Recuos de Trump evidenciam limites impostos pelos danos econômicos

Nos últimos dias, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump acenou com recuos nas duas frentes de batalha mais controversas, que incomodaram fortemente os mercados em abril. De um lado, afirmou que não pretende demitir o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, ciente de que tal intenção esbarraria em dificuldades legais e causaria enormes danos à credibilidade da política monetária e aos ativos norte-americanos. De outro, admitiu que as tarifas de 145% sobre produtos chineses são elevadas e que devem ser reduzidas mediante negociações com Pequim.

Embora os acenos não devam representar mudança consistente na forma caótica de Trump governar, ao menos sugerem que os potenciais estragos econômicos decorrentes das escolhas começam a impor limites às iniciativas voluntaristas do presidente.

Há diversas evidências dos impactos negativos dos posicionamentos adotados nos três primeiros meses de mandato. Como os efeitos na economia real não surgem de imediato, alguns antecedentes já sugerem danos contratados à frente.

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A performance das bolsas em Wall Street tem sido um dos aspectos mais chamativos. Após atingir o pico histórico de 6.117 pontos no dia 20 de fevereiro, o índice S&P 500 entrou em forte correção, chegando a perder o patamar de 5.000 pontos no início de abril, em meio aos anúncios iniciais do tarifaço. Diante de alguns recuos de Trump, o índice voltou a oscilar acima dos 5.500 pontos na última semana, ainda assim cerca de 10% abaixo do pico.

Além de ilustrar percepção mais adversa sobre o desempenho futuro das empresas, a queda das bolsas nos EUA traz um efeito colateral importante na percepção de riqueza das famílias, considerando a elevada parcela de norte-americanos que investem na bolsa – segundo o Gallup, este percentual supera 60%. Ou seja, queda forte das ações afeta a riqueza e, consequentemente, o consumo.

Indicadores de confiança também pioraram nos últimos meses, em outro importante antecedente da atividade. O índice ISM do setor de serviços, que representa mais de 80% da economia, atingiu, em março, o menor patamar desde junho de 2024, aos 50,8 pontos – no limite da linha divisória de 50 pontos, abaixo da qual aponta para uma atividade em contração.

Os componentes de emprego (46,4 pontos) e de novos pedidos (50,4) também sugerem um setor mais cauteloso. Entre os consumidores, a piora dos índices é ainda mais evidente. O índice do Conference Board apontou, em abril, o menor patamar desde maio de 2020, quando a confiança era duramente afetada pelo início da pandemia. O componente de expectativas, por sua vez, atingiu o menor nível desde 2011.

O pessimismo dos agentes econômicos acende um alerta quanto à evolução da economia nos próximos trimestres, com ameaças claras ao consumo e aos investimentos. Como primeiro sinal concreto, o PIB do 1º trimestre (ainda não influenciado pelo tarifaço de abril) recuou 0,3% na margem, primeira contração em três anos.

Nesse contexto, o FMI revisou as projeções para o crescimento das principais economias, com destaque para os Estados Unidos. A projeção para 2025 foi reduzida para 1,8%, de 2,7% apresentada em janeiro. Em relação à 2026, o FMI projeta agora expansão de 1,7%, ante estimativa anterior de 2,1%. Como justificativas, o fundo apontou a maior incerteza em torno das políticas econômicas, as tensões comerciais e a perda de ritmo da demanda.

Diante do quadro citado e de uma perspectiva de continuidade do ambiente conturbado, nossas projeções para o crescimento do PIB nos Estados Unidos são menores em relação às apresentadas nesta semana pelo FMI, em 1,5% em 2025 e 1,0% em 2026. Os indicadores antecedentes são condizentes com um cenário de crescimento próximo a zero na margem nos próximos trimestres, o que geraria um efeito carregamento fraco para 2026.

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E como a política monetária deverá se comportar neste ambiente? As perspectivas de desaceleração forte da economia estimulariam o Fed a adotar postura mais flexível. No entanto, as eventuais reduções das taxas de juros nos próximos meses serão desafiadas pelo esperado repique inflacionário gerado pelas tarifas comerciais adotadas, mesmo que o efeito seja temporário. Ou seja, diante dos potenciais impactos da desaceleração econômica sobre o emprego, os dois mandatos da instituição devem caminhar na direção oposta aos objetivos, tornando mais desafiadora a condução da política monetária.

Por ora, a expectativa é de duas reduções de 25 bps nas taxas de juros dos Fed Funds em 2025, para o intervalo entre 3,75% e 4,00%, e nenhuma em 2026, embora seja importante reconhecer o risco de a autoridade monetária avançar um pouco mais na flexibilização nestes dois anos. Isso ocorreria caso os danos à economia se mostrarem mais persistentes, enquanto as pressões inflacionárias mais transitórias.

Em suma, predomina um cenário nebuloso sobre a economia dos EUA neste momento. Se a agenda tarifária por si só já representaria um fator adverso em termos de performance econômica, os ruídos e incertezas em torno dela, e de outras agendas, tornam o quadro ainda mais turvo. Como alento, os danos econômicos representam um freio às medidas mais destrutivas, estimulando a preservação de um grau mínimo de racionalidade na condução da agenda. Ainda assim, não é razoável contar com uma volta à normalidade durante este mandato.

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