MP recomenda redistribuição de livros sobre mulheres cientistas que haviam sido recolhidos após denúncia de vereador em São José; entenda


No mês passado, Prefeitura havia recolhido livros das salas de leitura das unidades escolares joseenses. Livro ‘Meninas sonhadoras, mulheres cientistas’ deve voltar às salas em São José dos Campos (SP)
Reprodução/Editora Mostarda
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) recomendou, nesta quarta-feira (10), que a Prefeitura de São José dos Campos redistribua o livro “Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas” nas salas de leitura do município.
O livro havia sido recolhido das salas de leitura das unidades de ensino de São José em junho. À época, a Prefeitura disse que o conteúdo seria reavaliado pela equipe técnica da Secretaria de Educação e Cidadania.
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O recolhimento do livro aconteceu após uma denúncia do vereador Thomaz Henrique (PL). Na ocasião, ele alegou que uma das mulheres citadas no livro, a antropóloga Débora Diniz, “é reconhecidamente a maior apologista da legalização e descriminação do aborto no Brasil”.
Escrito por Flávia Martins de Carvalho, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo e juíza auxiliar do Supremo Tribunal Federal, o livro foi lançado em 2022. A obra homenageia, por meio de poesias, a história de 20 mulheres ao todo, em sua maioria mulheres negras e brasileiras, que atuam em diferentes áreas profissionais.
Uma das homenageadas no livro “Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas” é a antropóloga Débora Diniz. Outra, é a Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro que foi assassinada em 2018, por exemplo.
Para o vereador Thomaz Henrique, a presença de uma figura política configura doutrinação ideológica. Marielle era do PSOL, partido de esquerda. Já Thomaz, trocou o Novo pelo PL, dois partidos de direita.
O livro tem classificação indicativa para crianças a partir de 3 anos. Ele não era usado em sala de aula, como um livro didático, mas estava disponível nas salas de leitura das escolas municipais de São José.
Sobre Débora Diniz, o livro traz em um trecho o seguinte poema:
“Hoje, longe do Brasil
Defende com a razão
O direito de mulheres
Quererem ser mãe ou não
Isso tem um nome próprio:
Direitos reprodutivos
Em muitos lugares do mundo
Já não tapam os ouvidos
Quando as mulheres unidas
Dizem que vão decidir
O que fazer com os seus corpos
Sem o Estado intervir”.
Na recomendação do MP, a promotora Daniela Vidal Milioni Gonçalves apontou que “a inutilização de material didático distribuído com dispêndio de recursos públicos, sem forte fundamento jurídico, pode caracterizar ato de improbidade administrativa”.
No documento, a promotora ainda citou que a Constituição Federal veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística e que “o recolhimento do citado livro pode configurar censura, violando direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, uma vez que inexistiu motivação idônea para tanto”.
A recomendação é que a Prefeitura volte com os livros nas salas de leitura num prazo de até 15 dias. Caso não seja cumprido, haverá adoção das medidas judiciais cabíveis.
O presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB de São Paulo, Henderson Furst, explicou que direitos reprodutivos e aborto não são sinônimos.
“Direitos reprodutivos são direitos que foram reconhecidos ao longo da história da humanidade, por conta de uma série de abusos e violações contra a integridade de pessoas individualmente e de famílias. O aborto é um dos tópicos que diz respeito aos direitos reprodutivos. Confundir uma coisa com outra é uma confusão histórica, semântica, filosófica, política, muito grande e grave. Demonstra até uma ignorância em relação ao tema, que não deveria existir”, afirmou.
O que dizem os envolvidos
À época do recolhimento, a Editora Mostarda, responsável pelo livro, repudiou “qualquer tipo de censura” e alegou defender “que obras que promovem o pensamento crítico e o exercício da cidadania devem permanecer nas escolas, sem quaisquer impedimentos de ordem autoritária”.
Nesta quinta, por meio de nota, a Editora Mostarda informou que “acredita que todos os esclarecimentos foram feitos e espera que, em breve, os livros estejam de volta às salas de leitura”.
Em entrevista para a TV Vanguarda, o vereador Thomaz Henrique (PL) informou que acredita que o livro incentiva o aborto.
“No poema que trata da Débora Diniz há uma série de palavras, de dimensões que direcionam de forma subjetiva ao aborto. A defesa do aborto legal e descriminalizado. Então, por conta disso, a gente entendeu que era um conteúdo impróprio, também por a gente discordar desse posicionamento dessa senhora, mas também por ser um conteúdo precoce pra crianças de 5ª série e por isso nós denunciamos esse livro como um livro que havia apologia ao aborto, doutrinação ideológica e pedimos a retirada deles das escolas”, afirmou o vereador.
O g1 acionou a Prefeitura de São José dos Campos e o Ministério Público, mas, até a publicação desta reportagem, não obteve retorno. A reportagem será atualizada caso os órgãos se manifestem.
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