Arbitragem expedita e mediação: as principais mudanças do novo regulamento da CBMA

O Centro de Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) divulgou regulamento de arbitragem atualizado, que passou a valer na semana passada, em 2 de janeiro. As novidades, que incluem a introdução de possibilidades como arbitragem expedita e a atuação de árbitros de emergência, prometem trazer mais celeridade aos processos e aproximar as práticas de normas internacionais, em meio ao fôlego de crescimento do mercado no Brasil e com câmaras de olho em disputas internacionais. O regulamento anterior tinha sido publicado em 2013, e o novo está disponível aqui. 

A nova arbitragem expedita, por exemplo, prevê um procedimento simplificado para disputas de menor valor econômico, com limite de R$ 3 milhões. Com prazos reduzidos e uma decisão esperada em até seis meses, o modelo visa democratizar o acesso à arbitragem, especialmente para pequenas e médias empresas. Atualmente, a tendência observada nas principais câmaras arbitrais do país sugere que a maioria dos procedimentos envolve disputas de valores significativamente superiores. Por exemplo, a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) registrou, em 2020, uma média de R$ 393,7 milhões por procedimento. 

No entanto, a prática expedita tem conquistado espaço no Brasil, segundo dados da pesquisa Arbitragem em Números, realizada pela professora Selma Ferreira Lemes. Em 2021, foram processadas 33 arbitragens pelo rito expedito, enquanto em 2022 foram 21 casos, com tempo médio de 6,5 meses. No ano passado, foram reportados 25 casos administrados por cinco câmaras. O valor total das disputas envolvidas foi superior a R$ 29 milhões, e a duração média desses procedimentos foi de 5,5 meses. As matérias abrangidas incluem questões trabalhistas, empresariais, contratos de franquia, afretamento e pagamento de royalties. 

“Uma grande sacada que a CBMA teve no caso da arbitragem expedita é o uso de um árbitro só, ao invés de um painel de 3”, diz Marcos Fioravanti, sócio da área de Contencioso & Arbitragem do Vieira Rezende Advogados. “Você dá celeridade ao procedimento, ele é mais barato. Outro trunfo é o questionário para o árbitro, uma das perguntas é sobre a disponibilidade de tempo, o que garante que ele possa lidar com o processo.”

Outra inovação que visa a aceleração dos processos foi a criação da figura do Árbitro de Emergência. Esse árbitro pode decidir medidas cautelares ou preparatórias antes mesmo da constituição do tribunal arbitral, em situações urgentes, como a proteção de ativos ou a suspensão de ações prejudiciais. Embora seja uma ferramenta útil, sua aplicação prática pode enfrentar desafios, especialmente em arbitragens internacionais, onde a execução de decisões provisórias depende de colaboração entre sistemas jurídicos.

No Brasil, a adoção desse mecanismo é recente. Em 2021, foram registrados 9 procedimentos envolvendo árbitros de emergência no país, segundo o Anuário da Arbitragem no Brasil, publicado pelo CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados). Dois anos depois, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) administrou 3 procedimentos de árbitros de emergência. Internacionalmente, diversas instituições arbitrais já incorporaram o árbitro de emergência: por exemplo, a Câmara de Comércio Internacional (CCI) prevê esse mecanismo desde 2012, e a Corte Internacional de Arbitragem de Londres (LCIA) o adotou em 2014.

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Com a rapidez como um dos grandes atrativos da arbitragem, há também a necessidade de equilíbrio com o cuidado e tecnicidade do processo, especialmente em casos mais complexos, que garanta a credibilidade e aceitação da sentença arbitral. “Tentamos encurtar os prazos naquilo que é possível, mas não em tudo, a adaptabilidade é a beleza do processo”, diz Antônio Siqueira, vice-presidente da CBMA. “Câmaras e árbitros devem olhar para essa rapidez, mas sempre preservando o processo justo, o direito ao contraditório”, diz Fioravanti, do Vieira Rezende Advogados. 

Transparência

Além de alterações que priorizam a celeridade, outras trouxeram enfoque à transparência. Por exemplo, com a exigência de revelação de financiadores externos. As partes agora devem informar sobre financiamentos de terceiros, e as partes devem declarar a identidade do financiador e os termos do acordo. Essa medida visa garantir que os árbitros possam avaliar potenciais situações de parcialidade, protegendo a integridade do processo. 

Outra mudança relevante é o fortalecimento das regras sobre confidencialidade e proteção de informações sensíveis, um ponto do processo arbitral que geralmente levanta a resistência de agentes econômicos. O regulamento agora permite que o tribunal arbitral adote medidas específicas para proteger segredos comerciais e dados confidenciais. Além de preservar os interesses econômicos das partes, essa regra também contribui para a transparência ao estabelecer limites claros sobre o que pode ou não ser divulgado, evitando acusações de uso indevido de informações. Essa transparência estruturada promove maior confiança entre os participantes, ao mesmo tempo em que reduz o risco de litígios paralelos sobre a gestão de informações.

Além disso, a previsão de possibilidade de integrar partes adicionais ao procedimento arbitral antes da constituição do tribunal também garante que todos os envolvidos relevantes sejam formalmente incluídos no procedimento, evitando decisões que possam ser questionadas por falta de participação de partes interessadas. A integração deve ser justificada e aprovada pelo tribunal arbitral, que analisará critérios como a conexão jurídica entre os envolvidos. Por outro lado, a providência pode complicar a fase inicial do procedimento, especialmente se houver resistência à inclusão de novas partes.

Consensualidade

O novo regulamento do CBMA também busca promover a mediação como uma alternativa ou complemento à arbitragem. Uma das principais inovações é a inclusão das chamadas “janelas de mediação”, períodos específicos dentro do cronograma arbitral destinados à tentativa de negociação entre as partes. A medida é particularmente eficaz em casos onde o relacionamento comercial entre as partes é valioso e pode ser preservado por meio de um acordo amigável.

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Outra medida que demonstra o incentivo à mediação é a possibilidade de suspensão temporária da arbitragem enquanto as partes buscam uma solução consensual. Nesse cenário, a arbitragem é pausada, e um mediador é nomeado para conduzir as negociações. Caso as partes cheguem a um acordo, o procedimento arbitral pode ser encerrado ou adaptado para refletir o pacto. Essa abordagem reduz custos e prazos, ao evitar que questões consensuais sejam tratadas judicialmente. Apesar dos benefícios, há um risco de que a suspensão prorrogue a duração total do procedimento, caso as negociações não sejam bem-sucedidas.

Além disso, o regulamento incentiva os árbitros a atuarem como facilitadores no encaminhamento das partes à mediação. Embora os árbitros não conduzam diretamente as negociações, eles podem propor a mediação como um mecanismo eficaz para resolver questões específicas ou até mesmo o conflito como um todo. Essa prática reflete a crescente integração entre mediação e arbitragem, alinhando-se a uma tendência global de métodos híbridos de resolução de disputas. 

Desafios

À medida que a arbitragem ganha popularidade para resoluções de conflitos no Brasil, os desafios em torno dos procedimentos se tornam mais evidentes também, diz Ricardo Gama, sócio da área de Resolução de Conflitos do Veirano Advogados. “É um mercado que existe há pouco mais de 20 anos no Brasil, e que cresceu de fato nos últimos 10, 15”, diz. “Agora vemos os problemas a serem enfrentados. Há menção à litigância predatória na nova regulação, por exemplo”, complera. No novo regulamento, a introdução de penalidades para condutas protelatórias representa um esforço para evitar atrasos nos procedimentos. Os árbitros agora têm maior liberdade para impor sanções a comportamentos que comprometam a eficiência do processo. 

Segundo Siqueira, do CMA, as perícias ainda constituem um dos gargalos para as arbitragens. Com a nova regulamentação, agora, o tribunal arbitral tem a prerrogativa de definir os critérios para a nomeação de peritos, incluindo o prazo para entrega dos laudos e as instruções sobre os quesitos a serem respondidos. As partes também podem propor quesitos ao perito e apresentar contraprovas, para trazer equilíbrio ao processo. 

“A dificuldade de números de peritos, por exemplo, para atender à demanda é um ponto brasileiro, assim como a litigância extremamente agressiva também é extremamente tupiniquim”, diz Siqueira. “Olhamos sempre as boas práticas de fora, mas temos de olhar atentamente para o que está acontecendo aqui, são problemas particulares.”

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