O lobby, da opacidade à transparência

A regulação do lobby (ou seja, da representação de interesses diante de agentes públicos com o objetivo de influenciar a tomada de decisão) tem sido discutida no Congresso Nacional já há bastante tempo.

Uma proposição legislativa, apresentada pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP) em dezembro de 2007 (originalmente, PL 1202), está em tramitação ainda hoje, após ser aprovada na Câmara dos Deputados e ser remetida ao Senado – onde, agora, segue como PL 2914/2022.

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Ao longo da tramitação, o projeto foi alterado diversas vezes e sua versão mais recente veio na forma de substitutivo apresentado em 2024 pelo senador Izalci Lucas (PL-DF), relator do projeto na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado.

Por que regular o lobby? As razões são múltiplas, mas o problema principal é que a representação de interesses, apesar de importante para a democracia, costuma ser exercida de forma bastante opaca, gerando desconfiança. Essa falta de transparência difunde a percepção de que o lobby frequentemente envolve práticas ilícitas, como a corrupção e o tráfico de influência, sendo a obscuridade um meio de ocultar os ilícitos.

Diante disso, uma das principais preocupações da proposta legislativa em trâmite é garantir transparência e, consequentemente, probidade às relações entre representantes de interesse e autoridades públicas, legitimando o diálogo entre agente público e representante de interesse. Ao mesmo tempo, a transparência permite mapear quem está tentando influenciar quem, quando e como, viabilizando o acompanhamento e a avaliação do lobby e dos seus impactos na atividade legislativa, com atenção especial para eventuais conflitos de interesse.

O PL pretende atingir esses objetivos estabelecendo sistemas de registro e divulgação de informações sobre os representantes de interesse e sobre suas audiências com agentes públicos. O desenho adequado desses sistemas é condição para que a lei seja efetiva, garantindo que informações importantes sejam devidamente registradas e acessíveis.

Este artigo visa justamente expor o desenho tal como concebido pelo substitutivo de 2024 e comentar suas possíveis consequências para a efetividade da legislação.

Registro do lobby: sistema descentralizado e credenciamento opcional

O substitutivo prevê um sistema descentralizado de registro e divulgação de informações sobre a representação de interesses que contempla informações obrigatórias mínimas sobre todas as audiências realizadas e um credenciamento opcional, pelo qual o representante de interesses apresenta mais detalhes sobre sua atuação profissional.

Quanto às informações obrigatórias mínimas, elas devem ser fornecidas pelo representante para o agente público por escrito após a audiência (Art. 10, I, c). Por sua vez, o agente público encaminha tais informações ao órgão de que faz parte para divulgação (Art. 10, II, d) e, por fim, o órgão disponibiliza esses dados em sistema próprio por pelo menos cinco anos (Art. 10, III).

As informações contempladas são: a data e a duração da audiência; o nome e o cargo do agente público; o nome do representante de interesse; a identificação do cliente representado; os documentos compartilhados; as despesas realizadas pelos representantes de interesse, inclusive com brindes e hospitalidades legítimas oferecidas (Art. 11, §1º, II). No caso de certos agentes públicos, como o chefe do Executivo, ministros e parlamentares, a própria autoridade é responsável pelo registro das informações (Art. 11, §2º).

Quanto ao credenciamento opcional, o representante de interesses pode solicitá-lo perante os órgãos e entidades do poder público em que atuará (art. 11, caput e § 1º). Nesse caso, as informações adicionais contemplam: dados de contato, áreas de atuação e objetivos, beneficiários mediatos e imediatos da atividade, indicação das fontes de financiamento de sua atuação e informações sobre seus vínculos empregatícios atuais e pretéritos.

O desenho de tal sistema resultou de pelo menos duas discussões importantes sobre o modelo de registro e disponibilização de informações. A primeira foi sobre se o credenciamento ou cadastro prévio do representante de interesses deveria ser ou não condição para sua atuação diante de agentes públicos. A segunda foi sobre se os registros das audiências e dos dados dos representantes deveriam ser divulgados em sistema unificado ou descentralizado.

Sobre esse primeiro ponto, em seu parecer justificando o desenho adotado e a rejeição de algumas emendas, o senador Izalci defendeu que “a exigência de cadastro prévio não possuiria impacto significativo sobre a transparência da interação entre os representantes de interesse e os agentes públicos”.

O problema decorrente desse desenho é que ele aparentemente não oferece incentivos para que o credenciamento opcional seja realizado. Se o representante de interesse pode atuar fornecendo apenas o mínimo de informações, por que iria expor todos os detalhes de sua atuação profissional publicamente?

O problema da falta de incentivos para o cadastro não é novo, tendo sido apresentado por exemplo em relatório da OCDE que realizou estudo comparativo da legislação de lobby em diversos países. Na prática, isso significa que provavelmente não teremos informações detalhadas sobre o escopo de atuação da maioria dos representantes de interesse, mas apenas as informações mínimas obrigatórias.

A questão passa a ser, portanto, se as informações obrigatórias seriam suficientes para satisfazer os objetivos de assegurar transparência e permitir uma avaliação do lobby e, especialmente, dos conflitos de interesse. Não nos parece que a discussão a respeito das informações a serem divulgadas e de sua relevância tenham sido realizadas a contento e carecem de maturação, o que pode levar inclusive à revisão da obrigatoriedade do cadastro ao menos em algumas situações.

Informações mais detalhadas poderiam ser obrigatórias em determinados contextos sensíveis, como a depender do setor regulado, do órgão público e das autoridades com quem se tem contato (o que o Relatório da OCDE denomina registro de informações de dois níveis).

Algumas informações que parecem ser relevantes demais para serem relegadas a um cadastro opcional são, por exemplo: (i) quais os objetivos da atuação do representante de interesses (uma informação muito básica); (ii) se o representante de interesse já atuou como agente público anteriormente, em que cargo e em que período (para avaliar o fenômeno da “porta giratória” – revolving door); e (iii) se a representação de interesses beneficia outros que não apenas o cliente direto do representante (para avaliar se os verdadeiros patrocinadores do lobby não estão sendo ocultados).

Sobre a descentralização do sistema, foram rejeitadas emendas de outros parlamentares presentes na CTFC que sugeriram que a divulgação dos registros das audiências e dos representantes deveria ser centralizada em uma única base de dados de acesso público. O substitutivo prevê, assim, que cada órgão ou entidade deverá ter seu próprio meio de divulgação das informações coletadas, decisão essa que não foi justificada de forma clara pelo relator.

Aqui, o prejuízo para o fim de transparência é evidente. Um sistema único para divulgação de informações reduziria as barreiras a serem superadas pela sociedade civil para monitoramento dos agentes privados e públicos envolvidos.

Curiosamente, a proposta prevê a existência de um cadastro único, de âmbito federal, de representantes de interesse punidos com suspensão (art. 21). Para além do fato de que a sanção de suspensão tem efetividade duvidosa (se não há exigência prévia para a realização de audiências, como o representante será impedido de se encontrar com o agente público?), questiona-se qual seria a vantagem ou razão de estabelecer um sistema descentralizado de transparência se já está prevista a instituição de um sistema centralizado para alguns casos.

Se as entidades que integram o poder público já seriam obrigadas a alimentar o cadastro de representantes suspensos (art. 21, § 2º), por que não poderiam alimentar o mesmo sistema com dados das audiências?

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O fácil acesso aos dados divulgados é condição para a transparência significativa. De nada adianta registrar informações sobre as audiências realizadas entre agentes públicos e privados se o acesso se torna custoso por seu público-alvo, aqueles que farão uso da informação para controlar o lobby e prevenir práticas ilícitas.

Conclusão

O desenho do sistema de transparência incluído na versão mais recente do PL 2914 levanta não só algumas inquietações sobre seu potencial de garantir maior transparência, segurança e probidade ao lobby, mas também sobre a qualidade do debate legislativo.

Não encontramos, no parecer que introduziu o substitutivo em análise, justificativas suficientes para o estabelecimento do sistema proposto. Não há discussão aprofundada sobre as informações mínimas obrigatórias, tampouco sobre contextos sensíveis no qual informações aprofundadas seriam exigíveis.

Não ficou clara, também, a vantagem do modelo descentralizado de divulgação das informações. Emendas que propunham um sistema centralizado foram rejeitadas sem justificativa explícita pelo relator, o que é incoerente se considerarmos que a proposta adotou um modelo de cadastro único para representantes suspensos.

A identificação e seleção justificada dos caminhos possíveis para a realização dos objetivos da proposta é uma das partes mais importantes do debate legislativo, pois é a partir dessas decisões que a lei toma forma como uma ferramenta com verdadeiro potencial de produzir efeitos desejados.

Por mais que haja consenso sobre a necessidade de conferir maior transparência ao lobby, é necessário maior cuidado na discussão sobre como fazer isso. As questões levantadas dizem respeito aos objetivos centrais da legislação e merecem a devida atenção.

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