O de mero referendo das decisões tomadas em conciliação?

Por fim, se quisermos levar a sério a conciliação e a mediação no STF, precisamos levar a sério as distinções entre esses institutos. Afinal, conciliação não é mediação e mediação não é conciliação. São institutos diferentes, com procedimentos e técnicas diversos.

É preciso mais rigor, formal, normativo e procedimental até mesmo para se propor e defender conciliação ou mediação no STF. De todo modo, a nova fronteira já foi aberta. Temos um longo e desafiador caminho para construirmos. Vamos juntos.

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