As concessões de serviços públicos são uma forma viável de melhorar a infraestrutura brasileira, trazendo capital privado para áreas nas quais o governo tem dificuldades para investir. Uma característica relevante desses contratos é o seu longo prazo, geralmente entre 20 e 30 anos, motivo pelo qual são frequentemente comparados a um casamento.
Assim como em um casamento, a relação entre Poder Concedente e parceiro privado certamente enfrentará crises, podendo acabar em divórcio. Dentro dessa analogia, a consensualidade seria a terapia de casal a fim de evitar desgastes na relação contratual e longas discussões que podem resultar em disputas judiciais ou arbitrais e, no limite, no rompimento do contrato.
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As disputas geralmente surgem quando acontece algo que não estava previsto no contrato original ou quando há diferentes interpretações sobre quem deve arcar com os impactos de determinados eventos. Dados de agências reguladoras mostram que esses conflitos podem se arrastar por muito tempo – das oito arbitragens registradas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por exemplo, apenas duas foram encerradas (CRO e Via 040), enquanto as outras continuam em andamento, algumas há mais de seis anos. No Judiciário, as disputas são ainda mais longas.
Essa demora não afeta apenas as empresas e o governo, mas toda a economia que depende dessas infraestruturas, em especial os usuários diretos.
O tempo é crucial nesses projetos. Imagine uma concessionária que está começando suas operações e enfrenta um evento climático extremo e imprevisível, que danifica a sua estrutura. Os gastos não previstos para reconstrução afetam diretamente o caixa da empresa, acarretando desequilíbrio econômico-financeiro e prejudicando sua capacidade de fazer a manutenção básica, executar o cronograma de obras originalmente previstas e prestar serviços adequados.
Nesse contexto, a demora em reequilibrar o contrato cria um ciclo vicioso: a qualidade do serviço cai e a empresa recebe multas e descontos regulatórios, o que diminui ainda mais seu caixa, podendo até mesmo inviabilizar a operação.
Assim, quanto mais rápido forem estabelecidas medidas para se fazer frente aos impactos financeiros do evento extraordinário, mais rapidamente se estancará a deterioração de caixa do projeto, possibilitando a continuidade da operação e a adequada prestação dos serviços aos usuários.
As consequências negativas que decorrem de longos períodos de discussão se tornaram mais claras à medida em que houve amadurecimento tanto do poder público como de agentes privados que atuam na operação desses projetos. É nesse contexto que a resolução consensual de conflitos surge como um caminho alternativo às disputas judiciais e arbitrais.
Um exemplo dessa busca pelo consensualismo é a atuação da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex Consenso), do Tribunal de Contas da União (TCU), em funcionamento desde o início de 2023. Seu propósito é criar um ambiente de diálogo técnico e maior cooperação na discussão em torno de questões que afetam a continuidade da execução de contratos administrativos pelos concessionários.
Até o momento, a Secex Consenso já conseguiu viabilizar acordos que permitiram bilhões em investimentos e anteciparam melhorias importantes na infraestrutura em anos, como a proposta de repactuação do contrato da BR-101/ES-BA. Outro exemplo recente é o acordo para a BR-163, aprovado pelo TCU em novembro de 2024, que prevê mais de R$ 9 bilhões em investimentos e adianta as obras em cerca de cinco anos em comparação com a alternativa de fazer uma nova licitação. Soluções semelhantes têm sido aplicadas em outros setores, como portos, aeroportos e saneamento, demonstrando a versatilidade da abordagem consensual.
Algumas agências reguladoras têm sido pioneiras na criação de mecanismos para resolver disputas. A ANTT, por exemplo, estabeleceu na Resolução 6.040/2024 o Comitê de Solução de Controvérsias (Dispute Board) para questões técnicas, um modelo que pode ser adaptado para outros setores regulados.
O PL 7063/2017 propõe mudanças nas leis de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) que também atuam no sentido de reduzir a deterioração de caixa causada por longos períodos de discussão. Dentre outras alterações, o seu texto, atualmente em discussão, reflete a busca por soluções consensuais e meios alternativos de solução de conflitos e, nesse sentido, uma das propostas mais importantes é o reequilíbrio cautelar, que permitiria corrigir rapidamente a parte do desequilíbrio financeiro sobre a qual não há discordância.
O setor de infraestrutura enfrenta hoje desafios importantes que podem gerar novos conflitos nos próximos anos, como a reforma tributária e o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos, que exigem contratos mais flexíveis e adaptáveis em todos os segmentos de concessões.
A possibilidade de resolver conflitos de forma consensual traz maior previsibilidade para o contrato e reduz incertezas para quem investe, uma vez que se reduz a probabilidade de uma ruptura contratual. Os benefícios econômicos são claros: menos gastos com advogados, perícias e processos; manutenção do fluxo de caixa e da qualidade dos serviços; e redução do custo para captar recursos, já que investidores enxergam menos riscos quando existe um ambiente regulatório mais estável e previsível.
Os mecanismos de consensualidade representam um grande avanço para todo o setor de concessões no Brasil. Esta abordagem ajuda a criar um ambiente mais atrativo para investimentos, essencial para expandir e modernizar a infraestrutura em diversos setores.
A experiência recente mostra que soluções negociadas geram melhores resultados econômicos para todos (usuários, empresas e governo), oferecendo um caminho promissor para contratos de concessão sustentáveis no longo prazo e contribuindo para o desenvolvimento do país.