Multa por informações incorretas, inexatas ou omitidas: jurisprudência do Carf

Define-se como acessório aquilo que não é principal; adicional, secundário, dispensável; complemento não essencial. Em matéria tributária, o conceito legal de “obrigação acessória” refere-se àquelas “prestações, positivas ou negativas, previstas na legislação, no interesse da arrecadação ou da fiscalização” (art. 113 do CTN). No dia a dia dos contribuintes, tal definição se traduz na “sopa de letrinhas”: SPED, EFD, ECF, DCTF, eSocial, DIRPF, DAS, dentre tantas outras.

Tais declarações refletem a atual profundidade da produção normativa dos fiscos, com crescimento substancial de normas que estabelecem deveres e obrigações e impõem multas e penalidades, como aponta estudo desenvolvido por pesquisadores da FGV, que examina a produção normativa da Receita Federal em 13.273 atos normativos entre os anos de 1988 a 2020 (e pode ser consultado aqui).

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A densificação dessa interação fiscal relaciona-se com a própria complexidade da sociedade e o aperfeiçoamento da tecnologia e da capacidade fiscalizatória, mas impacta diretamente no custo de conformidade, não só do valor monetário do tributo propriamente dito, mas também quanto aos custos operacionais da conformidade.

Em outras palavras, portanto, no atual cenário da relação fisco-contribuinte, estas obrigações pouco (ou nada) têm de meramente acessórias.

Para fins deste texto, interessa-nos, em especial, as multas previstas nos artigos 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977 e artigo 57, III, da MP 2.158-35/2001.

O artigo 8º-A, II, prevê que “o sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8º (“livro de apuração do lucro real”), ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões”, fica sujeito à multa de 3% do “valor omitido, inexato ou incorreto”[1].

Já o artigo 57, III, estabelece que “o sujeito passivo que deixar de cumprir as obrigações acessórias exigidas ou que as cumprir com incorreções ou omissões” sujeita-se à multa de 3% do “valor das transações comerciais ou das operações financeiras[2].

A similaridade entre o texto das diferentes penalidades[3] gera sensível dúvida quanto à abrangência e limite de aplicação de uma ou outra. Ainda, é possível que alcancem valores bastante significativos, considerando que – em uma interpretação mais literal – incidem sobre o “valor das transações” ou o “valor omitido, inexato ou incorreto”.

Não surpreende que tais multas sejam objeto de intenso questionamento na esfera administrativa. De fato, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) vem se debruçando com maior frequência sobre tais penalidades.

Muito embora o Carf não possa apreciar os vieses constitucionais de tais imposições – proporcionalidade, razoabilidade e caráter confiscatório, por exemplo, de apreciação vedada pela Súmula Carf 2[4] – é possível ao órgão analisar a imposição de penalidades sob outros enfoques, para além da Constituição e do caráter objetivo da infração.

Um primeiro viés enfrentado pelo Carf diz respeito à capitulação legal. Há precedentes no sentido de que a multa prevista no art. 8º-A do Decreto-Lei 1.598/1977 se aplica apenas às incorreções que digam respeito a informações do LALUR, isto é, ao Bloco M da ECF. Incorreções relativas a outras partes da ECF (outros blocos) não se enquadrariam no dispositivo em questão.

Nesse sentido é o Acórdão 1101-001.401: “apenas uma incorreção, omissão ou inexatidão no Livro de Apuração do Lucro Real – LALUR, isto é, Bloco M da ECF, é que pode ensejar a aplicação da penalidade”. No mesmo sentido, o Acórdão 1401-007.029, ao afirmar: “a multa regulamentar a que se refere o artigo 8º-A faz referência a omissões no LALUR”, excluindo multa por incorreções do Bloco X. No Acórdão 1301-007.728, afastou-se a multa em questão em incorreções no Livro de Apuração da Contribuição Social (LACS). Já em sentido contrário, o Acórdão 1401-007.386 apontou cabível a multa em questão para inexatidão de preenchimento do Bloco L, externo ao LALUR.

Já quanto à aferição do elemento quantitativo da penalidade, o Carf reputou incabível a multa do art. 8º-A em caso no qual o erro se deu apenas na data do fato contábil. Trata-se do Acórdão 1301-006.987, em que, estando corretos os valores contábeis, “impede-se a aplicação da sanção, pois ausente o critério quantitativo. Não havendo valor inexato na ECF, não há penalidade a ser aplicada”.

Já o Acórdão 1201-006.195 apontou descabido o agrupamento de lançamentos contábeis pela fiscalização, em função da impossibilidade de quantificação adequada. E, no Acórdão 1301-007.558, em que o contribuinte demonstrou a metodologia adotada, concluiu-se: “havendo demonstração de que os valores foram informados corretamente na escrituração, ainda que pelo total em conta contábil genérica, não subsiste o critério quantitativo de aplicação da multa”.

Outro enfoque é o aspecto procedimental, uma vez que a legislação prevê a intimação do contribuinte para sanar a irregularidade, inclusive com redução da multa em caso de correção. O Carf afastou o lançamento no Acórdão 1101-001.356, em que se registrou a necessidade de “intimação prévia do contribuinte para retificação da obrigação acessória antes do lançamento da penalidade, a fim de que se possa definir a multa cabível a cada hipótese infracional”. No mesmo sentido o Acórdão 1101-001.481. O saneamento da irregularidade, após intimação, ensejou ainda o afastamento da penalidade do art. 57 no Acórdão 3301-014.259.

Relevantes são as decisões do Carf que se fundamentam na impossibilidade de cobrar-se a multa regulamentar em decorrência de mera divergência de entendimento entre fisco e contribuinte. No Acórdão 1302-006.413, o colegiado apontou que “não pode ser considerada como incorreção, para fins de aplicação da penalidade prevista no Artigo 8º-A, a divergência entre o contribuinte e a fiscalização, na interpretação da legislação tributária”, quanto à quitação de estimativa mensal do IRPJ mediante compensação com imposto retido no exterior.

Sob o mesmo fundamento (Acórdão 1401-007.001), consignou-se: “não há como tipificar a postura adotada pela Recorrente com base na interpretação da aplicação dos tratados internacionais que entende válida, como omissão ou incorreção”. No mesmo sentido o Acórdão 1401-007.299: “A divergência de interpretação da legislação tributária não é apta a ensejar a multa por informação incorreta na ECF”.

Já na Terceira Seção, o Acórdão 3102-002.523 rechaçou a penalidade do art. 57 sob a justificativa de que “não deve subsistir a multa quando as divergências encontradas pela Autoridade decorrem de divergência na interpretação da legislação tributária”. Nessa linha, o Acórdão 3202-002.371 consignou que “a negativa de direito sobre o aproveitamento de créditos resulta na sua glosa e não em multa por omissão ou informação incorreta”.

Outro viés diz respeito à impossibilidade de concomitância da multa regulamentar com o lançamento de ofício e a correspondente multa. Apontou-se no Acórdão 1101-001.325): “se das informações inexatas originaram autos de infração das contribuições com as respectivas multas de ofício, não cabe a aplicação concomitante da multa por informações inexatas”, em caso envolvendo a penalidade do art. 8º-A.

A respeito da penalidade do art. 57, o Acórdão 1101-001.385 afirmou ser indevida a multa regulamentar, “quando essa inexatidão, incompletude ou omissão motivou o lançamento de tributos”.  Ainda, o Acórdão 1101-001.481, em que se decidiu: “aplicar a penalidade prevista no art. 8ºA sobre a mesma materialidade que ensejou o lançamento de ofício configura bis in idem, vedado pela legislação”. No mesmo sentido o Acórdão 1201-007.168.

Tais precedentes evidenciam que, embora haja alguma restrição à apreciação de matérias relativas a penalidades decorrentes de obrigação acessória, em face do seu caráter objetivo e da vedação ao afastamento de lei por inconstitucionalidade pelo julgador administrativo, há outros vieses de análise que podem – e devem – ser enfrentados no âmbito do Carf e que demandam atenção dos contribuintes.


[1] Art. 8o-A.  O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8o, nos prazos fixados no ato normativo a que se refere o seu § 3o, ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas:

II – 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incorreto

[2] Art. 57. O sujeito passivo que deixar de cumprir as obrigações acessórias exigidas nos termos do art. 16 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, ou que as cumprir com incorreções ou omissões será intimado para cumpri-las ou para prestar esclarecimentos relativos a elas nos prazos estipulados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e sujeitar-se-á às seguintes multas:

III – por cumprimento de obrigação acessória com informações inexatas, incompletas ou omitidas: (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)

  1. a) 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor das transações comerciais ou das operações financeiras, próprias da pessoa jurídica ou de terceiros em relação aos quais seja responsável tributário, no caso de informação omitida, inexata ou incompleta;

[3] Às multas em questão soma-se ainda, por exemplo, aquela prevista no art. 12, II, da Lei 8.212/1981, que prevê multa de 5% sobre o “valor da operação correspondente” na omissão ou incorreção de informações relativas a “arquivos digitais e sistemas”, limitada ao valor máximo de 1% da receita bruta.

[4] Súmula 2 do CARF: O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária

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