Isenção de dividendos em xeque: a proposta de ‘IR mínimo’ para pessoas físicas

Está em discussão no Congresso Nacional o PL 1087/2025, que propõe uma mudança importante, embora não estrutural na legislação do imposto de renda. O projeto cria um novo modelo de faixas de isenção do imposto de renda das pessoas físicas (IRPF), além de estabelecer um imposto mínimo (IRPFM) voltado aos indivíduos com “altas rendas” como medida de compensação.

Não se está discutindo uma “reforma” profunda da tributação da renda, ao menos de estatura equivalente à reforma do consumo. Esse modelo de alterações em pontos específicos da legislação que trata da tributação da renda vem sendo praticado nos últimos anos, especialmente para implementar medidas de aumento arrecadatório.

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É importante contextualizar como é a tributação dos lucros no atual cenário legal, que pode ser impactada caso o PL 1087 seja aprovado.

Hoje, lucros e dividendos não ficam sujeitos a tributação quando de sua distribuição. Apesar disso, são tributados no nível das empresas, isto é, sujeitam-se a uma tributação (nominal) em torno de 34% (IRPJ/CSLL).

Essa isenção no nível das pessoas físicas é o que costuma ser lembrado como um contraponto aos salários, pró-labores e remunerações em geral pagas aos trabalhadores, que se sujeitam ao IRPF pela tabela progressiva, que chega a 27,5%.

Especialmente quanto aos lucros, trata-se de uma técnica de alocação da tributação – hoje, toda a tributação do lucro no Brasil está no nível das empresas. Em outros países, é mais comum que a carga tributária seja dividida entre empresas e pessoas físicas (neste caso, com uma tributação mais baixa no nível das empresas, “compensada” pela incidência imposta às pessoas físicas).

Há alguma contaminação ideológica do debate, visto que se difunde a falsa percepção de que lucros e dividendos não são tributados – quando na verdade o são. Evidentemente, isso não quer dizer que a lógica de alocação da tributação não deva ser reavaliada e otimizada; contudo, é importante que isso seja feito de forma técnica e pragmática.

Outra premissa importante para analisar o PL 1087 é o conceito de “alíquota efetiva”. As empresas brasileiras pagam uma alíquota “nominal” (isto é, aquela prevista no texto legal) de 34%. Isso não quer dizer, contudo, que o valor efetivo desembolsado corresponda a 34% de seus lucros apurados pela contabilidade. Pode ser que o IRPJ/CSLL pagos, após as deduções, compensações com prejuízos fiscais, represente um percentual inferior em relação ao lucro contábil (ex.: 15%, 20%).

Isso ocorre não apenas para as empresas no lucro real, mas também no lucro presumido, que impõe a aplicação dos 34% sobre uma presunção de lucro partindo da receita bruta. Neste caso, tende a ser mais fácil que a alíquota efetiva se distancie (para baixo) da “nominal”. Situação semelhante se aplica às empresas optantes pelo Simples Nacional.

Estudos sugerem que as grandes empresas brasileiras pagam em torno de 18% de alíquota efetiva, em média – abaixo do que seria a média global, superior a 23%. Isso é pouco? Muito? A comparação considera o efeito dos tributos sobre receita bruta? São questões importantes que precisam ser enfrentadas.

O que muda

O PL 1087 atende a duas pautas que são bandeiras do atual governo: aumentar a isenção do IRPF para os trabalhadores e tributar mais os indivíduos com “altas rendas”. Essa tributação adicional visa compensar a perda de arrecadação prevista com o aumento da isenção do IRPF para rendimentos tributáveis de até R$ 5.000 por mês (e um mecanismo de redução para aqueles com rendimento mensal de até R$ 7.000).

Como vai ocorrer a tributação das “altas rendas”, segundo o PL?

A primeira regra do projeto é a da tributação na fonte mensal: se uma empresa distribuir, por mês, lucros e dividendos acima de R$ 50 mil a um indivíduo, deverá reter 10% a título de imposto de renda mínimo (“IRPFM”) – que pode ser objeto de restituição na declaração anual se os requisitos para exigência do IRPFM não se concretizarem.

Essa previsão deve ser avaliada junto com aquela que trata da tributação anual: para os indivíduos que tenham recebido rendimentos (tributáveis ou não) acima de certo patamar no ano anterior (com exceções pontuais), passa a ser exigido o IRPFM: quem tiver recebido mais de R$ 1.200.000,00 (R$ 100.000/mês) deverá ter que arcar com um IRPFM de 10%; entre R$ 600.000,00 e R$ 1.200.000,00, a alíquota exigida do IRPFM fica entre 0 e 10%, de acordo com uma fórmula de aumento linear.

Ou seja: todos os rendimentos do contribuinte serão somados e confrontados com o imposto pago ao longo do ano. Parte pode ter sido isenta; parte, tributada a alíquotas como 15% ou 27,5%; e mesmo os 10% na fonte sobre dividendos. Ao todo, a tributação “média” pode representar, p. ex., 7% do total de rendimentos. Neste caso, o contribuinte pode ser obrigado a recolher um adicional a título de IRPFM para atingir o mínimo legal (ex. 10%).

Na prática, o IRPFM será devido por aqueles cuja maior fonte de renda sejam lucros e dividendos isentos, já que os demais rendimentos (aplicações financeiras, salários etc.) já são normalmente sujeitos a alíquotas mais altas do que o IRPFM.

A tributação das empresas vai diminuir?

Uma das grandes críticas à criação de uma tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos é a alta carga tributária nas empresas. Faz sentido cobrar tributos de 34% (ainda que nominalmente) nas empresas e mais 10% na distribuição (ou exigir esse percentual anualmente)?

O PL 1087 traz um mecanismo para (em tese) evitar aumento de carga global, ao prever que o total a ser pago, entre nível da empresa e pessoa física, deve se limitar a uma tributação efetiva de 34% (com exceções setoriais). Caso a somatória das alíquotas efetivas supere esse teto, será aplicável um redutor.

Nesse ângulo, o PL aparenta trazer certa “neutralidade”: se as empresas pagam 34%, não há aumento de tributação, pois não haveria IRPFM a pagar. Contudo, como mencionado acima, as empresas normalmente pagam uma alíquota efetiva menor do que 34%, então a carga tributária total sobre os lucros certamente aumentará.

É razoável impor uma tributação mais pesada sobre os lucros? A carga atualmente suportada pelas empresas (efetiva) não é alta o bastante? Vale reforçar que, diferentemente do que ocorre em outros países, as empresas brasileiras arcam com outros tributos sobre receita bruta (PIS/Cofins, mas também ISS, por exemplo) que espremem suas margens de lucratividade.

O debate, portanto, deve considerar a sistemática de alocação da tributação dos lucros e a carga tributária como um todo.

Vale ressaltar também que, se o PL 1087 for aprovado, os dividendos remetidos ao exterior, hoje isentos de tributação, passarão a ser tributados a uma alíquota de 10%. A tributação poderá ser afastada se essa alíquota, mais a carga efetiva sobre os lucros da empresa que pagar os dividendos, superarem 34%. Neste caso, será aplicado um crédito para reduzir o imposto devido na remessa ao exterior.

Em suma, o PL 1087 representa o fim não declarado e indireto da isenção sobre lucros e dividendos distribuídos.

Próximos passos

O PL 1087 ainda enfrentará toda a tramitação legislativa. Já há resistência no Congresso, por não ter sido apresentada uma proposta de redução do IRPJ/CSLL, ainda que haja uma mitigação do novo IRPFM com base na carga efetiva arcada pelas empresas. Há rumores até de que a isenção de até R$ 5.000 do IRPF seja compensada de outras formas, rejeitando-se o IRPFM.

Dessa forma, ainda é cedo para avaliar se o projeto será aprovado em 2025 (e como o será), embora essa seja a intenção do governo. Ainda que o seja, é provável que mudanças sejam feitas no texto, visto que o tema é muito politizado. É possível haver uma redução no IRPFM ou a criação de mecanismos adicionais para mitigar seu efeito/reduzir a carga das empresas.

De toda forma, uma vez aprovado, o projeto terá seus efeitos produzidos a partir do ano seguinte à aprovação – ou seja, sendo aprovado em 2025, valerá para os dividendos apurados a partir de 2026.

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