A recente Emenda Constitucional 132 trouxe uma reforma significativa na tributação sobre o consumo no Brasil, buscando simplificação, transparência e neutralidade através da criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). No entanto, a eficácia plena deste novo sistema depende não apenas da legislação material, mas também da forma como as sanções tributárias serão concebidas e aplicadas. O Projeto de Lei Complementar (PLP)108 trata das sanções desse novo sistema. Entretanto, as normas previstas no texto proposto parecem instituir sanções inadequadas por serem excessivamente casuísticas e não sistemáticas, introduzirem complexidade, e sancionarem o sujeito passivo em duplicidade.[1]
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Tal como fez a Emenda Constitucional 132, torna-se necessário reformular o sistema de sanções, adotando um novo paradigma que seja focado não em sancionar o sujeito passivo, mas sim em estimular a sua conformidade com as leis tributárias. Visando a contribuir para o debate acerca da formulação do sistema de sanções do IBS e da CBS, o presente artigo divide-se em duas partes. Na primeira, são apresentados os princípios que, de acordo com a Constituição, devem orientar a instituição de tal sistema. Na segunda, são descritas propostas embrionárias formuladas por Júlio Oliveira e José Tostes e apresentadas recentemente no evento Summit do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, coordenado pelo Professor Isaías Coelho.[2]
Princípios informadores do Sistema de Sanções IBS/CBS
Assim como todo o Sistema Tributário Nacional, também o Sistema de Sanções do IBS/CBS é informado pelos princípios da legalidade e da segurança jurídica. De um lado, o princípio da legalidade encontra-se previsto no inciso II do art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Reveste-se ainda de especial relevância no âmbito tributário por força do disposto no inciso I do art. 150, da Constituição Federal: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.” De outro lado, o princípio da segurança jurídica permeia toda a Constituição e busca assegurar a confiança, previsibilidade e a cognoscibilidade das normas jurídicas.
Aplicados às multas tributárias, tais princípios exigem que a lei que instituir sanções relacione todas as obrigações acessórias do sujeito passivo. Isso quer dizer que as leis complementares do IBS e da CBS, tanto a Lei Complementar 214 (LC 214), quanto a lei complementar eventualmente aprovada decorrente do Projeto de Lei Complementar 108 (PLP 108), veiculem uma norma jurídica completa, composta pela norma primária dispositiva e pela norma secundária sancionadora. Isso porque a norma primária dispositiva sem a norma secundária resta quase como exigência moral sem sanção institucionalizada. A norma secundária sancionatória sem a norma primária revela-se arbitrária, pois não é possível precisar o tipo da infração sem a determinação legal de qual obrigação da norma primária (obrigação acessória) foi descumprida.
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A norma que imputa ao sujeito passivo a sanção (e.g. a multa) é como o crime no direito penal: uma conduta (ação ou omissão) ilícita, típica, antijurídica e culpável. Neste tema das obrigações acessórias, o fato antijurídico é o descumprimento específico de uma obrigação acessória: sem a definição legal da obrigação acessória, portanto, o tipo da infração fica vazio, sujeito à arbitrariedade do aplicador.[3]
Por exemplo, imagine-se a seguinte norma primária dispositiva “Se ocorrer o fato gerador, então, o fornecedor é obrigado a solicitar a emissão da nota fiscal do IBS ao Comitê Gestor”. A obrigação acessória, aqui, é “solicitar a emissão da nota fiscal do IBS ao Comitê Gestor”. A infração é o não adimplemento da obrigação acessória ex vi do art. 62 da Lei Complementar 214/2025. Logo, a norma secundária a ser veiculada no PLP 108 deveria ser: “dado o fato da não emissão da nota fiscal (infração, i.e., fato antijurídico), então deve ser a multa de 20% do valor do tributo devido (multa, valor exemplificativo)”. Portanto, antes de desenhar as multas, o legislador tem o dever de definir quais são as obrigações acessórias.
Em outras palavras, o legislador não pode primeiro criar a norma sancionatória por lei para depois “inventar” as obrigações acessórias. Aliás, sem a definição anterior da norma primária dispositiva da obrigação acessória é IMPOSSÍVEL definir o tipo da infração: “infração a que?”. A definição prévia e legal da obrigação acessória por lei, é condição necessária para o desenho e para a tipologia do fato antijurídico da infração que é antecedente lógico da multa da norma sancionatória.
O mais grave: sem a definição expressa de todas as “obrigações acessórias”, mediante lei, ainda neste ano de 2025, restará prejudica a eficácia do art. 348 da LC 214: “Em relação aos fatos geradores ocorridos de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2026: (…) § 1º Fica dispensado o recolhimento do IBS e da CBS relativo aos fatos geradores ocorridos no período indicado no caput em relação aos sujeitos passivos que cumprirem as obrigações acessórias previstas na legislação.” Ora, se todas as obrigações acessórias não se encontrarem expressamente instituídas e definidas em lei, restará prejudicado o teste em 2026, fundamental para mensurar a base do nosso sistema e garantir transição do sistema PIS/Cofins para o sistema CBS, sem aumento de carga tributária.
Além dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, outros princípios constitucionais informam a instituição do Sistema de Sanções IBS/CBS. Daniela Gueiros delimitou-os em sua apresentação: simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação, proporcionalidade, razoabilidade, congruência, ausência de prejuízos, proibição de sanção política e proibição de confisco.
O princípio da simplicidade exige que as obrigações e multas estejam dispostas de modo claro, conciso e objetivo. Não se deve penalizar o contribuinte por obrigações impossíveis, incompreensíveis ou que não acarretem prejuízo ao fisco. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização da simplicidade deve se dar por meio de regras facilmente compreensíveis, evitando exigir-se repetidamente a mesma informação do sujeito passivo.
O princípio da transparência exige que as informações sejam acessíveis e compreensíveis ao contribuinte e ao aplicador da lei. Isso inclui a disponibilização das leis e regulamentos de forma pública e clara, em nítida contraposição à dificuldade atual de encontrar e entender as regras atinentes à tributação sobre o consumo. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização da transparência pode ocorrer através de plataformas online que divulguem informações ao sujeito passivo e facilitem o processo de revisão e contestação das multas. Também deve-se esclarecer o contribuinte acerca de quais são os seus direitos e de como pode exercê-los.
O princípio da justiça tributária requer uma aplicação equitativa das sanções. Infrações similares devem ser tratadas com o mesmo grau de gravidade e sancionados de igual modo, enquanto infrações distintas devem ser sancionadas de modo distinto. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, os critérios para distinguir os tipos de infrações devem ser objetivos, relacionados à conduta do sujeito passivo, e não aos aspectos que lhe são intrínsecos. De igual modo, deve-se evitar o apelo a elementos subjetivos como dolo, fraude ou simulação. Ademais, as sanções devem estar atreladas à obrigação descumprida, não ao valor da operação realizada pelo sujeito passivo.
O princípio da cooperação abrange tanto a colaboração entre o fisco e o contribuinte para a conformidade, quanto a cooperação entre a União, Estados e Municípios na administração do IBS/CBS. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, é crucial evitar a tripla imposição de penalidades pelos diferentes entes federados para a mesma operação realizada pelo sujeito passivo. Isso exige unificação da fiscalização e do julgamento administrativo. A cooperação também deve se manifestar na relação com contribuintes em compliance, que atuam como parceiros do sistema na arrecadação do IBS/CBS. Além disso, a criação de canais de comunicação claros e abertos são essenciais para a concretização desse princípio. Nesse sentido, considerando a hipossuficiência técnica do contribuinte, é recomendável que a linguagem a ser adotada em tais canais seja acessível, especialmente para o consumidor final, que é quem arca com o ônus financeiro do imposto.
O princípio da proporcionalidade exige que as sanções sejam adequadas (aptas a alcançar o objetivo pretendido, como punir a infração ou dissuadir futuras violações), necessárias (sejam o menos gravosas possível para atingir o fim almejado) e proporcionais em sentido estrito (promovam o fim a que se destinam sem prejudicar em demasia outras finalidades constitucionais relevantes). Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização da proporcionalidade sinaliza a adoção de normas tributárias pautadas em percentuais proporcionais à gravidade do ilícito, que distingam, por exemplo, entre infrações formais (e.g., atraso na entrega de declarações) e infrações materiais (e.g., sonegação fiscal), aplicando multas mais brandas às primeiras. Outra possibilidade é a adoção de multas fixadas em faixas (e.g., 5% a 10% do valor do tributo devido), permitindo que a autoridade fiscal ajuste a penalidade ao caso concreto, considerando fatores como reincidência, porte do contribuinte e impacto econômico.
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O princípio da razoabilidade exige que as sanções sejam justas e equilibradas em relação ao caso concreto. Daí a relevância de se considerar o contexto da infração, a sua gravidade, a capacidade econômica do contribuinte e os objetivos da sanção. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização do princípio da razoabilidade pode exigir que o sistema de sanções preveja atenuantes para os contribuintes bem-intencionados e sanções mais duras para os maus pagadores, tratando os primeiros de forma mais simples e colaborativa. Nesse sentido, deve-se ainda destacar que uma medida possível para a implementação desse princípio é a relevação total ou parcial das multas nos casos em que a infração for praticada por mero equívoco do sujeito passivo ou por divergência interpretativa.
O princípio da congruência exige a existência de uma correlação ou vínculo lógico entre a conduta do contribuinte e a sanção que lhe é aplicada. Liga-se, ainda, ao dever de garantir o devido processo legal e a ampla defesa para que o sujeito passivo seja julgado exclusivamente pela conduta que lhe é imputada no auto de infração, sem surpresas ou alterações que visem manter a sanção por razões subjetivas ou arbitrárias. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização do princípio da congruência demanda que as condutas elencadas como ilícitas tenham vínculo de racionalidade e conexão com as obrigações/deveres exigidos no direito material. Ademais, a aplicação de multas pela autoridade fiscal deve ser devidamente fundamentada e motivada, citando o preceito específico relativo à multa aplicada. Isso quer dizer que tem a autoridade fiscal o ônus de comprovar a satisfação das condições necessárias e suficientes para a aplicação da sanção.
O princípio da ausência de prejuízos prescreve que as sanções sejam utilizadas apenas para punir comportamentos do contribuinte que lesionam a administração tributária ou a arrecadação, e não como mecanismo para reduzir arbitrariamente os direitos do sujeito passivo. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização do princípio da ausência de prejuízos pode se dar por meio do afastamento de multas nos casos em que não se vislumbra qualquer prejuízo à administração tributária ou à arrecadação. Por exemplo: se o contribuinte descumprir o dever de prestar informação, mas o fisco tiver acesso àquela informação por outros meios e isso não prejudicar a fiscalização, então a multa deve ser afastada.
O princípio da proibição de sanção política proíbe a utilização de sanções tributárias como medidas coercitivas que restringem o exercício das atividades econômicas do contribuinte e são utilizadas simplesmente como meio de induzir ou forçar o pagamento de tributos ou dívidas fiscais pendentes. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização do princípio da proibição de sanção política proíbe a imposição de multas como meio de obstar o acesso a tribunais administrativos ou judiciais para discutir a legitimidade de determinada autuação (é o que ocorre, por exemplo, se há uma redução de multa para quem não discute administrativamente o auto de infração lavrado, o que equivale, economicamente, a uma sanção para quem o discute). Além disso, referido princípio proíbe que as sanções sejam direcionadas à pessoa física como forma de compelir o cumprimento da obrigação tributária devida pela pessoa jurídica.
O princípio da proibição do confisco proíbe a imposição de multas tributárias tão elevadas a ponto de equivaler à apropriação total ou significativa do patrimônio ou da renda do contribuinte, comprometendo sua capacidade de manutenção econômica ou o desenvolvimento da sua atividade empresarial. Na formulação do Sistema de Sanções IBS/CBS, a concretização do princípio da proibição do confisco reforça a necessidade de evitar sobreposição de multas e de fixar critérios pautados na gravidade da conduta do sujeito passivo, e não na sua operação ou elementos que lhe sejam intrínsecos.
Propostas para a criação do Sistema de Sanções IBS/CBS
Descritos os princípios informadores do Sistema de Sanções IBS/CBS, é chegado o momento de apresentar as propostas embrionárias formuladas por Júlio Oliveira e José Tostes e apresentadas recentemente no evento SUMMIT do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, coordenado pelo Professor Isaías Coelho.[4]
A proposta de Júlio Oliveira para a revisão do PLP 108
Júlio Oliveira apresentou uma proposta estruturada em “Dez mandamentos” a serem observados para a instituição de sanções e juros do Sistema IBS/CBS, com o objetivo de provocar a reflexão e contribuir para um sistema sancionador mais adequado aos novos tributos. Esses mandamentos buscam superar as falhas do modelo atual, pautado excessivamente no paradigma da punição e que se mostrou ineficaz e gerador de litígios desnecessários. Os dois mandamentos para um sistema sancionador mais sensato foram assim enunciados:
“1. Distinga com habilidade o mau e o bom contribuinte! Onde todos são tratados como sonegadores, todos não se importarão em sê-lo!”
O primeiro ponto crucial levantado é a necessidade de distinguir com habilidade o bom e o mau contribuinte. O sistema atual tende a tratar todos como sonegadores, o que, paradoxalmente, não estimula a conformidade tributária. Júlio argumenta que se a regra geral é tratar todos da mesma forma (como sonegadores), isso desincentiva aqueles que buscam a conformidade. A tendência mundial é implementar programas de transparência e governança tributária, aproximando autoridades fiscais e contribuintes. O novo sistema do IBS/CBS, com sua maior fluidez de informações, deveria trazer mecanismos mais eficientes para distinguir a postura de conformidade. Essa distinção é fundamental para a segurança jurídica e a previsibilidade. Contribuintes que demonstram uma postura nítida de conformidade tributária deveriam ser considerados de maneira diferente.
“2. Não utilizarás as sanções tributárias como mecanismo de aumento de arrecadação tributária! Multa não é tributo, mas meio para fomentar o seu recolhimento!”
Um mandamento central é que as sanções tributárias não deveriam ser utilizadas como mecanismo para aumentar a arrecadação. A multa não é tributo, mas um meio para fomentar o seu recolhimento. O objetivo do IBS/CBS é simplificação, racionalização, transparência e geração de cidadania, não aumento de carga tributária. Portanto, a função primordial da sanção deveria ser retomada: desestimular a conduta inadequada. Um sistema sancionador simplificado é ótimo tanto para o contribuinte quanto para o Estado, pois torna mais claro o que está em desconformidade.
“3. Seja sensato na criação de multas elevadas! O que é impagável não tem relevância jurídica e social.”
Júlio defende a busca por um sistema sancionador simplificado. No entanto, essa simplicidade não significa tipos genéricos que permitam enquadrar qualquer conduta como punível. Há um debate sobre a tipicidade das infrações, com alguns defendendo tipos mais abertos (comparando ao direito penal) e outros a necessidade de maior especificação. Júlio expressa preocupação com a criação de sanções abstratas antes mesmo da definição das obrigações acessórias. Ele argumenta que, embora não se queira uma multa para cada obrigação acessória, é preciso ter uma ideia da essência dessas obrigações para criar uma dosimetria adequada da sanção. As sanções deveriam abranger uma série de condutas relacionadas às obrigações acessórias, mas não se antecipar a obrigações ainda inexistentes. Um sistema sancionador simples deveria ser harmônico e transparente.
“4. Crie uma linguagem punitiva que seja um convite à conformidade! As infrações devem ser claras e lógicas para a formação de um sistema tributário harmônico e justo.”
De acordo com Júlio, outro mandamento chave é a sensatez na criação de multas elevadas, pois o que é impagável não tem relevância jurídica e social. Multas muito altas não geram mais conformidade, mas sim a sensação de que não serão pagas. Essa prática leva a programas de parcelamento e anistia, que desautorizam e enfraquecem o sistema. O direito não consegue regular o impossível. A conformidade tributária passa longe de multas muito elevadas.
“5. Antes da aplicação de sanções tributárias, admoestarás o contribuinte para saneamento de irregularidades.”
Júlio propõe que, antes da aplicação das sanções, deve-se buscar o saneamento de irregularidades junto ao contribuinte. Esta seria uma tendência internacional, que permite que o contribuinte acate o entendimento do Estado e inicie um diálogo, tornando a relação fisco-contribuinte mais transparente e republicana. A punição viria apenas no momento seguinte, caso o contribuinte não regularize a sua situação.
“6. Fomente e acredite que um sistema tributário minimamente harmônico e desestimulador de litígios é o melhor caminho para a conformidade tributária!”
Para Júlio, fomentar e acreditar em um sistema tributário minimamente harmônico e desestimulador de litígios é o melhor caminho para a conformidade tributária. As infrações deveriam ser claras e lógicas para formar um sistema harmônico e justo. A coerência lógica do sistema geraria conformidade. Multas elevadas, confusas e sem propósito levariam ao litígio.
“7. Seja modesto na criação de infrações! Do contrário a conformidade tributária será um desafio tão distante que se tornará inatingível.”
De acordo com Júlio, a sanção tributária deveria ser graduada conforme a natureza da infração, a intenção do infrator e o potencial grau lesivo ao Erário. Isso significa que o sistema do IBS/CBS deveria evitar multas que levassem em consideração o valor da operação. O que se quer atingir é o tributo que deixou de ser arrecadado, não o valor da operação. Punir com base no valor da operação é, na prática, criar um novo tributo sobre um ato ilícito, o que contraria o Código Tributário Nacional.
“8. Observarás o princípio da consunção na aplicação de sanções tributárias.”
De acordo com Júlio, a simplificação das sanções também implica observar o princípio da consunção, evitando-se a criação de inúmeros tipos de multas sobrepostas. O princípio da consunção significa que a conduta meio é absorvida pela conduta final. Não faria sentido, assim, punir separadamente obrigações acessórias se conduta final já está sendo punida. De igual modo, não faria sentido a adjetivação das multas (moratória, punitiva, isolada, e.g.), para a aplicação de sanções cumulativas.
“9. Nunca se aproveite da força do Estado para criar um sistema de terror tributário e nunca use os tributos ou as sanções tributárias para confiscar ou inviabilizar os negócios da iniciativa privada! Não haverá frutos para o Estado se as árvores forem cortadas ou demasiada/inadequadamente podadas.”
Para Júlio, é fundamental nunca se aproveitar da força do Estado para criar um sistema de terror tributário ou usar sanções para confiscar ou inviabilizar negócios. O valor da sanção não deveria, assim, superar o valor da obrigação principal, uma vez que multas elevadas e confiscatórias inviabilizariam o exercício da atividade econômica do contribuinte.
“10. Evite ao máximo criar programas de regularização fiscal a cada ano ou período previsível! A prática reiterada de aplicação destas anistias/remissões enfraquece o sistema tributário e destrói o caráter coercitivo das normas jurídico-tributárias. Além de maltratar os bons contribuintes-cidadãos.”
Na visão de Júlio, a prática reiterada de anistias e remissões enfraqueceria o sistema do IBS/CBS, destruindo o caráter coercitivo das normas e maltratando os bons contribuintes. Quando o perdão é a regra, não há punição efetiva.
As sugestões de José Tostes para a revisão do PLP 108
José Tostes, com sua vasta experiência na Receita Federal, também contribuiu com sugestões específicas para a revisão do capítulo de multas e penalidades do IBS/CBS no PLP 108. Seus pontos convergem com os princípios e mandamentos já discutidos, reforçando a necessidade de um novo olhar sobre o tema. Para ele, as propostas de revisão devem estar alinhadas aos princípios da Emenda Constitucional 132, como simplicidade, transparência, neutralidade, isonomia e cooperação. Este alinhamento é fundamental para garantir que as normas de penalidade sirvam aos objetivos da reforma tributária como um todo. A seguir, os pontos que merecem mais atenção, de acordo com José Tostes.
Revisão das sanções e obrigações acessórias essenciais
Tostes sugere a revisão das sanções relacionadas às obrigações acessórias, com foco naquelas que efetivamente impactam o cálculo ou a arrecadação do tributo. Isso corrobora a preocupação expressa por Júlio Oliveira sobre a necessidade de calibrar as multas com base na importância das obrigações acessórias.
Proporcionalidade e razoabilidade dos níveis de multa
Assim como Júlio, Tostes enfatiza a revisão dos níveis de multa para garantir proporcionalidade e razoabilidade, evitando efeitos confiscatórios. Multas excessivas são ineficazes e geram passivos impagáveis.
Clareza nas regras de aplicação e interpretação
É crucial estabelecer regras claras para a aplicação e interpretação das penalidades, reduzindo a subjetividade e o contencioso. Isso ecoa os apelos por simplicidade, transparência e objetividade nos critérios de aplicação.
Promoção do diálogo e cooperação
Tostes reforça a importância de promover o diálogo e a cooperação entre a administração tributária e os contribuintes, especialmente os bons contribuintes. Isso se alinha ao princípio da cooperação e ao mandamento de admoestação prévia de Júlio.
Simplificação do processo de cobrança
A simplificação do processo de cobrança, incluindo mecanismos de regularização administrativa facilitaria o exercício da atividade econômica do contribuinte e poderia aumentar a eficiência da arrecadação, sem depender de multas punitivas
Padronização entre os entes federados
Por fim, a padronização de procedimentos e critérios entre a União, Estados e Municípios é defendida como essencial para garantir tratamento isonômico aos contribuintes. Isso mitigaria o risco de conflitos e múltiplas sanções para a mesma conduta, uma preocupação central na discussão.
Conclusão
Os princípios informadores do Sistema de Sanções do IBS/CBS revelam pressupostos mínimos que devem obrigatoriamente observados pelo legislador infraconstitucional para a instituição de multas e sanções no âmbito desses novos tributos.
A análise das propostas de Júlio Oliveira e José Tostes revela a existência de forte convergência de ideias sobre a necessidade de um sistema sancionador do IBS/CBS radicalmente diferente do modelo atual. O consenso aponta para a urgência de abandonar a abordagem punitiva e arrecadatória, para que se passe a focar em princípios como simplicidade, transparência, justiça, cooperação, proporcionalidade, razoabilidade e proibição do confisco.
As propostas destacam a importância de distinguir entre bons e maus contribuintes, usar sanções para fomentar a conformidade e não a arrecadação, ser sensato com multas elevadas, admoestar antes de punir, simplificar tipos e aplicar a consunção, evitar multas sobre o valor da operação, coibir o terror tributário e o confisco, e abolir a prática de programas de regularização fiscal reiterados.
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Complementarmente, a ênfase nos princípios de transparência (incluindo acesso a direitos), justiça com critérios objetivos, cooperação entre entes e com contribuintes, proporcionalidade (evitando arbitrariedade, sanção política e impedimento de defesa), ausência de prejuízo como critério, e a proibição de confisco aplicada às multas, reforçam a visão de um sistema que busca uma relação mais saudável e eficiente entre fisco e contribuinte.
As sugestões de José Tostes validam essas preocupações e oferecem um caminho pragmático para a revisão do PLP 108, pautado no alinhamento com a EC 132, na revisão das sanções às obrigações essenciais, na proporcionalidade, clareza, cooperação, simplificação da cobrança e padronização entre os entes.
Em suma, a construção de um sistema de penalidades eficaz e justo para o IBS e CBS exige uma ruptura com o passado, baseada em princípios sólidos que promovam a conformidade através da clareza, equidade e cooperação, em vez do medo e da inviabilização. O sucesso da reforma tributária depende, em grande medida, da incorporação dessas propostas na legislação complementar.
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[1] Este tema foi inicialmente pautado pela NOTA TÉCNICA CCiF n. XXVII – Multas e infrações do IBS – propostas de aperfeiçoamento ao PLP 108/24, Esta Nota Técnica destaca a importância de simplificar as hipóteses de multas/infrações do IBS. A principal sugestão é de reduzir de 37 hipóteses previstas atualmente no PLP 108/24 de multas e infrações para 5 categorias mais amplas. No site CCiF: https://ccif.com.br/wp-content/uploads/2024/11/NT-Multas-e-infracoes-do-IBS-PLP-108.pdf
[2] Evento do SUMMIT do NEF/FGV, coordenado pelo Prof. Isaias Coelho, realizado em 01/05/2025, transmitido ao vivo pelo YouTube. Participarão do evento: Isaias Coelho, Eurico Santi, Júlio de Oliveira, Daniela Gueiros, José Tostes à distância, Manoela Balarotti, Carolina Conte, Rodrigo Caldas, Susy Gomes Hoffman, Aloisio Alonso et ali. Vídeo integral do evento disponível no YouTube:
[3] Cf. Eurico Marcos Diniz de Santi, Lançamento Tributário, Max Limonad, São Paulo, 1996.
[4] Evento do SUMMIT do NEF/FGV, coordenado pelo Prof. Isaias Coelho, realizado em 01/05/2025, transmitido ao vivo pelo YouTube. Participarão do evento: Isaias Coelho, Eurico Santi, Júlio de Oliveira, Daniela Gueiros, José Tostes à distância, Manoela Balarotti, Carolina Conte, Rodrigo Caldas, Aloisio Alonso et ali. Vídeo integral do evento disponível no YouTube.