Competência tributária e o novo contencioso da CBS e do IBS

Há algum tempo chamamos a atenção para o fato que a quase identidade entre os regimes jurídicos da CBS e do IBS, certamente, auxiliará na aplicação dos tributos[1], a dificuldade posta diz respeito à definição dos órgãos competentes para julgamento das lides a eles relacionadas, já que a Constituição prevê a competência tributária federal da CBS e a competência compartilhada entre estados, DF e municípios para o IBS, sem que exista, na estrutura atual, qualquer órgão do Judiciário, ou na Administração Pública, com competência para julgamento simetricamente alinhada às competências tributárias das novas exações.

Importa, para tanto, explicar que, dentro da disciplina tributária, competência é termo que comporta dois significados.

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A competência tributária é indelegável, facultativa, irrenunciável, não caduca[2] e inclui a competência legislativa e a capacidade tributária[3]. Conforme definição do professor Luís Eduardo Schoueri, refere-se à esfera de atuação própria de cada pessoa jurídica de Direito Público (União, estados, Distrito Federal e municípios), e pode ser exclusiva, se apenas um ente atua, ou concorrente, se há mais de um ente atuando em conjunto.

Todas as regras relativas à competência tributária estão na Constituição Federal, nos artigos 145, 147, 148, 149, 149-A, 153 a 156-A, entre outros. Assim, de acordo com a competência definida pela Carta Magna, cada ente será competente para instituir os tributos, por meio de lei própria[4].

Quanto à competência para julgamento, existe uma ideia inicialmente intuitiva de que tributos federais devem ser julgados por órgãos federais, tributos estaduais por órgãos estaduais e tributos municipais por um órgão municipal, caso este exista. Contudo, para que a ideia tenha validade, não basta ser intuitiva, é necessário que esteja respaldada por normas vigentes. A certeza que se tem, é que não existe qualquer comando constitucional determinando que a competência tributária e a competência para julgamento de matéria tributária devam ser, necessariamente, coincidentes.

Para saber, o Carf, que só veio a receber esse nome no ano de 2009, em que pese sua criação remontar ao ano de 1924[5], já teve competência para julgamento de tributos estaduais e municipais e previsão de que fosse instalado um em cada estado e no Distrito Federal. Em que pese os conselhos nos estados nunca terem sido instalados e, na estrutura atual, não ter competência para julgar tributo estadual ou municipal, é importante observar que a possibilidade de existir a descentralização geográfica do conselho não feria a natureza jurídica do órgão e os contornos constitucionais de competência[6].

Assim, pensando em encontrar as normas que dispõem sobre a competência para julgamento, faremos uma distinção entre o julgamento tributário no contencioso administrativo e no contencioso judicial.

Quanto ao âmbito administrativo, Rodrigo Dalla Pria faz importante observação quanto à competência legislativa e explica que cabe à União fixar, por meio de lei complementar, normas gerais sobre processo administrativo-tributário, “competência que, desafortunadamente, nunca foi levada a cabo. Por essa razão, o que se tem, desde sempre, é uma verdadeira torre de babel normativa, onde cada entre federativo dispõe de plena liberdade para legislar concorrentemente acerca da matéria”[7].

Até a Emenda Constitucional 132/2023, a Constituição não trazia previsão expressa quanto ao contencioso administrativo, o que não conduziu à vedação ou à negação do instituto. O contencioso administrativo tem por razão de existir a necessidade de controle de legalidade do ato de lançamento, em deferência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Segundo lecionam Geraldo Ataliba[8] e Hugo de Brito Machado[9], o contencioso administrativo também tem como função aliviar sobrepeso ao contencioso judicial e via de consequência dar maior celeridade, seja no âmbito administrativo, seja no judicial.

Apesar da relevante função, a solução de lides de natureza fiscal não tem, até hoje, uma adequada sistematização, pois o grande volume de regras jurídicas que se acumulam no sistema tributário e a falta de integração com o processo judicial tornam o processo administrativo fiscal, por muitas vezes, pouco eficiente[10].

Visando regulamentar a estrutura e a procedimentalização do contencioso administrativo, o Poder Executivo elaborou o PLP 108/2024, que inaugura o Título II, “Do Processo Administrativo Tributário do IBS”. Pretende-se a criação de novo Tribunal administrativo com vistas a processar e julgar lançamentos de IBS, o que, por si só, causa espécie.

Isto porque caberá ao Carf julgar os casos que cuidem de débitos de CBS, cujo tratamento deve ser idêntico aos do IBS, na forma do novel art. 149-B, que determina a observância das mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência e sujeitos passivos; imunidades; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação; e regras de não cumulatividade e de creditamento.

Aqui reside grande parte das críticas dos estudiosos com a possibilidade de prolação de decisão díspares e contraditórias, no tocante ao IBS e à CBS, face à previsão de ritos processuais distintos para tais tributos que possuem o mesmo fato gerador, mesma base de cálculo e várias características convergentes, no que chamamos de Regime Jurídico Especial da CBS e IBS.

Assim, quanto à CBS, parece óbvio que ser O modelo que proponho de novo contencioso administrativo tributário prevê a instalação da 4ª Seção de Julgamentos do Carf, para julgamento da CBS e do IBS, e encontra amparo no art. 327 da Lei Complementar 214, de 2025, segundo o qual, o Ministério da Fazenda e o Comitê Gestor do IBS poderão celebrar convênio para delegação recíproca do julgamento do contencioso administrativo relativo ao lançamento de ofício do IBS e da CBS efetuado nos termos do art. 326, de modo a permitir que o julgamento, tanto do IBS, quanto da CBS, sejam realizados no âmbito do Carf. Essa proposta será objeto da próxima escrita.

Passando para a esfera judicial, ali a solução dos conflitos tributários é realizada de forma difusa, a Justiça Federal comum é competente para julgar as lides entre o fisco federal e sujeitos de direito que se constituem sob forma de pessoa jurídica de direito público federal; a justiça estadual comum é competente para julgar os conflitos que envolvam os fiscos estaduais e municipais e a Justiça do Trabalho será competente para apreciar os litígios tributários que decorram da incidência de contribuição previdenciária sobre os fatos tributários constituídos nas sentenças trabalhistas[11].

Essa conclusão é extraída da norma insculpida no art. 109 da Constituição Federal, segundo a qual compete aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Assim, parece não haver dúvida que a CBS será julgada na justiça federal, enquanto para o IBS parece existir uma lacuna, à medida que inexistem dúvidas de que a União será interessada nas causas envolvendo esses litígios, em que pese tratar-se de um conflito que deve envolver o fisco estadual e/ou municipal.

Até o momento, existem algumas ideias de como solucionar ou aperfeiçoar o contencioso judicial do IBS. Entre elas, Bianor Arruda defende a existência de dois caminhos: que a justiça federal tenha competência para julgar o IBS ou que seja implementado um novo órgão na estrutura judiciária, com competência e composição mista[12].

Há, ainda, quem defenda que o IBS deve permanecer na Justiça Estadual e, ocorrendo conflito com a jurisprudência federal da CBS, fica o Superior Tribunal de Justiça incumbido de trazer a solução, a par da disposição veiculada pelo art. 105, inciso I, alínea j, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 132/2023.

A verdade é que o contencioso tributário, em essência, deveria ser célere e eficiente, visando garantir, de um lado, segurança jurídica, nas hipóteses em que a lacuna normativa traz dúvida suficiente para que nem contribuinte nem ente tributante tenha clareza na melhor prática a ser adotada; e, de outro, a rápida arrecadação nos casos em que se entenda como cabível o tributo objeto de análise. No entanto, seja pela inflação legislativa, seja pela demora na pacificação de litígios, o contencioso tributário brasileiro atingiu dados graves e desproporcionais.

No atual estágio, o modelo de ideias e estudos não é mais cabível, dada a urgência de efetivas mudanças no contencioso tributário, que perpassa a consciência que o melhor modelo é aquele que mira na coletividade e na segurança jurídica, em sobreposição ao atendimento político de minorias.


[1] MCNAUGHTON, Cristiane Pires; MCNAUGHTON, Charles Wiliam. Breves Reflexões sobre o Regime Constitucional do IBS e da CBS. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de; SILVEIRA, Rodrigo Maito da (Coords.). Direito Tributário: homenagem aos 50 anos do IBDT. São Paulo: IBDT, 2024. pp. 257-271, p. 259.

[2] PONTALTI, Mateus. Manual de Direito Tributário. 3. ed., rev, atual. e ampl. São Paulo: JusPodvm, 2022,

  1. 36.

[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros/JusPodivm, 2022, p. 29.

[4] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 251.

[5] Origens do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: Histórico dos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda. Disponível em: http://carf.economia.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/memoria-institucional-1. Acesso em: 15 set. 2024.

[6] OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; RENAULT, Felipe Kertesz. Cem Anos do CARF: do Passado ao Futuro, Sob o Olhar Crítico do PLP n. 108/2024. In: OLIVEIRA, Ana Claudia Borges de; PURETZ, Tadeu (coords.). Coletânea 100 anos do CARF. São Paulo: NSM Editora, 2024, p. 27-39.

[7] DALLA PRIA, Rodrigo. Reforma do contencioso tributário. Consultor Jurídico, 10 abr. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-abr-10/processo-tributario-reforma-contencioso-administrativo-tributario/. Acesso em: 03 out. 2024.

[8] ATALIBA, Geraldo. Recurso em Matéria Tributária. Revista de informação legislativa, v. 25, n. 97, p. 111-132, jan./mar. 1988. p. 122.

[9] MACHADO, Hugo de Brito. Mandado de Segurança em Matéria Tributária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 303.

[10] MARINS, James. Princípios Fundamentais do Direito Processual Tributário. São Paulo: Dialética, 1998. p. 121.

[11] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito processual tributário. 3. ed., rev. e atual. São Paulo: Noeses, 2024, p. 171.

[12] NETO, Bianor Arruda Bezerra. O Papel Dual da União na Federação: Comitê Gestor e Competência Jurisdicional. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de, et al. Nossa Reforma Tributária: análise da EC 132/23, do PLP 68/2024 (CBS/IBS) e do PLP 108/2024 (Comitê Gestor, contencioso do IBS, ITCMD e ITBI). São Paulo: Editora Max Limond, 2024. pp. 413-429.

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