Entenda o que muda com o PL do licenciamento ambiental que será votado no Senado

O plenário do Senado deve votar, nesta quarta-feira (21/5), o projeto de lei que institui o novo marco legal para o licenciamento ambiental (PL 2159/2021). Em linhas gerais, a proposição unifica normas e flexibiliza o processo pelo qual o poder público autoriza e controla atividades que possam causar impacto ao meio ambiente. A tramitação do projeto é acompanhada por uma discussão longa no Congresso que contrapõe setores do agronegócio e empresariais a ambientalistas, que apelidaram o texto de “mãe de todas as boiadas”.

Antes de chegar ao plenário, o projeto foi aprovado na terça-feira (20/5) pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) e pela Comissão de Reforma Agrária (CRA). O PL foi analisado simultaneamente pelos dois colegiados, com a relatoria de Confúcio Moura (MDB-RO), na CMA, e de Tereza Cristina (PP-MS), na CRA. No início do mês, os senadores apresentaram um texto comum nas duas comissões. A versão convergente tem 61 artigos divididos em três capítulos. Desde que chegou ao Senado, em 2021, a proposição já recebeu 94 emendas. O projeto tem origem no Câmara, onde foi proposto, em 2004, pelo ex-deputado Luciano Zica — à época parlamentar pelo PT de São Paulo, hoje filiado ao PV.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

É pelo licenciamento ambiental que o poder público autoriza a instalação, ampliação e operação de empreendimentos que utilizam recursos naturais ou podem causar impacto ao meio ambiente. A Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938 em 1981, prevê os casos em que o instrumento deve ser exigido, mas, na prática, a regulamentação ainda depende de normas infralegais.

A maior parte das regras atualmente em vigor, como os tipos de licença e os procedimentos exigidos, estão estabelecidas por resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A justificativa dos defensores do projeto é que uma lei geral deve proporcionar maior segurança jurídica e facilitar o processo com a unificação de métodos e informações.

O que muda?

Dispensa: o projeto permite que empreendimentos de pequeno e médio porte, com potencial poluidor igualmente classificado como baixo ou médio, sejam dispensados de licença ambiental com base em informações autodeclaradas pelo empreendedor. Nesses casos, será possível recorrer à Licença por Adesão e Compromisso (LAC), atualmente existente apenas na esfera estadual.

Segundo o relatório, a LAC poderá ser aplicada a obras de ampliação de capacidade e pavimentação em instalações já existentes ou em faixas de domínio e servidão, além de dragagens de manutenção. Em outros tipos de empreendimento, caberá ao poder público decidir se essa modalidade é adequada. O texto também determina que a autoridade ambiental realize vistorias anuais por amostragem para verificar a regularidade dos empreendimentos licenciados via LAC.

Um dos pontos mais controversos do relatório é a possibilidade de dispensa de licenciamento ambiental para atividades agropecuárias. São os casos em que elas se encaixam em alguma das seguintes quatro categorias: cultivo de espécies agrícolas (sejam temporárias, semiperenes ou perenes), pecuária extensiva e semi-intensiva,  criação de animais de pequeno porte e pesquisas agropecuárias que não envolvam risco biológico.

Segundo o texto, essa dispensa só poderá ser aplicada a propriedades e posses rurais que estejam regularizadas ou em processo de regularização. Ainda assim, mesmo nos casos em que o licenciamento for dispensado, os responsáveis pelos empreendimentos continuam obrigados a cumprir outras exigências legais, como obter autorização para supressão de vegetação nativa, outorga de uso de recursos hídricos e demais licenças previstas na legislação.

A proposta também isenta os empreendimentos militares.

Infraestrutura: Os relatores modificaram o trecho da versão do projeto aprovada na Câmara que trata da Licença de Instalação (LI) para empreendimentos lineares. Isto inclui rodovias, ferrovias, linhas de transmissão, cabos de fibra ótica, subestações e outras infraestruturas associadas.

A nova redação permite que a LI inclua, a pedido do empreendedor, condicionantes que autorizem o início da operação imediatamente após a conclusão da fase de instalação. Para isso, será necessário apresentar um termo que comprove o cumprimento dessas condicionantes, assinado por um responsável técnica.

Licenças: O projeto traz, pela primeira vez, a LAC a nível federal. De natureza autodeclaratória, a licença é uma modalidade simplificada voltada a empreendimentos classificados como de pequeno ou médio porte e com baixo ou médio potencial poluidor. Além disso, o projeto autoriza o uso da LAC para licenciar serviços e obras de ampliação de capacidade e pavimentação em instalações já existentes ou localizadas em faixas de domínio e servidão. Os relatores também incluíram, nesse mesmo escopo, as dragagens de manutenção.

O projeto cria também a Licença Ambiental Única (LAU). A modalidade consolida, em uma única etapa, a autorização para instalação, ampliação e operação de empreendimentos, incluindo a aprovação das medidas de controle e monitoramento ambiental. Quando necessário, a LAU também pode estabelecer condicionantes para a desativação da atividade. No procedimento simplificado previsto pelo texto, a LAU pode ser aplicada isoladamente ou na forma de uma licença bifásica, que reúne duas etapas do licenciamento em um único ato administrativo.

Pena: O PL endurece as punições previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) para quem executar obras ou atividades potencialmente poluidoras sem a devida licença ambiental, ou em desacordo com as normas legais e regulamentares. Atualmente prevista de dois meses a um ano de detenção, a proposta eleva a pena para um intervalo de seis meses a dois anos de detenção. Mantém a possibilidade de aplicação de multa, isolada ou cumulativamente. O texto ainda estabelece que a pena poderá ser dobrada nos casos em que o empreendimento exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA).

Indígenas e quilombolas: O texto não considera como Terras Indígenas e territórios quilombolas áreas cuja regularização não foi concluída, de modo que não seriam consideradas para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que causem impacto nessas áreas. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto.

No seu relatório à CRA, Tereza Cristina defendeu que o projeto garante “segurança jurídica e a previsibilidade para atração de investimentos e indução de desenvolvimento econômico e social para o País, sob bases sustentáveis”. Para Confúcio Moura, o texto resolve uma questão que é, hoje, uma “bagunça” no país.

Ambientalistas criticam “inconstitucionalidades”.

O Observatório do Clima enviou ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), uma carta aberta contra a aprovação do PL 2159/21. A rede, composta por 130 organizações, incluindo Greenpeace, WWF e Oxfam Brasil, diz que a proposta é uma das mais prejudiciais ao meio ambiente em discussão no Congresso nas últimas quatro décadas.

Um dos principais alvos da crítica é a ampliação da LAC. O grupo cita a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu que a modalidade só pode ser aplicada a atividades de baixo risco. A discussão ocorreu no Supremo nos julgamentos da “Pauta Verde”, conjunto de ações analisadas pela Corte que tinham tratavam da proteção ambiental.

A dispensa de licenciamento para um série de atividades agropecuárias é outro ponto considerado inconstitucional pelo Observatório, que também menciona precedentes do Supremo que reconhecem a possibilidade de impactos relevantes em atividades do setor.

Para a rede, a proposta também desarticula a gestão ambiental ao desvincular o licenciamento da necessidade de outorga para uso da água e de autorização para uso do solo. Em um dos artigos do PL, há a previsão de que o licenciamento ocorra de forma isolada, sem considerar a disponibilidade hídrica ou os impactos sobre o uso da terra, o que pode acirrar conflitos e comprometer a segurança hídrica.

As organizações consideram que o texto propõe limitar a responsabilidade do empreendedor em relação a danos causados pela sua própria atividade, inclusive em casos de grandes obras que estimulam desmatamento e sobrecarregam serviços públicos.

Na carta, dizem ainda que a aprovação do projeto não vai de encontro com o Acordo de Paris e que pode comprometer a credibilidade do Brasil no cenário internacional às vésperas da COP30, que ocorre no final do ano em Belém (PA).

“O país se prepara para sediar a COP30, um evento que deixa o Brasil no centro das atenções da comunidade internacional. A aprovação desse projeto vai comprometer seriamente a credibilidade ambiental do país. O texto sequer menciona a palavra ‘clima’ e, se aprovado, poderia impedir o cumprimento das metas de redução de emissões assumidas pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris”, afirmam.

Se aprovado no Senado, o projeto seguirá para sanção presidencial. Caso passe por modificações na Casa, deverá voltar à Câmara dos Deputados.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.